postado em 27/07/2010 07:00
;Agora eu era o rei / Era o bedel e era também juiz / E pela minha lei / A gente era obrigado a ser feliz.; Na canção João e Maria, o mestre da MPB Chico Buarque transforma a felicidade em algo obrigatório. Saindo das linhas do poeta e inspirada na revolução francesa e na célebre frase de Thomas Jefferson inscrita na Declaração da Independência dos Estados Unidos, essa noção de que ser feliz é um direito que deve ser garantido por lei pode se tornar realidade no Brasil. Tramita no Senado uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que inclui a felicidade na lista dos direitos de todos os cidadãos. A ideia é humanizar a legislação e discutir o que, além de questões como educação, habitação e alimentação, é preciso para ser feliz.
Para o autor da proposta, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), a legislação brasileira é muito voltada para a política e pouco para as pessoas, por isso a necessidade de alterá-la. ;Essa mudança seria apenas a primeira. Nossa intenção é fazer uma reforma geral, principalmente na Constituição, com o fim de trazer as leis para perto das pessoas;, afirma. Ele acredita que a nova norma pode estimular as pessoas a buscar mais outros direitos já preconizados na Constituição. ;Lembro-me de um dia que tentava convencer uma mãe que se recusava a tirar seu filho do trabalho e botá-lo na escola. Quando eu disse que ela estaria impedindo a felicidade do garoto, ela concordou com o que eu pedia;, exemplifica o senador. ;A lei não garantiria que as pessoas fossem mais felizes, mas obrigaria o Estado a dar condições para as pessoas lutarem por isso;, conclui.
A dentista Thelma Canielo, 54 anos, é uma das pessoas que já exercem o que no futuro pode se tornar um direito previsto em lei. Sempre com o astral lá em cima, para ela não tem tempo ruim. ;Eu encaro meu trabalho como uma diversão, e tento ter uma postura positiva com os meus problemas. Isso me ajuda a superá-los com mais facilidade e a ser uma pessoa mais feliz;, conta. ;O sol nasce para todos, independentemente de onde as pessoas estão ou do que estão passando. Se ele ilumina até quem vive em uma situação difícil, porque eu, que tenho uma vida ótima, vou me deixar abater pelos problemas.;
Ela considera a iniciativa bastante positiva, pois pode levar as pessoas a enxergarem a vida de uma maneira diferente. ;A felicidade se tornaria um objetivo de toda a sociedade e não apenas de cada indivíduo. Isso mudaria um pouco a perspectiva das coisas.; Para Thelma, uma das maiores dificuldades em manter-se bem é a influência de pessoas classificadas por ela como ;baixo astral;. A lei poderia mudar essa questão. ;Aquelas pessoas que têm uma energia ruim e ;contaminam; todo um ambiente teriam que repensar sua postura, afinal elas estão atrapalhando a felicidade dos outros;, completa.
Pesquisa
Independentemente de uma lei que garanta esse direito, os brasileiros se colocam entre o grupo dos mais felizes do mundo. Isso é o que afirma uma pesquisa da revista americana Forbes, realizada em 155 países. Segundo o ranking, que avaliou como as pessoas se sentiam em relação à vida entre os anos de 2005 e 2009, o Brasil ocupa a 12; posição entre os lugares mais felizes, à frente de nações mais desenvolvidas como os EUA, a França, a Espanha e a Itália. Nas Américas, o país fica atrás apenas da Costa Rica e do Canadá, 6; e 8; no ranking, respectivamente.
Para a professora de português Maria Júlia Werneck de Oliveira, 30 anos, a postura positiva do brasileiro se deve a uma espécie de corrente de felicidade, da qual ela faz parte. ;No meu trabalho, tenho contato com muita gente, com muitos adolescentes, e me dou bem com a maioria exatamente pela minha atitude. Eu já chego disposta a trazer algo de bom, com uma energia positiva, e as pessoas acabam ficando mais abertas ao que eu tenho para passar;, afirma.
Maria Júlia crê que essa atitude gera um ciclo de felicidade e bem estar. ;Com essa atitude, as coisas acabam dando certo para mim, o que me deixa ainda mais feliz. Com mais felicidade, mais coisas boas acontecem;, garante a professora, que já enfrentou uma fase não tão boa e teve que aprender a dar a volta por cima. ;Quando perdi a minha avó, fiquei muito mal, passei por tempos difíceis, mas aí percebi que existiam outras coisas boas e que se eu não desse valor a elas, acabaria as perdendo;, conta. ;Passar por uma situação assim te deixa mais forte para encarar os problemas cotidianos, que deixam de ter tanta importância;, completa.
Para ela, além de incluir na lei, é importante discutir o que é felicidade. ;Isso é uma coisa muito pessoal, o que eu preciso para ser feliz é muito relativo. Mas acho que uma proposta como essa pode ajudar as pessoas a refletirem sobre o que elas precisam para alcançar a felicidade, e o que elas podem fazer para torna o mundo melhor;, diz.
O filósofo do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília (UnB) Ubirajara Carvalho concorda com a adoção da nova norma. Ele explica que o conceito de felicidade foi evoluindo ao longo do tempo. ;Historicamente, a felicidade tem estado associada à nossa plena realização perante a natureza, mas o que é essa realização é algo que muda com o passar dos anos. Colocar esse termo na Constituição nos faria discutir a questão da nossa realização pessoal de uma maneira mais ampla e aberta;, afirma o especialista.
Ele também concorda com o senador quando o assunto é a frieza das leis brasileiras e a necessidade de sua mudança, mas alerta para como essas alterações seriam feitas. ;Nossa legislação é muito analítica, ao contrário de outros países que têm leis mais amplas e gerais. Inserir o termo felicidade na Constituição só surtirá algum efeito real para as pessoas se discutirmos o que é ser feliz para cada um de nós;, afirma.
Casa e emprego
Para o professor de direito civil da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Viegas, porém, a busca da felicidade não está na inclusão desse termo na lei, mas na concretização dos direitos que já são garantidos pela legislação. ;Acho desnecessário uma alteração como essa. O que faz as pessoas ficarem felizes é ter acesso a casa própria, é poder se divertir com a família nos fins de semana e nas férias, é ter um bom emprego, ou seja, é ter garantidos os seus direitos básicos;, opina.
;Sou de bem com a vida, e acho que é graças a como eu encaro meus problemas, independentemente do que diz a lei;, conta a professora e atriz Cleide Mendes, 24 anos. Para ela, a chave da felicidade está em questões muito individuais. ;Para mim, ser feliz é acima de tudo estar com meus amigos, com minha família, e isso nenhuma legislação pode garantir;, afirma a jovem. ;A felicidade é algo que depende de muito mais coisas do que simplesmente ter acesso a esse ou aquele direito. Não é algo material ou que possa ser medido;, afirma a jovem.
Para ela, traduzir esse direito em benefícios para a população seria algo muito difícil. ;É uma fala muito bela, mas apenas no papel. Ser feliz depende de várias instâncias, inclui as pessoas que estão a sua volta, a sua qualidade de vida, o seu humor. Isso infelizmente não é algo que o Estado pode te dar;, afirma. ;É como o direito de ir e vir. Ele pode até existir no papel, mas para que você possa exercê-lo realmente depende do comportamento das outras pessoas, de questões sociais e até de como você mesmo encara a vida. Acredito que essa será mais uma lei que vai ficar apenas no papel;, completa Cleide.
Ouça trecho da entrevista com o professor Frederico Viegas