Diversão e Arte

O curador Fernando Cocchiarale e o arquiteto Reinaldo Machado debatem sobre Brasília e o construtivismo

postado em 20/07/2010 07:00
; Viviane Marques
Especial para o Correio

Visões diferentes, mas não divergentes marcaram o bate-papo que reuniu o curador de artes plásticas Fernando Cocchiarale e o arquiteto Reinaldo Machado, professor da UnB. O encontro foi realizado, por sugestão da reportagem do Correio, em meio à montagem da exposição Brasília e o construtivismo: um encontro adiado, que será aberta para o público hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). A ideia era reunir os pontos de vista dos dois profissionais sobre o fato de que, apesar de erguida no fim dos anos 1950, a capital não tem obras dos movimentos concretista e neoconcretista expostas em lugares públicos. A integração entre arte e arquitetura, as diferenças estéticas e artísticas e os monumentos públicos foram alguns temas abordados em cerca de uma hora de conversa.

Artistas representados na exposição
Fernando Cocchiarale ; ;Quis incluir (obras de arte) da época (de construção) da cidade. Se bem que muitas das esculturas foram cortadas e dobradas depois, mas a ideia delas já estava formulada nos anos 1950. Essa exposição não é conclusiva, porque não resulta de uma pesquisa acadêmica, só levanta uma questão. Alguém podia pegar umas esculturas dessas, levar para o Museu Nacional e colocar, naquela área árida da frente, uns três (Franz) Weissmann e uns três Amílcar (de Castro). Eu soube que, em espaço público, tem um Weissman aqui;;

Reinaldo Machado ; ;Sim! É muito parecido com aquela lá (aponta para a escultura chamada Flor), em ferro oxidado, só que bem maior. Estava na frente do Memorial dos Povos Indígenas e não sei onde foi parar; (é o Monumento à Democracia Três pontos atualmente no Parque das Esculturas, anexo ao Museu de Arte de Brasília).

Cocchiarale ; ;Não quero entrar nesse assunto, mas tem várias coisas que podem explicar a ausência de obras dos (artistas) concretos em Brasília. Uma é de razão política. O PCB era contra a abstração. Di Cavalcanti escreveu, em 1949: ;;Esses artistas constroem um mundozinho ampliado, perdido em cada fragmento das coisas reais: são visões monstruosas de resíduos amebianos ou atômicos, revelados por microscópios de cérebros doentios;. Chamar Klee, Mondrian, Arp e Calder de cérebros doentios mostra que ele não estava entendendo nada. Outra questão é que esse tipo de obra não é tão ilustrativa para fazer monumento, que precisa da estátua do herói. Por fim, acho que o prazo de validade da arquitetura é maior que o das artes.;

Interação da arte com o espaço público
Cocchiarale ; ;Pedestal e moldura são formas de separar o espaço simbólico, lá no alto. Drummond sentado no banco vira um lugar para tirar foto com bêbado porque a escultura perde esse descolamento da vida (o curador se refere à escultura em bronze do poeta e escritor Carlos Drummond de Andrade, instalada num banco no calçadão da Praia de Copacabana). Convém a um artista ter sua obra assimilada pelo espaço público, porque ela vai ter uma visibilidade que jamais alcançaria confinada num museu ou numa galeria.;

Machado ; ;Quando surgiu a arquitetura moderna, foi uma reação dos teóricos àquela coisa eclética, tipo Ópera de Paris, cheia de decorações. Num primeiro momento, eles realmente são contra o ornamento. Lucio Costa sempre mencionava o passado colonial, Niemeyer tinha o Portinari em suas obras. (Na essência) Tudo na arquitetura moderna é branco, liso e funcional. Mas o arquiteto sempre dava um jeitinho de botar o ornamento.;

Cocchiarale ; ;Na arte, os neoconcretos também davam jeitinho. O pessoal de São Paulo era mais radical com a teoria desenvolvida lá, primeiro por Theo van Doesburg e depois, por Max Bill. O pessoal do Rio estava mais preocupado em experimentar. Isso, paradoxalmente, tornou as experiências do Rio mais brasileiras.;

Machado ; ;O carioca é mais brasileiro. Agora tem uma divergência sobre Brasília que você falou que não acho que seja ideológico-política, mas de concepção da arte. Max Bill fez um artigo falando mal da arquitetura do Oscar (Niemeyer), que é muito poético. Daí começou uma intriga, surgiu uma inimizade entre grupos.;

Cocchiarale ; ;Acho que a divergência político-ideológica é a menor de todas. Tem também o fato de Ceschiatti, Giorgi estarem com Niemeyer desde sempre. É afinidade geracional. Qualquer um de nós tende a isso.;

Rubem Valentim e Athos Bulcão entre os concretos
Cocchiarale ; ;Rubem chegou aqui em 1966. Dizer que ele é construtivista é mais ou menos. Athos é organicamente ligado a Brasília porque veio no período de construção da cidade. Mas entrou como integração, não foi incorporado a partir do que fazia livremente como artista na fachada do Teatro Nacional, nas paredes do Itamaraty, nos azulejos. Já uma escultura do Weissmann num espaço público é o trabalho dele.;

