Em meados dos anos 1970, a tevê exibia um comercial de cerveja que terminava quando uma estátua, impaciente com o falatório em torno dela, resolvia reclamar: ;Nóis viemos aqui pra beber ou pra conversar?;. O bordão pegou. Mas nem todo mundo sabia que aquele que fazia a tal estátua ; um homenzinho de voz rouca, bigode fino, chapéu e gravata borboleta ; era nada menos do que o autor de sambas clássicos como Iracema, Trem das Onze e Saudosa maloca. A popularidade alcançada com o comercial e papéis nas novelas Mulheres de areia, Xeque-mate e Os inocentes, todas na TV Tupi, dava novo fôlego à longa e produtiva carreira de Adoniran Barbosa.
O cantor, compositor, ator e humorista estava então com 60 e poucos anos. Nascera em 6 de agosto de 1910 ; há exatos 100 anos, portanto ; na cidade de Valinhos, interior de São Paulo, em numerosa família de imigrantes italianos ; era o último de sete irmãos. Ainda chamado pelo nome de batismo, João Rubinato, começara a ganhar a vida como entregador de marmitas. Depois de passar com a família por Jundiaí e Santo André, chegou a São Paulo sonhando em ser ator. Mas, por força do destino, foi sendo empurrado para o rádio, em que começou a cantar e fazer tipos cômicos em programas de humor ; de um desses personagens tirou o nome com o qual viria a ser conhecido.
[SAIBAMAIS];Ele tinha as duas vocações, compositor e ator. Na verdade, se lançou artisticamente como cantor e compositor, mas quase todas as suas primeiras tentativas, lá nos anos 1930, fracassaram e ele se tornou mais conhecido como ator de rádio, cinema e tevê. Só nos anos 1970 veio a ser mais conhecido pela música;, conta Ayrton Mugnaini Jr., autor da biografia Adoniran ; Dá licença de contar. ;Naquela década, Adoniran foi redescoberto por medalhões como Elis Regina, Gal Costa e Originais do Samba, que trouxeram suas composições de volta às paradas e demonstraram de vez que ele não era apenas um ator ; embora dos melhores ; de cinema e televisão;, completa Mugnaini.
Dali até sua morte, em 1982, Adoniran Barbosa gozaria de merecido prestígio no meio musical. ;Dois anos antes de Adoniran morrer, Fernando Faro produziu um lindo disco dele, em catálogo até hoje. Tem participação de Elis, Djavan, Roberto Ribeiro, Carlinhos Vergueiro, Clementina de Jesus; Nesse período ele ficou cult;, lembra Thiago Marques Luz, idealizador e produtor de um dos mais significativos projetos em comemoração ao centenário de nascimento do compositor, o disco Adoniran ; 100 anos, que reúne intérpretes tão diversos quanto Arnaldo Antunes, Maria Alcina, Leci Brandão, Tobias da Vai Vai, Wanderléa, Tetê Espíndola, Virgína Rosa e Demônios da Garoa ; grupo que durante muito tempo foi espécie de ;intérprete oficial; das obras do compositor.
;Existem três artistas, de diferentes gerações, que são a cara de São Paulo, mas com incrível capacidade de alcançar o país inteiro: Adoniran, Rita Lee e Arnaldo Antunes. E isso não tem a ver com ser popular ou não. Temos compositores que são populares e não têm essa penetração;, afirma Thiago. Ele se refere ao fato de Adoniran, com seu palavreado e sotaque típicos da comunidade italiana na capital paulista, ter feito de sua música uma crônica da cidade. Em recente pesquisa feita por ocasião do aniversário de São Paulo, Adoniran figura entre ;personalidades que mais têm a cara de São Paulo;, ao lado de nomes como Paulo Maluf, Silvio Santos e Ratinho. ;Considerando que os outros estão em atividade e Adoniran faleceu em 1982, esse dado se torna bastante revelador, ao fornecer confirmação positiva da permanência da figura do sambista no imaginário social paulistano;, conclui Francisco Rocha, que analisa a relação entre Adoniran e São Paulo no recém-lançado livro O poeta da cidade.
SHOW
Canta São Paulo ; 100 anos de Adoniran Barbosa Show com o grupo Demônios da Garoa. De terça a quinta-feira próximas, às 20h, na Caixa Cultural (SBS). Ingressos a R$ 20 e R$ 10 (meia). Informações: 3206-6456 (das 12h às 21h).