postado em 01/08/2010 14:00
A trajetória do cabeleireiro goiano Pedro Saulo de Souza, de 48 anos, daria um livro. De certa forma, a obra já está escrita. Em Turnê de sentidos, o filho de um fazendeiro com uma dona de casa musicista nascido em Pires do Rio (GO) publica, pela primeira vez, poesias que escreve desde os 13. "Meu irmão mais velho incutiu em mim o gosto pela literatura. Ele lia poesia para mim e eu achava aquilo muito bonito. Foi o pontapé inicial", recorda o poeta. O gosto se intensificou com a mudança para Goiânia e o uso da enorme biblioteca do médico Edson Monteiro de Queiroz. "Ele tinha estudado no Rio de Janeiro e era muito amigo do meu pai e da minha mãe. Ele emprestava livros para mim e meus irmãos", lembra-se com deferência.
O hábito de escrever versos seguiu pelos anos de curso de ciências sociais na Universidade Federal de Goiás (UFG), ao lado do grupo de amigos formado por Tagório Biran, Naiffy Alassal e Ubirajara Galli (hoje um dos poetas mais conhecidos de Goiânia) e também pelos festivais de música em Goiás com a banda Fox Trot.
Na época, dividia o tempo entre a faculdade e acampamentos no campo, à beira de cachoeiras, com amigos, momentos considerados ideais pelo escritor para o desenvolvimento literário. "Tinha aquele ar de liberdade, de querer libertar", lembra Souza. Vem daí o espírito de Cabelo pop, que hoje em dia, diante da profissão atual de Souza, parece estranhíssimo: "Deixe seus cabelos crescerem com suas intenções/com teus sonhos%u2026 /Deles brotam energia, onda que contagia igual aquela de Sansão".
Demissão
O processo de automatização dos bancos fez do bancário Pedro mais uma vítima, porém foi determinante para o destino do poeta. "Assim como muita gente, fui demitido do Banco Safra no período. Eu era casado e tinha filho pequeno, precisava me sustentar. Por necessidade, entrei no ramo de beleza em que estou até hoje", admite. Foi trabalhando como cabeleireiro que viveu períodos em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Goiânia até se estabelecer há 20 anos na galeria do Edifício Miguel Badya, no Setor de Diversões Sul. "O Conic é um gueto cultural gostoso aqui de Brasília. Apesar de ainda sofrer um pouco de discriminação", reflete.
Mas foi graças ao lucro retirado do minúsculo salão que Pedro Saulo pagou a publicação do livro. "Ainda estou começando a mexer com esse negócio de distribuição e divulgação. Mas o valor que queriam me cobrar para distribuir não daria para manter o preço do livro a R$ 10. Eu acho importante que seja esse valor para que qualquer pessoa tenha acesso à literatura", defende o escritor.
Outro poeta da cidade, Luís Turiba corta os cabelos com Pedro há algum tempo. "Ele é o tipo do barbeiro que é bom de se conversar. Não sabia que fazia poesia. Ele me surpreendeu da última vez que fui lá. Me mostrou o livro enquanto cortava o meu cabelo. Há uma elaboração poética ali. A linguagem da poesia pode ser simples também", atesta Turiba. A poesia liberta.
Turnê de sentidos
De Pedro Saulo de Souza
À venda no Caracóis Cabeleireiros (Ed. Miguel Badya, Lj. 86, Galeria Conic; 3323-4238) R$ 10.
Padrasto nosso
Elvis Presley que estais no céu
Muito escutado seja Bill Haley
Venha a nós o Chuck Berry
Seja feito som a vontade
Assim como Hendrix, Sex Pistols e Rolling Stones
Rock and roll que a cada dia melhora
Escutai sempre Clapton e Neil Young
Assim como Pink Floyd e David Bowie
Muddy Waters e The Monkees
E não deixais cair o volume do som
Quando ouvirdes Black Sabath
Mas livrai-nos do axé
Amém!