Machado ; ;Mas o Athos interferiu. Ele foi convidado por Niemeyer para colocar um enorme azulejo na lateral do Teatro Nacional e ficou muito tempo pensando até concluir que não era para botar azulejo ali.;

Cocchiarale ; ;Athos me contou, na primeira vez que vim a Brasília, que sugeriu que as superquadras tivessem edifícios de 6, 8 e 10 andares para criar uma dinâmica de verticais e horizontais e levou um cartão vermelho. Aqui se fala muito em espaço, mas com (o pintor holandês Piet) Mondrian aprendi que não existe espaço sem vertical. Achar que vazio é espaço é um equívoco.;

Machado ; ;Quando há a praça com um general em cima do cavalo a escultura criou o espaço.;

Cocchiarale ; ;Você tem razão, isso cria um centro focal na praça, separado da vida. Ninguém vai tirar foto bêbado do lado. Eu acho que, por exemplo, para um monumento à fundação de Brasília, é muito mais difícil fazer algo como uma escultura do Amílcar. O poder público às vezes não tem a menor sensibilidade. No Rio, mesmo, estão botando aquelas gororobas todas no espaço público. Estou fazendo parte de uma comissão para a proteção da paisagem urbana, mas é uma avalanche, não há tempo para ponderar.;

Machado ; ;Na UnB tem um John Lennon que ninguém gosta.;

Cocchiarale ; ;Querem botar um John Lennon no Arpoador, na praia.;

Machado ; ;Não quer levar o da UnB?;

Cocchiarale ; ;Eu, não! Vou é mandar tirar. Brasília sofre menos (interferências) do que o Rio de Janeiro.;

Machado ; ;Em João Pessoa tem Augusto dos Anjos sentado na grama. Em Recife, tem uma rua dos poetas pernambucanos, que é horrível.;

Cocchiarale ; ;Em Xangai está cheio de boneco.;

Machado ; ;Acho que o primeiro poeta que saiu do pedestal foi Fernando Pessoa na Brasileira, em Portugal.;

Cocchiarale ; ;É porque as pessoas gostam de tirar foto.;

Ouça trecho da conversa entre Fernando Cocchiarale e Reinaldo Machado.

Disputa ideológica

# A distância entre Brasília e os movimentos concretista e neoconcretista foi política. A arquitetura moderna de Oscar Niemeyer carregava todos os elementos passíveis de diálogo com os grupos de artistas que levavam a experiência da abstração e da geometria ao extremo no Rio de Janeiro e em São Paulo no final dos anos 1950. No entanto, Niemeyer escolheu artistas distantes dos movimentos para compor o diálogo com o concreto da capital. Membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), o arquiteto era fiel à doutrina que rejeitava a abstração na arte. Na concepção do partido, a produção artística era funcional e devia servir à educação política das massas. Na ex-União Soviética e na China comunista, tal pensamento gerou o realismo socialista, com as famosas pinturas que exaltavam camponeses e a juventude comunista. No Brasil, artista ligado ao partido precisava fazer arte que, de alguma forma, remetesse à questão social. Abstração era vista como uma arrogância das elites que dificultava o acesso e a compreensão do povo diante da obra de arte. Para o curador de Brasília e o Construtivismo: um encontro adiado, a divergência ideológica pode ter sido determinante no fato de Niemeyer nunca ter convidado artistas concretos e neoconcretos para compor a paisagem brasiliense.

EXPOSIÇÃO OCUPARÁ ESPAÇOS INTERNOS E EXTERNOS DO CCBB
Amilcar de Castro e Franz Weissmann estão dando uma nova cara ao jardim frontal do CCBB Brasília. Suas esculturas que tornam o metal tridimensional estão dialogando com as colunas e janelas geométricas do espaço cultural. Exatamente como o curador Fernando Cocchiarale imagina que elas possam se integrar à paisagem brasiliense nas obras de Niemeyer e no urbanismo de Lucio Costa. Brasília e o Construtivismo: um encontro adiado ocupa, além do jardim ; onde estão as obras de maior porte ; a sala multiuso, a galeria 2 e o vão central do CCBB. Uma oportunidade para moradores e visitantes da capital verem um penetrável de Hélio Oiticica (Macalea), o Livro da Criação, de Lygia Pape, e uma obra mole de Lygia Clark. Dois artistas presentes na paisagem de Brasília entram como interlocutores entre arte e arquitetura, por terem suas obras aliadas à paisagem da capital: Rubem Valentim e Athos Bulcão. Luis Sacilotto e Kazmer Fejer, do concretismo paulista, também estão representados na mostra.

BRASÍLIA E O CONSTRUTIVISMO:
Um encontro adiado. De terça a domingo, das 9h às 21h. Centro Cultural Banco do Brasil ; sala multiuso, galeria, vão central e jardins (SCES, Trecho 2, lote 22). Tel.: (61) 3310-7087. Até 19 de setembro. Entrada franca. Classificação indicativa livre.

Ouça trecho de conversa entre Fernando Cocchiarale e Reinaldo Machado

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