postado em 09/08/2010 07:00
Pouco antes de subir no palco do Estádio do Morumbi, em 2006, o U2 aqueceu o público com uma canção que, apesar de pouco conhecida pelo séquito de Bono, criava o clima apropriado para um megaconcerto de rock. Era Wake-up, o primeiro hino produzido pelo Arcade Fire. Quatro anos depois, pode-se dizer que o septeto aprendeu a cartilha dos irlandeses. O terceiro álbum da banda canadense, The suburbs, já começa a transformar uma revelação alternativa em um gigante dos estádios. E, sem prejuízos para a integridade de um grupo, mantém-se bravamente na independência.
O capítulo mais recente dessa fase de crescimento foi ao ar quinta-feira passada, via internet. Em um projeto desenvolvido pelo YouTube, um megashow no Madison Square Garden, em Nova York, foi transmitido ao vivo para uma plateia internacional incalculável. O Arcade Fire é a terceira atração do projeto Unstaged, após Paul McCartney e; U2. A direção deste ;filme on-line; ficou a cargo de Terry Gilliam, cineasta de Brazil ; O filme e Os 12 macacos. Em quase duas horas de música, uma constatação: o espetáculo é tão grandioso que chega a se espremer na telinha do computador.
Trata-se de um contraste curioso: hoje, o Arcade Fire é uma das poucas bandas no planeta que defende o controle absoluto da própria arte. Ela grava, produz e distribui (para pequenos selos) os próprios discos. E não faz questão alguma de assinar com gravadoras poderosas. Defende um jeito diferente de fazer marketing, distribuindo músicas de graça via internet e evitando a superexposição em redes sociais, como o Twitter e o Facebook. ;Não queremos empurrar nossa música pela goela das pessoas. Isso é com a indústria musical;, alfinetou o vocalista e band leader Win Butler, em entrevista à Billboard.
A estratégia comercial não funcionaria, no entanto, se o principal ;produto; do Arcade Fire deixasse a desejar. Não é o que acontece. The suburbs, lançado no início do mês, é um dos lançamentos mais incensados do ano. Uma quase unanimidade. A BBC o comparou a Ok computer, do Radiohead. E o semanário New Musical Express encontrou semelhanças com Automatic for the people, do R.E.M. Com 16 faixas e 64 minutos de duração, o disco tem porte de épico, ainda que trate de temas cotidianos. Acima de tudo, fala sobre o isolamento e a alienação provocados pela vida nos subúrbios, bairros de classe média alta dos Estados Unidos.
As melodias melancólicas de faixas como We used to wait e Suburban war remontam a experiências de Butler, que viveu parte da adolescência em Houston, no Texas. Apesar do tom pessoal, são canções que miram multidões. Neil Young, David Bowie e Bruce Springsteen estão entre os ídolos de uma banda que trilha uma estrada semelhante aos ídolos dos anos 1980: o desejo é por comunicação. Prova disso é que, gravado em parte na residência do casal Butler e Régine Chassagne, The suburbs quase nunca soa como um trabalho intimista, doméstico. A ambição é de aumentar o volume. Que ninguém estranhe, portanto, se o Arcade Fire começar a ser chamado de ;novo U2;.
Crítica - ****
Cidades do desencanto
Na imagem de um típico subúrbio norte-americano, o que salta à vista é o desenho de casas elegantemente arquitetadas, com jardins aparados e cercas brancas. Calmaria e conforto. Ou, para o Arcade Fire, uma sensação quase infernal de tranquilidade. The Suburbs extravasa o desencanto que se esconde sob o idílio americano. ;As crianças querem ser duronas, mas nos meus sonhos ainda estamos gritando;, resume Win Butler, o mensageiro das más notícias, na faixa que dá título ao álbum.
Para uma banda que estreou com uma meditação sobre morte (o excelente Funeral, de 2004) e um épico apocalíptico (o cinzento Neon bible, de 2007), The suburbs poderia soar como uma aventura talvez mundana demais. Mas é pista falsa. As crônicas da vizinhança são narradas com o misto de crueza e grandiosidade que sedimentou álbuns como Born to run, de Bruce Springsteen, e The Joshua tree, do U2. Um estilo direto, não exatamente sutil, que amplifica a emotividade de Butler, valoriza a diversidade melódica do septeto e ameniza a melancolia de canções como We used to wait e Rococo, verdadeiros tratados sobre as incertezas juvenis.
Se o disco anterior viajava aos anos 1980 (principalmente ao rock gótico e ao pós-punk), o novo dá um salto ainda mais largo ; uma obra erguida com tijolinhos setentistas. De Neil Young (The suburbs) a Blondie (Mountains beyond mountains), do progressivo ao punk, o Arcade Fire procura um pouso entre os mestres. ;Prefiro estar errado a viver à sombra das suas canções;, avisa o vocalista, em Suburban war. Um discurso tão franco quanto rabiscos em diário de adolescente. Mas com ambição de gente grande.