José Carlos Vieira
postado em 01/08/2010 13:46
O diretor Plínio Mósca recupera-se em Porto Alegre de um problema de saúde, que o deixou 65 dias hospitalizado. Graças aos deuses do teatro, está bem e cheio de energia até para responder por e-mail esta entrevista. Nascido em Copacabana, em 1960, chegou em Brasília no colo dos pais. Depois de fazer teatro na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes (FADM), em 1981, e ir para a França estudar direção teatral, em Marselha, Plínio pegou gosto pelos palcos. "A nossa casa no Lago Sul era uma verdadeira sala de ensaios e, às vezes, de apresentações", conta o diretor, que, por enquanto, mudou-se de mala e cuia para a capital gaúcha. Levou até a cachorra Anita. Mas Brasília não sai da cabeça.
Você tem dedicado a sua vida a formar a juventude no teatro. Só a arte salva?
Para mim, a educação e a arte salvam mais do que mil hospitais e matam mais do que mil exércitos.
Salvam porque arte e educação fazem a pessoa conhecer a vida e o mundo. Fazem descobrir que um cidadão é apenas um grão de areia dentro do contexto universal, mas que a humanidade não pode prescindir desse grão de areia. Matam porque, quando um Estado faz má política de educação e de cultura, estará de propósito condenando a sua população ao inferno, à escuridão. Um Estado desses quer que apenas a elite econômica receba informações e ainda assim mesmo, por meio de uma política de eventos (e não de cultura pensante) a manterá atrelada ao universo do ensino privado privilegiado, que não obrigatoriamente quer dizer de qualidade.
O fato de trabalhar, sobretudo, com arte-educação, o tirou do mercado profissional. Sente preconceitos por essa opção?
Sim, sinto preconceitos especialmente dos órgãos e das entidades privadas que privilegiam uma certa política de patrocínio de espetáculos, patrocínio de eventos, de acontecimentos isolados e sem uma relação com uma proposta de permanência, que dê maior visibilidade às suas marcas. Espetáculos que se apresentam em salas grandiosas, que gente bacana vai assistir, mesmo que não haja nenhum ganho cultural com isso.
Brasília tem respeitado o seu trabalho como criador?
Brasília tem me respeitado como criador da mesma maneira que eu respeito a cidade que amo, mas confesso que é uma relação, às vezes, sadomasô, especialmente com o GDF. No fim do ano passado, apresentei um espetáculo na Feira do Livro de Brasília, O senhor Dansen, de Bertolt Brecht. Até hoje não me pagaram pelo cachê da apresentação que envolveu dois atores, um técnico e eu.
Num país que tem poucas trocas culturais com a América do Sul, você realiza um intenso intercâmbio. Quando viaja, avalia o teatro feito na capital?
Sim, quando eu viajo para o exterior, vejo que fazemos um teatro especial, que temos uma diversidade de criadores de espetáculos na nossa cidade, com tendências bastante diferentes, e que essa nossa riqueza é fruto do verdadeiro trabalho de muitos. Lamento que exista algumas vezes uma preocupação. Aliás, eu diria uma mania de fazer espetáculos com tão forte aparato visual que o conteúdo se perde ou não se percebe. Isso retoma o tema do teatro para ser mais bonito do que necessário.
Como avalia o teatro feito hoje na capital?
O teatro feito hoje na capital precisa se dar conta de que existem dois DF, duas Brasílias e que ser insistente em reafirmar esse fosso social, educacional, cultural, somente aumentará a separação das duas realidades e tornará a situação insustentável do ponto de vista humano. Pouquíssimo se apresenta espetáculos nas cidades-satélites, pouquíssimo se incentiva os grupos de teatro das cidades-satélites a criarem, desenvolverem e manterem espaços alternativos nelas. Temos uma diversidade enorme com nichos muito específicos de público, isso deveria ser misturado por meio de campanhas de itinerância dentro do próprio DF.
Você tem o sonho de ter um teatro. Quando tiver, estará voltado a que perfis de público e de arte?
Gostaria de ter um teatro de bolso de 100 lugares em Taguatinga e de morar a 100 passos dele. Que esse teatro tenha acesso para cadeirantes, banheiros adaptados, muitos recursos técnicos e perto de uma boca de metrô.
Se fosse secretário de Cultura, qual seria a sua primeira ação?
