Diversão e Arte

Com recorde de público e Ney Matogrosso à frente, Secos e Molhados fez show no Nilson Nelson em março de 1974

Irlam Rocha Lima
postado em 31/07/2010 07:00
Parte da história esportiva de Brasília, o Ginásio Nilson Nelson, ao longo dos seus 37 anos de existência, tem sido também palco de shows memoráveis. Por lá, passaram nomes destacados da música brasileira e internacional, como Jackson Five, Eric Clapton, Guns N;Roses, A-ha, Orlando Silva, Roberto Carlos, Chico Buarque, Milton Nascimento, Marisa Monte, Rita Lee, Doces Bárbaros (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Gal Costa), Novos Baianos e Legião Urbana. Todos se apresentaram para grandes plateias. O recorde de público no local, porém, pertence ao espetáculo do mitológico Secos e Molhados, grupo formado por Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad. Em 22 de março de 1974, o trio de características andrógenas e atitude revolucionária reuniu no então Ginásio de Esportes, 50 mil pessoas ; 25 mil em cada uma das sessões ; e afrontou de forma debochada a ditadura militar. Com repertório de canções que transformaram-se em clássicos, figurino e maquiagem extravagantes, performance cênica provocante ; marcada pelo rebolado ;, o Secos e Molhados trouxe novas cores, novos timbres e alegria ao cenário da música brasileira, que vivia um impasse diante da atmosfera cinzenta que se espalhava pelo país nos anos de chumbo. Figura emblemática do Secos e Molhados, Ney Matogrosso foi o único entre os integrantes do grupo a seguir, de forma vitoriosa, carreira solo. João Ricardo e Gerson Conrad seguem apenas pequenos projetos musicais. Sempre ousado e inovador, o cantor é hoje um ícone da MPB, como intérprete de diferentes estilos. Passadas quase quatro décadas, ele ainda mantém vivos na memória detalhes daquele show, inesquecível para os brasilienses com idade acima dos 50 anos. ;Aquele show no Ginásio de Esportes foi tenso. Me deu muito prazer em fazer, mas subi ao palco sob pressão. Eu que havia descoberto minha vocação artística em Brasília, onde morei por quase toda a década de 1960, quando voltei à cidade, quatro anos depois de pedir demissão da Fundação Hospitalar do DF (ele trabalhava na unidade de pediatria do Hospital de Base). Vivíamos sob a égide da ditadura militar e o clima na capital era pesado;, recorda-se. Censura [FOTO2]Motivos para Ney ter esse tipo de lembrança não faltaram. ;Quando chegamos aí fui procurado por uma pessoa (ele não quis revelar o nome), meu amigo quando morei na cidade, que, pelo visto, estava alinhado ao regime. Sem meias palavras, disse que, antes da apresentação para o público, teríamos que fazer o show para a censura. A contragosto, nos submetemos à determinação;, revela. ;Nos surpreendemos porque os censores levaram os familiares para assistir ao show, mostrado integralmente, com figurino e tudo. Só que eu andava pelo palco, sem mostrar nenhuma das coreografias. Foi a minha maneira de protestar;. Ney fala de outro aborrecimento que ele e seus companheiros tiveram. ;Assim que chegamos, soubemos que para assistir ao show as pessoas foram obrigadas a adquirir carnê de uma empresa da área financeira ; caderneta de popupança Inca. Essa empresa deve ter tido um lucro absurdo, pois o ginásio estava superlotado nas duas sessões, e certamente todo mundo que estava ali tinha o tal carnê;, comenta. ;Quando subimos ao palco e vimos aquela multidão à nossa frente, a coisa mudou, pois fomos tomados por um prazer enorme. Esse sentimento em mim era ainda maior, pois comecei a carreira na capital, cantando no Madrigal de Brasília, no Auditório Dois Candangos da UnB, no auditório da Rádio Nacional e numa casa noturna (a Cave de Roi, que havia na 413 Sul), mas pouca gente me conhecia. O show foi ótimo e repercutiu muito. Ficamos felizes, pois tudo aquilo aconteceu num momento de tristeza na vida do país, em plena sede do poder.; Depoimentos ; ;Eu e vários colegas do Hospital Distrital (atual Hospital de Base) tivemos uma grande surpresa quando ao assistirmos ao show do Secos e Molhados, vimos o Ney (Matogrosso) tão solto e exuberante em cena. Logo ele, que era pessoa reservada, quando trabalhava na recreação junto às crianças na área da pediatria do hospital. Ficamos muito felizes ao vê-lo como estrela do grupo, status que mantém até hoje; Ubitatan Peres, médico ; ;Á época eu tinha 15 anos e fui com um grupo de amigos da 711 Sul ao Ginásio de Esportes para assistir ao show do Secos e Molhados, que tinha duas músicas estouradas nas emissoras de rádio, O vira e Sangue latino. Para nós, foi um choque, a performance do grupo, em especial a do Ney Matogrosso, algo extremamente revolucionário naquele tempo; Carlos Sena Jr., radialista ; ;O Ney era colega do meu filho Leonardo, no Elefante Branco, e várias vezes o acompanhei ao piano, aqui em casa. Ele era muito acanhado. Por isso, tomei um susto quando o vi no palco de tanguinha, com dorso nu, cheio de adereços, rebolando e cheio de vida. Era uma coisa bem original, que encantou a todos que estavam no ginásio; Neusa França, pianista ; ;Na noite daquele show histórico em Brasília, as surpresas começaram cedo. Como sou amigo de Ney desde a adolescência, fui ao encontro dele no hotel. Da janela víamos centenas de pessoas passando, vindas da rodoviária, indo para o Ginásio de Esportes. Ao chegarmos ao local, observamos aquela multidão que superlotou o local. Eu, assim como outros amigos de Brasília, que conhecíamos um Ney absolutamente tímido, ficamos espantados ao vê-lo no palco com aquela performance exuberante. Nos enchemos de alegria com o sucesso dele e depois comemoramos no hotel, porque ele nunca foi de badalação em restaurante; Márcio Oberlaender, artista plástico

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