postado em 15/07/2010 07:00
Com 8 anos, Eliana Fonseca era o palhaço Batatinha na suburbana Vila Alpina, em São Paulo. Filha de um contador piadas e de uma especialista em tiradas inteligentes, essa paulistana de 49 anos herdou o bom humor familiar e fez da comédia sua profissão. O resultado é uma premiada atriz, roteirista, produtora e diretora de cinema, teatro e tevê. Lili, como todos a chamam, tem o dom de fazer rir quem está ao seu redor, da repórter ao mecânico que escutou toda a entrevista, dada por celular diretamente de uma oficina. O check-up no carro antecedeu a viagem para Brasília, onde ela estreia hoje, às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), a peça Tempo de comédia, de Alan Ayckbourn.Na peça, Eliana dirige um elenco de 10 atores. A quantidade de gente em cena e o tempo curto que eles tiveram para se preparar antes da temporada paulista ; apenas um mês e meio ; poderiam carimbar o passaporte para o fiasco. Pelo contrário, as apresentações renderam aplausos da crítica e casa cheia. Ela não economiza elogios à trupe: ;Todos mostraram disponibilidade física e artística, além de uma entrega que foram fundamentais;.
Professora é a atividade mais recente de Eliana, que trabalhou na frente e atrás das câmeras em cinema e tevê, além de ter atuado, escrito e dirigido dezenas de peças. Não faz distinção entre os meios, mas confessa: ;A tevê me sustentou;. Em cinema, coleciona prêmios de melhor atriz, como o Candango, em 1992 (pelo curta A revolta dos carnudos) e o Kikito (com Não quero falar sobre isso agora). Seu curta Frankenstein punk, escrito e dirigido ao lado de Cao Hamburger, conquistou os festivais de Gramado e do Rio, em 1986. Anos de direção e atuação do infantil Castelo Rá-Tim-Bum, participação na novela Desejo proibido, da TV Globo, dezenas de peças teatrais e programas televisivos depois, mesmo assim Eliana não é um rosto conhecido do grande público. Ela até tira isso de letra. O que a aborrece é a falta de reconhecimento profissional. ;Tenho um currículo bacana, mas a impressão é de estar sempre começando;, desabafa.
A diretora bota na conta da origem simples boa parte dessa dificuldade de capitalizar as conquistas. ;Comecei em desvantagem na formação, aprendi muito na faculdade;, diz. Mas lamentar-se não faz seu estilo. ;Sou uma felizarda porque sempre trabalhei com o que gosto;, lembra, citando com carinho até trabalhos de baixa cotação para a crítica, como o longa Eliana em o segredo dos golfinhos, que dirigiu e atuou ao lado da apresentadora televisiva (e xará).
A proximidade dos 50 a tem feito repensar ; sem arrependimento ; as escolhas feitas. Diz que talvez devesse ter focado mais na atuação, em vez de ter exercido tantas funções. ;Se pudesse teria optado por ser só atriz. Amo. Também adoro dirigir, gosto da pesquisa de gesto do teatro. Adoro gente;, resume ela, cujas amizades se (con)fundem com a carreira. Muitas vêm desde o tempo em que cursava simultaneamente Cinema, na Escola de Comunicação e Artes (ECA), e a Escola de Artes Dramáticas, ambas na USP. Com o marido, Leonardo Kehdi Jr., ou simplesmente Nado, não foi diferente. A profissão uniu os pais de Luísa, de 12 anos, e Antônio, de 7, casados há 13 anos. Eliana e Nado tinham amigo em comum, quase trabalharam juntos, mas tanto o namoro quanto a parceria (o primeiro mais que o segundo) demoraram a engrenar. ;Insisti um ano e meio para ele ficar comigo;, conta.
Animada com a temporada brasiliense de Tempo de comédia, Eliana planeja passear com o marido e o filho (a filha está em um intercâmbio estudantil, em Nova York) na Catedral, lugar que muito a impressionou, na adolescência. Entre um programa de turista e outro, ela garante que não vai se incomodar se ouvir a reincidente frase: ;Conheço você não sei de onde;.
TEMPO DE COMÉDIA
De hoje a domingo, às 21h, no Teatro 1 do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB/ SCES, trecho 2, lote 22). Tel.: (61) 3310-7087). Ingressos: R$ 15 e R$ 7,50. Não recomendado para menores de 12 anos. Até 8 de agosto.
Em cena, os robôs
Tempo de comédia faz sátira à televisão e à ficção científica para contar a história de amor entre o jovem escritor Adam e Jacie, uma robô atriz de novelas de baixo orçamento. É que, num futuro não muito distante, esses ;actoides; ocuparão o lugar dos intérpretes. Jacie demonstra ter senso de humor e acaba despertando o ciúme de uma diretora da emissora, que determina que a memória da robô seja apagada. Em pânico, Adam foge com Jacie e, depois de muitas situações inusitadas, eles se apaixonam. Trata-se de uma comédia que, mesmo com cenas de humor escrachado, beirando o pastelão, não abre mão de criticar a pasteurização da arte dramática.
Autor do espetáculo, o dramaturgo inglês Alan Ayckbourn escreveu 74 peças em sua carreira. Acaba de receber um Tony (equivalente teatral do Oscar) especial pela sua contribuição ao teatro, além de ter conquistado dezenas de outros prêmios nos Estados Unidos e na Inglaterra. Em 2000, Comic potencial, título original de Tempo de comédia, obteve o prêmio britânico Oliviers de melhor comédia, além de ser escolhido pela crítica nova-iorquina como a melhor peça off-Broadway.