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Agradáveis histórias desagradáveis

Com olhar saudoso, Gladstone Machado lança uma lente sobre as contradições humanas e as desilusões amorosas

Regina Bandeira
postado em 29/07/2010 07:00 / atualizado em 14/10/2020 12:34

Muitos autores gostam de comparar o lançamento de um livro ao nascimento de uma criança. O escritor Gladstone Machado de Menezes, de 48 anos, é um desses. Para ele, Histórias desagradáveis ; gestado durante os últimos dois anos ; acaba de nascer e já pode ser encontrado nas livrarias da cidade. ;Espero que a venda supere pelo menos os mil exemplares produzidos. É como um filho mesmo, torço que ele brilhe;, diz.

Histórias desagradáveis De Gladstone Machado de Menezes. Editora LGE. 151 páginas. R$ 25,00. Onde adquirir: www. lgeeditora.com.br e nas principais livrarias da cidadeO livro é uma seleção de 10 contos, além de uma história contada por imagens, sobre as contradições humanas e as desilusões amorosas em várias formas. Boa parte deles versa sobre o afeto homossexual masculino. A primeira história é de muita delicadeza. Nela, Gladstone narra pelos olhos de um simpático menino de 7 anos o drama da separação de seus pais.

Contado em primeira pessoa, o autor passeia com o leitor de mãos dadas pelo caminhar ingênuo do pensamento de Toni, que, assim como o leitor, vai tomando conhecimento da depressão da mãe, da vida na chácara da avó e da admiração que sente pelo melhor amigo de seu pai. Como de fato acontece nesta idade, o texto revela a não compreensão do filho em relação à homossexualidade paterna, mas também deixa claro que, na inocência infantil, não há lugar para pré-julgamentos.

Publicada pela editora LGE e com recursos do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), Histórias Desagradáveis não é a primeira incursão de Glasdstone na literatura. Em 2005, o escritor formado em artes plásticas e artes cênicas pela Universidade de Brasília (UnB), chegou a publicar Rapunzel (editora Theasurus), uma releitura moderna do conto dos irmãos Grimm. Mas é neste segundo livro que ele acredita ter encontrado seu estilo e definido sua temática. ;Gosto de falar de amor ; amores esquisitos, alguns desagradáveis;, conta. Há dois anos, resolveu levar à sério o projeto de Histórias. A decisão aconteceu após ter mostrado alguns textos a uma amiga. ;Ela foi sincera e criticou todos os meus contos;, recorda. Depois da crítica, o autor reescreveu todas as histórias. ;Foram meses de muita transpiração em cima de cada tema; em compensação, fiquei satisfeito com o resultado;, conta o autor, que vê em Histórias um fechamento de ciclo.

Gladstone gosta de falar de amores esquisitos, alguns desagradáveis;São personagens que estão na década de 1980; ninguém ali tem computador ou celular. Falo à minha geração;, diz o brasiliense, filho de mãe goiana e pai mineiro, que passou a infância nas praias de Santos e de Guarapari e que tem saudade do passado. ;Aos 20 você está entregue às coisas, sem limites ou bloqueios. É quando experimentamos a vida e tudo tem o sabor de primeira vez;, teoriza.

Ele ressalta, no entanto, que as histórias não são biográficas, apenas falam de gente e de coisas ouvidas aqui e ali. ;Elas compõem um mosaico de temas transformados em ficção;, diz o autor, fã de Caio Fernando Abreu, Clarice Lispector, Hilda Hilst, Almodóvar e cinema inglês. Para o futuro, Gladstone pretende continuar trilhando a literatura, cujo caminho cada vez mais faz sentido em sua vida.

Leia trecho do livro de Gladstone Machado
Um pouco de Histórias Desagradáveis:


(..) Estava perto do dia de voltar pra casa do papai por causa da ordem
do juiz. O dia de ir embora foi triste. Eu tive medo da mamãe
adoecer de novo. Vovó arrumou as minhas coisas. Eu tomei banho,
vesti a roupa, penteei o cabelo e esperei papai chegar sentado no
sofá da sala pra não sujar a roupa. No outro dia papai deixou eu
e Hugo no shopping. Combinou lanchar com a gente mais tarde.(;)
A gente foi na Divertilândia. Tinha fila em todos os brinquedos.
A gente não foi em nenhum.

Estava na hora de encontrar papai na praça de alimentação.
Papai queria conversar. (;)
Eu tive medo dele falar sobre mamãe. Ele nunca falava dela. Eu pensei que ele ia me contar que ela tinha morrido ou que foi internada outra vez ou então que ele não era meu pai de verdade, que eu tinha sido adotado no orfanato. Não era nada disso, ainda bem. Ele falou que eu devia saber certas coisas pra entender quem ele era de verdade. (;)

O amor do papai por mamãe tinha acabado. Por isso eles se separaram e mamãe adoeceu de tristeza. Ele mesmo tinha ficado triste, só não adoeceu. A separação tinha sido melhor pra nós três. Eu não me lembrava, eu tinha só cinco anos na época. (;)

Papai parou de falar. Eu pensei que tinha acabado. Não tinha.
Era pra mudar de assunto. Existiam muitos tipos de amor além do amor do
marido e da mulher ou do amor dos pais pelos filhos. Por exemplo,
uma mulher podia amar outra mulher. Ou um homem podia amar outro homem. Quem amava outra pessoa do mesmo sexo podia namorar, morar na mesma casa, dormir na mesma cama, poderiam até se casar. (;) Eu nunca tinha ouvido falar sobre homem que namorasse outro homem.

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