Diversão e Arte

No auge da carreira, Yamandú Costa faz do encontro com o veterano Valter Silva uma celebração do violão carioca

Gustavo Falleiros
postado em 19/07/2010 08:34
Yamandú chegou muito menino ao Rio de Janeiro, nos idos de 2001. Já era um músico respeitado, claro. Mas sua alma gaúcha tinha vontade de se misturar ao mesmo barro que havia moldado Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo. "Vim atrás do choro, vim aqui pro berço", conta o violonista, natural de Passo Fundo. Hoje, aos 30 anos, experimenta com maturidade uma consagração sem fronteiras. Yamandú (E) e Valter Silva: parceria que preserva o jeito de tocar dos grandes mestres do violão brasileiroO certo é que as andanças pela capital fluminense completaram sua formação. Uma delas, em 2004, terminou na casa do violonista Marcello Gonçalves, do Trio Madeira Brasil. Na ocasião, cercado da fina flor do samba e choro, Yamandú engatou um duo emocionante com Valter Silva, sete cordas veterano. A empatia entre os dois ficou no ar até fevereiro do ano passado, quando se reencontraram, dessa vez em estúdio, para improvisar alguns temas. Isso ajuda a explicar por que o recém-lançado Yamandú/ Valter é um disco de celebração. "Acho que o que está registrado ali vai ser, daqui a 20, 30 anos, o retrato dessa escola de tocar - uma escola que não está perdida, porque você vê uma juventude inteira tocando esse instrumento. Não é passado, é o futuro do violão brasileiro", exalta Yamandú, que se apaixonou pela sétima corda na adolescência, após ouvir uma gravação de Raphael Rabello (1962-1995). Valter Silva, 70 anos completos em abril passado, é mais cauteloso. "O meu estilo de tocar está em extinção, entendeu? A garotada nova quer modernizar demais. Eu, como sou do tempo do Pixinguinha, do Jacob do Bandolim, do Altamiro Carrilho, faço o tradicional." Não é que esse pacato morador da Rua dos Rubis, em Rocha Miranda (Zona Norte do Rio), seja pessimista - ele apenas está escaldado. "O Yamandú, eu não tenho palavras para agradecer. Porque, até então, eu estava sendo um músico requisitado, mas um pouco desconhecido", acredita. Pixinguinha Uma injustiça, já que Valter acompanhou praticamente todos os artistas da velha guarda. "Eles preferiam eu tocando e, naquela época, não tinha tanto violonista de sete cordas como hoje. Toquei na banda do Altamiro, na do Déo Rian, grande bandolinista. E estivemos ali com a Dona Ivone Lara. Fui integrante do Fundo de Quintal. Trabalhei até com o Vicente Celestino", lembra. Mas o melhor afago veio de Pixinguinha. "Ele disse que eu tocava direitinho - para mim era um elogio muito grande." Ainda na ativa, Valter se apresenta toda segunda-feira na casa de shows Carioca da Gema, na Lapa. Às quintas, bate ponto em Vista Alegre e, quando sobra tempo, participa das rodas de Santa Teresa e Nova Iguaçu. Foi em outro endereço mítico, o boteco Sovaco de Cobra, na Penha, que conheceu o saudoso Raphael Rabello. "Tava eu, ele e o Caçulinha, violão de sete cordas também. Aí foi aquela briga de foice. Ele (Raphael) assimilou muita coisa de mim. Quando me encontrava, dizia: 'Ô mestre, quero aprender mais um pouquinho'." Encontrar Yamandú, de certa forma, reanimou seu lado professor. "Quem olha para Yamandú não diz que ele sabe tocar tanto. Mas quando ele começa, rapaz, é uma coisa de você fica parado, eletrizado. Quando toquei com ele, fiz o possível para me igualar. E o pessoal tá gostando, né", diz, cheio de orgulho. A voz grave O violão de sete cordas é um dos pilares do regional, a formação clássica do chorinho, que inclui flauta, pandeiro, bandolim, cavaquinho e violão de seis cordas. O acréscimo de uma corda mais grave, afinada em si, permite ao músico se concentrar no baixo das composições, elaborando frases de contraponto e realçando a harmonia. O improviso no instrumento é popularmente chamado de "baixaria". Crítica *** Cordas espontâneas É tentador referir-se a este disco como um documento histórico, que fornece os exemplos mais bem acabados da chamada "baixaria" - a arte de tecer pequenos improvisos com as cordas graves do violão. Mas isso seria insuficiente e preguiçoso. O instrumento está vivo nas mãos da dupla. Ele chora em Tua imagem (Canhoto da Paraíba), fala grosso em Tempo de criança (Dilermando Reis), brinca em Arabiando (Esmerldino Salles). Tanta espontaneidade afasta qualquer dúvida sobre o futuro do choro ou coisa do gênero. E faz de Yamandú/Valter um lançamento à prova de poeira. Três perguntas // Valter Silva Como o senhor chegou ao violão de sete cordas? Foi quando eu frequentava a Rádio Mayrink Veiga, a Rádio Tupi e a Rádio Mauá. Lá estavam os violistas tradicionais - naquela época eram bem poucos, eram uns três ou quatro. Então eu ouvia e assimilava. Eu me inspirei muito no Dino. E me inspirei no Jorge Charuto, que era da Rádio Tupi e foi do regional do Pernambuco do Pandeiro. Ultimamente, a minha inspiração é o Raphael Rabello. Para mim, ele foi o melhor de todos. Qual gravação que o senhor mais se orgulha de ter participado? Foi a gravação com a Zezé Motta naquele disco (Negritude, 1979) que tem Senhora liberdade (Wilson Moreira/Nei Lopes). Eu fiz várias introduções, inventei muita coisa. E o produtor, que era o João de Aquino, deixou passar. Ele dizia: "Tá bom, faz isso aí". Aí eu fazia. O senhor prefere o samba ou o choro? Olha, eu tenho preferência pelo choro. Eu nasci no meio do choro porque meu pai era chorão. A minha mãe tocava bandolim, o meu pai, flauta. Tive dois irmãos que faleceram que também tocavam. E tenho um irmão gêmeo, o Valdir, que também é músico. Eu toco samba, mas só gosto de tocar o samba tradicional, o samba de raiz. Pagode eu nem penso. Eu gosto é de coisa chique. YAMANDÚ/VALTER CD de Yamandú Costa e Valter Silva. Lançamento Universal. Preço médio: R$ 25.

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