Diversão e Arte

Paulo Moura, músico

Referência para clarinetistas e saxofonistas de várias gerações, o instrumentista lutava contra um câncer linfático

Irlam Rocha Lima
postado em 14/07/2010 08:35
Não vão ficar para a posteridade as reuniões que, semanalmente, entre o começo de 2009 e maio deste ano, Paulo Moura tinha com João Donato. As fusões rítmicas, os improvisos jazzísticos, a rica sonoridade que criavam infelizmente não ganharam registro. Vão ficar, para sempre, impregnadas nas dependências do apartamento do pianista acreano, na Avenida Portugal, no bairro da Urca, no Rio de Janeiro, onde reverberaram. Paulo Moura no Clube do Choro em 2009, onde se apresentou pelo projeto Dorival para sempre CaymmiUm dos mais importantes e sofisticados instrumentistas brasileiros, referência para clarinetistas e saxofonistas de várias gerações, o paulista Paulo Moura, nascido em São José do Rio Preto, morreu na noite de segunda-feira, aos 77 anos, vítima de câncer linfático. O corpo do músico será velado hoje, a partir das 11h, no Teatro Carlos Gomes, no Centro do Rio. No último sábado, no apartamento que ocupava na Clínica São Vicente, na Gávea, Paulo Moura recebeu a última e emocionante homenagem de companheiros de ofício, organizada pelo pianista norte-americano Cliff Korman, com quem costumava dividir o palco e estúdios (eles lançaram em 2006 o CD Gafieira Jazz), da qual tomaram parte, entre outros, Wagner Tiso e Humberto Araújo - discípulo do mestre. Nos dois dias anteriores, quem esteve com ele foi Leo Gandelman, outro saxofonista que o tinha como "permanente fonte de inspiração". Os dois tornaram-se amigos fraternos. "Aos 19 anos, quando comecei os estudos do instrumento, tomei o Paulo como professor. Aliás, ele foi professor também de Mauro Senise, Raul Mascarenhas e de Humberto Araújo, além de outros saxofonistas e clarinetistas mais ou menos conhecidos", lembra Gandelman. "Em 2009, criei o projeto Quatro por quatro, no qual tinha como convidados o Paulo, o Mauro e Nivaldo Ornellas. Fizemos uma série de quatro apresentações em teatros do Sesc, sendo duas no Rio e duas em Petrópolis e Teresópolis. Foram momentos de grande criatividade no palco que vou guardar para sempre na memória", conta o saxofonista carioca, que tocou pela última vez com Moura há 20 dias, na casa da ex-secretária municipal de Cultura Jandira Feghalli. Do Rio a Moscou Paulo Moura começou carreira no começo da adolescência, no interior de São Paulo. Logo depois radicou-se no Rio e lá passou a tocar em cassinos, dancings, gafieiras, como integrante da Zacharias e Sua Orquestra. Ao concluir o curso de clarineta na Escola Nacional de Música - onde também aprendeu teoria musical, harmonia, regência, orquestração e arranjo -, viajou com Ary Barroso para o México e a Rússia. Lá chegou a reger a Orquestra Sinfônica de Moscou. Transitando entre o erudito e o popular, Paulo Moura frequentava o Beco das Garrafas, reduto da bossa nova. Ali se apresentou com Sérgio Mendes e atuou como arranjador para Elis Regina, em início de carreira. No fim dos anos 1960, ele gravou Paulo Moura Hepteto, o primeiro dos 40 discos lançados ao longo de mais de 50 anos de trajetória. Entre os títulos mais importantes estão Confusão urbana, suburbana e rural (1976), Vou vivendo - Paulo Moura e Clara Sverner (1986), Paulo Moura & Raphael Rabello (1992), Pixinguinha - Paulo Moura & Os Batutas (1998), Paulo Moura visita Gershwin & Jobim (2000), El negro del blanco (2004) e Dois panos para Manga (2006), que gravou com João Donato, lançado pela Biscoito Fino. O álbum marcou o reencontro dos dois em estúdio, depois de muito tempo. "Me aproximei do Paulo em meados dos anos 1950. Eu era muito jovem, iniciando a carreira, e ele me orientava bastante. Nos reuníamos na casa dele, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, onde aconteciam concorridos ensaios. Na época, chegamos a formar um conjunto de jazz", recorda-se Donato. "O Paulo e o Altamiro Carrilho participaram do primeiro LP que gravei, a convite do Tom Jobim, que era diretor artístico da Companhia Brasileira de Discos. O disco foi relançado recentemente em CD pela EMI Music, antiga Odeon", acrescenta. Dois panos pra Manga - feito em homenagem ao produtor de tevê Carlos Manga, amigo dos dois - virou show e foi apresentado em 2007 no Clube do Choro de Brasília. "Foi um privilégio para nós reunir em nosso palco esses gênios da música popular brasileira", afirma Reco do Bandolim, presidente da entidade. "O Paulo participou de vários projetos do Clube, exibindo aquele requinte instrumental e aquela elegância costumeiros. Ele transitava com familiaridade e classe pelas músicas erudita e popular. Passeava pelos ritmos nordestinos, por samba, choro, jazz, mantendo em seu sopro a autenticidade e a inteireza de cada estilo", elogia.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação