postado em 28/07/2010 07:00
Na tela de um cinema decadente, a atração da tarde é um filme pornô. Nada que fuja da rotina. Os espectadores, mesmo os mais atirados, desaparecem na penumbra da sala de exibição. Enquanto isso, nos corredores, a ação transcorre às claras. Uma família inteira ; mães e filhos, adultos e crianças ; habita os bastidores do prédio antigo, cravado em uma área barulhenta da cidade. As cenas de sexo não provocam impacto algum sobre pessoas que vivem um cotidiano sem grandes conflitos ou tragédias. Uma câmera trêmula (que também não se choca com mais nada) os acompanha.A trama de Serbis resume o estilo de Brillante Mendoza, um dos nomes mais elogiados (e o mais premiado) da nova geração de diretores filipinos. O cineasta de 49 anos, formado em Belas Artes e com longa experiência em direção de arte, começou a filmar em 2005, mas já apresenta uma filmografia extensa (com nove longas-metragens), comprometida com o retrato a seco de ;histórias reais;. Quando foi exibido na mostra competitiva do Festival de Cannes, em 2008, Serbis provocou polêmica com cenas de sexo explícito, atuações naturalistas e metáforas corrosivas sobre a sociedade filipina ; que, de uma forma ou de outra, parece caber dentro do cinema pornô em que os personagens trabalham e moram.
;Sempre fui uma pessoa muito observadora. Tento me integrar às comunidades onde vivo e contar os dramas de pessoas comuns. Eu escolho contá-los porque eles são mais verdadeiros, honestos e interessantes;, explicou à imprensa internacional, ao vencer o Festival de Dubai com Lola, de 2009. Os dois longas ; Lola e Serbis ; foram exibidos na mostra Descobrindo o cinema filipino, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Hoje à noite, às 18h30, será exibido o título que rendeu a Mendoza o prêmio de melhor diretor em Cannes em 2009. Com bajulação até de Quentin Tarantino, que competia em Cannes, com Bastardos inglórios, porém perdeu para o diretor, Kinatay iluminou uma cinematografia pouco valorizada.
Cúmplice
O protagonista do drama, Pepping, está prestes a se casar com a mãe do filho recém-nascido. Antes, no entrando, ele aceita o trabalho de um conhecido traficante de drogas. Está de olho no dinheiro, mas, cúmplice da barbárie, acaba por assistir ao sequestro e à tortura de uma prostituta. O episódio provoca tanto horror que o rapaz começa a se questionar: seria ele um assassino? Discípulo do cinema político do filipino Lino Brocka (de Manila nas garras de neon e Insiang), Mendoza submete o personagem a uma crise moral. Um teste que também atormenta as pobres heroínas de Lola, duas avós que se veem conectadas após um assassinato.
;Conto histórias que os grandes estúdios não contariam;, afirmou Mendoza à CNN. O olhar virulento atrai controvérsia. De um amigo, o diretor recebeu o conselho: ;Não se exponha tanto. Você já faz isso nos filmes;. Há quem critique o tom pessimista dos longas, que, sem filtros, escancaram a miséria e a falta de perspectivas. Fã de Os incompreendidos (1959), de François Truffaut, o cineasta garante que filma tão somente a realidade. ;Nada nos meus filmes é inventado;, afirmou. Imagens que, para o público do Brasil, podem parecer estranhamente familiares. Daí a questão levantada pelo debate que será realizado logo após a sessão de Kinatay: Um diálogo possível com o cinema brasileiro?
KINATAY
(Filipinas/França, 110min, 2009, não recomendado para menores de 18 anos). De Brillante Mendoza. Com Coco Martin, Julio Diaz e Mercedes Cabral. Hoje, às 18h30, na mostra Descobrindo o cinema filipino, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Ingressos a R$ 4 e R$ 2 (meia).
; Não perca
Conheça outras boas descobertas da mostra do CCBB, que termina domingo
Um pequeno filme sobre o índio nacional
Com o subtítulo A prolongada agonia dos filipinos, o longa de Raya Martin (do ótimo Independência) é uma coleção de filmetes silenciosos sobre a figura do índio, na década de 1890. Um olhar pessoal (e inusitado) para a história do país. Hoje, às 16h30, e domingo, às 20h.
Pesadelo perfumado
O primeiro filme filipino a ser premiado internacionalmente venceu o troféu da crítica em Berlim, em 1977. Produzido com menos de US$ 10 mil, faz uma crítica humorada à invasão imperialista dos Estados Unidos. Amanhã, às 20h.
Em cartaz
A longuíssima duração ; 4h40 ; pode assustar, mas trata-se de uma oportunidade raríssima de conferir um dos projetos menos conhecidos de Raya Martin. Na trama, a trajetória de Rita, em dois tempos: a infância e o início da idade adulta. Sexta-feira, às 17h.
A ilha no fim do mundo
Entre os diretores filipinos da nova geração, Raya Martin é um dos mais festejados em mostras internacionais ; só perde para Brillante Mendoza. Nesta produção de 2004, mostra a rotina dos habitantes de uma ilha isolada da civilização moderna. Domingo, às 15h30.