Eu, secretário de Cultura? Chamaria a polícia para prender aqueles que devem aos cofres públicos recursos que eram destinados à cultura. Depois, faria umas sessões para ouvir dos artistas e dos intelectuais do DF seus anseios e aí então elaboraria dois planos de trabalho, um emergencial para seguir com as propostas, que já estão em curso; e outro para fazer uma política de Estado para a permanência e a durabilidade do processo de cultura.
Você é um defensor explícito da memória cultural. Acha que Brasília, uma cidade tão nova, tem guardado o nome dos seus artistas?
Como defensor da memória cultural, penso que há ideias que devem sair do papel, de uma vez por todas. Onde está o Museu Dulcina de Moraes, com todo seu figurino cênico que marcou uma época da história do teatro no Brasil? Por que não ajudam de verdade à Fundação Brasileira de Teatro a fazer esse tão esperado museu? A mesma coisa em relação ao Claudio Santoro, com suas partituras, suas medalhas, seus livros. Essas coisas não podem continuar sucumbindo com os poucos recursos e com a saúde de sua viúva, a professora Gisèle Santoro. Idem para o Athos Bulcão, e devemos até incluir nomes muito especiais, como Cassiano Nunes e Seu Teodoro, que ainda está entre nós e que tem uma bagagem, uma vida que é um verdadeiro tesouro e que não se pode perder.
Suas oficinas chegam às cidades do DF em parcerias com embaixadas. Acredita que um dia as diferenças sociais entre Plano Piloto e satélites irão diminuir?
As diferenças entre os dois DF diminuirão quando o Estado, a imprensa, a classe empresarial e a sociedade civil entenderem que ser excluído do capital financeiro não significa ser excluído do universo dos sentimentos. A cultura iguala os excluídos e faz a periferia ser tão importante como o centro de uma urbe. O teatro é uma forma de espetáculo (dança, ópera, circo também o são, mas são outras formas) minoritário, a gente aprendeu a lutar contra o estado de anestesia que muitas vezes o Estado brasileiro e o GDF desejaram para a população. O chamado teatro popular, o que eu mais acredito e defendo, aquele que é celebrado nos Entepola (Encontro de Teatro Popular de Latinoamerica), é uma arma para o bem nas mãos dos artistas, que se dispõem a trabalhar sem glamour para fazer uma modificação na sociedade. E por que eu trabalho tanto com as embaixadas? Porque muitos estados estrangeiros já se deram conta do nosso fosso social, cultural e educacional e não há essa hipocrisia de fingir que as coisas não estão acontecendo. Quando esse governador que aí está agora era o Administrador da Ceilândia, eu tentei umas 10 vezes ser recebido por ele para falar de oficinas de teatro no P-Sul. Nunca fui atendido.
Como é visto pelos colegas artistas? Consegue imaginar o seu perfil a partir do outro?
O Plínio Mósca visto pelos colegas artistas, creio que seja um ponto de vista simpático, uma relação de respeito e de cordialidade, às vezes até mesmo de carinho e de muita consideração. Eu recentemente estive muito doente, fiquei 65 dias no Hospital da PUC de Porto Alegre, desses 65 dias, 15 foram dentro de uma UTI e, em alguns momentos, a linha da vida e a linha do óbito se cruzaram. Fui alvo de inúmeras manifestações de carinho e de solidariedade por parte de muitos artistas maravilhosos de Brasília.
Como faria uma autodefinição?
Hoje em dia, eu me considero um sobrevivente. Alguém que o destino deu uma rasteira, porém me deu ensinamentos. Tenho mais paciência comigo e mais tolerância com os outros, exceto com aqueles que representam o Estado porque vi o tamanho do mar de lama em que tentaram nos afundar os políticos do nosso querido DF (com raras exceções - que não fizeram mais do que suas obrigações, aliás).
Como está a rotina em Porto Alegre?
Aqui, na cidade que me recebeu, estou vivendo bem, me recuperando, fazendo dias de hospital, fazendo fisioterapia. Fiz 50 anos em 23 de julho. Se estou vivo, é em grande parte graças às minhas irmãs porque, além do maravilhoso apoio de carinho e de amor que deram, também tem a parte financeira que realizaram. Sou muito grato aos amigos de Brasília que desde o primeiro momento se mostraram apoiadores, aos que fizeram a minha mudança e mandaram para cá, a cachorra Anita, que está aqui, cada dia mais gaúcha, às sobrinhas e aos amigos de Brasília que vieram me ver, que ainda estão vindo me visitar. Se eu fosse obrigado a morrer hoje e renascer amanhã, eu gostaria de continuar sendo diretor de teatro, porém com um sistema circulatório dentro do meu corpo bem mais decente.