Diversão e Arte

O 10º Festival Internacional de Teatro Palco & Rua - FIT BH traz para a capital mineira grandes mestres das artes cênicas

Janaina Cunha Melo
postado em 09/08/2010 08:16
O 10º Festival Internacional de Teatro Palco & Rua - FIT BH, aberto na última quinta-feira, em Belo Horizonte, com dois espetáculos internacionais (Donka - Suíça, e K@osmos - Espanha), tem como diferencial a oportunidade de o público assistir, em vários espaços da cidade, ao potencial criativo de uma geração. Entre mestres do porte de Zé Celso Martinez Corrêa, do Teatro Oficina, que apresentou no fim de semana o espetáculo O banquete, no Museu de Arte da Pampulha (MAP), estão o norte-americano Robert Wilson, com a peça Dias felizes, de Samuel Beckett; e Antunes Filho, autor de Lamartine Babo, musical dramático, com direção de Emerson Danesi. O banquete, de Zé Celso, no Museu de Arte da Pampulha: lotações esgotadasVeteranos mineiros, como o Oficcina Multimédia (de Ione Medeiros com As últimas flores do jardim das cerejeiras), o Grupo Galpão (com Till, a saga de um herói torto, que virá a Brasília no Cena Contemporânea) e a Cia. Brasileira de Teatro, do Paraná, com Vida, mostram seus trabalhos até dia 15, quando outros artistas também se encontram com o público, por meio de espetáculos que traduzem riqueza estética e de linguagens. Eles revelam a efervescência criativa de uma arte, muitas vezes, acusada de falta de conexão com a realidade, e demonstram como é possível refletir por caminhos menos sisudos do que os habituais. O amor, em O banquete, de Zé Celso Martinez Corrêa (que passou por Brasília em maio), não tem regras. Por excelência é libertário, dialético, portanto, comporta contornos inimagináveis e causa incômodo. É desse tipo de desconforto provocado quando o que é sabido se desfaz. Diante de uma cortina imaginária que se abre frente aos olhos para mostrar o óbvio, quase sempre negligenciado, o espectador sorri, disfarça inquietude e, inebriado pelo vinho que se oferece ao longo de quase quatro horas de encenação, aplaude no fim, para apenas, muito tempo depois, dar-se conta da riqueza da transgressão proposta pelo diretor. Nudez, conteúdo erótico e jogos de sedução são apenas o caminho escolhido por Zé Celso para tratar de tema muito mais instigante: a liberdade de ser. Por isso, O banquete é um convite audacioso, inspirado na filosofia de Platão, mas também, e sobretudo, nos equívocos de um tempo que lida com o belo de forma rasteira, que faz da violência espetáculo, do amor utopia e que julga por diferentes criaturas que deveriam se sentir irmanadas pelas dores e prazeres que compartilham. Sem pressa, a trupe do Teatro Oficina, de São Paulo, faz inúmeras provocações, de forma convidativa e debochada, inverte valores, confunde a plateia. Por meio de cenas que tornam públicas situações íntimas, a rigor, ou próprias dos cabarés, Zé Celso e os cerca de 20 atores se divertem, mostrando que não são sexuais as verdadeiras perversões. Na casa de Agatão, onde frutas, pães e bebidas são servidos aos convidados, Sócrates, interpretado pelo diretor, discute o amor platônico e confronta ideias a respeito do prazer entre pessoas do mesmo sexo ou não e "de todas as cores", já que este deveria ser um sentimento mais atento à plenitude que aos dogmas. O espetáculo é permeado por referências religiosas. Começa com cerimônia de lava-pés, em que algumas pessoas do público são conduzidas ao ritual, cita personagens do catolicismo e reproduz essencialmente um terreiro de candomblé, onde Sócrates é o pai de santo, servido e reverenciado por seus filhos e devotos. Com a lotação das três sessões esgotada em venda antecipada de ingressos, na programação do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua - FIT BH, e apresentações realizadas no Museu de Arte da Pampulha, o diretor anunciou, no fim da estreia na cidade, retorno em outubro, quando pretende realizar este e outros espetáculos na Barragem Santa Lúcia. Ele espera receber público tanto do bairro de classe média como da favela Morro do Papagaio, para "luta de classes", como ele definiu a empreitada. Seguramente, será um confronto mediado por arte de alto nível, que se faz com reflexão. Para Zé Celso e seus corajosos artistas do Teatro Oficina, teatro se faz com ideias e liberdade, ainda que este conteúdo seja bastante indigesto para muitos. Veja a programação completa do festival no site www.fitbh.com.br/2010. Bonecos franceses encantam gerações na Praça da Liberdade Centenas de espectadores se reuniram no entorno da Praça da Liberdade para assistir à peça Menus larcins, do grupo francês Délit de Façade. Lúdico e com classificação livre, o espetáculo, em quatro cenas, foi apresentado nas janelas dos prédios e chamou a atenção de público de todas as idades, com capacidade incomum para agradar indistintamente. Destacado mundialmente pela performance de excelência, originalidade e dramaturgia de qualidade, o grupo não faz da manipulação de bonecos mera brincadeira com objetos e seres inanimados. E conquista pela autenticidade do trabalho. Recomendado ao FIT pela Catribrum Teatro de Bonecos, grupo mineiro responsável por um dos principais festivais internacionais do gênero no país, Menus larcins tem outro mérito, além da qualidade artística. O espetáculo atribui novo significado à arquitetura das cidades. Mostra como o espaço público pode ser mágico, com janelas que se abrem de forma encantada para olhares dos cidadãos. Também foi acertada a escolha da Praça da Liberdade para acolher o grupo, pelo valor simbólico do lugar, que faz parte de vida cultural de Belo Horizonte e pela beleza generosa das construções. Lamentável a incompreensão da BHTrans (responsável pelo transporte urbano), que, nem diante da constatação de que o local estava tomado por público numeroso, conseguiu interromper completamente o tráfego por apenas 40 minutos, para conforto e segurança da plateia. Quem não conseguiu se acomodar diante do prédio da Secretaria de Estado da Cultura ficou exposto à passagem de veículos, incluindo caminhões, ou desistiu de assistir à atração. Mais uma vez, a burocracia venceu a sensibilidade e o bom senso. Por sorte, não ocorreu qualquer incidente grave, mas todas as condições estavam dadas para um final nada feliz de um espetáculo encantador.

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