Diversão e Arte

A exposição 'Aos ventos que virão ... Brasília' (1960-2010) mapeia o melhor produzido na capital

Nahima Maciel
postado em 10/08/2010 07:00
O projeto é ambicioso: pretende mapear toda a história das artes plásticas em Brasília. Felizmente, a cidade não chegou nem ao primeiro centenário e os tempos atuais são perfeitos para tal pretensão. O esforço, claro, é hercúleo. Aos 50 anos, a trajetória da cena artística da cidade já conta pelo menos quatro gerações de artistas. O fato, no entanto, não assustam Karla Osório Netto, Fernando Cocchiarale e Ralph Gehre. O trio de curadores buscou no ano de 1960 o início da história que contam a partir de hoje na exposição Aos ventos que virão; Brasília (1960-2010), reunião de 200 obras de 150 artistas cujos nomes estão ligados à capital em momentos variados.

Emprestado do lema latim ventura ventis inscrito no brasão da bandeira de Brasília, o título da exposição é uma referência ao passado e ao futuro, uma maneira de dizer que a história da arte na cidade se faz no diálogo com o próprio processo que gerou a capital modernista. ;Estamos focando nos extremos, passado e futuro. Têm artistas de todas as gerações, mas as obras principais são dos novíssimos e dos clássicos. Toda a exposição é feita com diálogos não está segmentada por geração;, avisa Karla. ;A exposição procura estabelecer conexões entre os vários períodos por conexões poético-visuais. O grande desafio é justamente preservar a contextualização histórica, mas não de maneira óbvia;, continua Cocchiarale. A divisão em gerações ; e não em décadas ; ajuda a marcar os processos criativos e as linguagens exploradas em épocas diferentes. Servem também à localização dos artistas na trajetória da cidade.

Uma primeira fase traz o time recrutado por Oscar Niemeyer para compor a arquitetura do Plano Piloto. Athos Bulcão, Rubem Valentim, Sergio Camargo, Emmanuel Araújo, Alfredo Volpi e Bruno Giorgi estão nessa leva. O grupo identificado pelos curadores como ;mestres artistas;, vem em seguida. ;São os que vieram na segunda geração, nos anos 1970 e 1980, com foco em jovens professores que hoje estão produzindo, como Elyeser Szturm e Gê Orthof, gente que formou novas gerações;, avisa Karla. Dividida em ;novos; e ;novíssimos;, os artistas mais jovens formam um bloco à parte, que começa a tomar corpo nos anos 1990 e segue pela primeira década do século 21.

As gerações aparecem bem definidas, porém não isoladas. Os curadores criaram para a montagem um desenho propício aos diálogos. Assim, pode-se tranquilamente encontrar conexões entre as pinturas de Maciej Babinski, ex-professor da Universidade de Brasília (UnB), com as engenhocas perversas de Ana Miguel e as bandeirinhas de Alfredo Volpi ficam muito confortáveis ao lado das pipas de Francisco Galeno.

Performances

Colecionadores de Brasília e os próprios artistas emprestaram as obras para a exposições. Do Instituto Moreira Salles (IMS) vieram as fotografias de Marcel Gautherot e Thomaz Farkas e a Galeria Raquel Annaud cedeu obras de Sergio Camargo, mas boa parte dos trabalhos são de Brasília. Para dar mais corpo ao projeto, os curadores fizeram da concessionária Jorlan, vizinha do Ecco, um anexo da galeria. Os painéis de publicidade e paredes do espaço foram substituídos por obras de artistas como Alexandre Azevedo e Marcelo Feijó. No galpão destinado à venda de carros acontecem as performances de hoje, com o Corpos Informáticos, grupo Samba e Lincoln.

Realizada com R$ 500 mil captados por meio da Lei Rouanet e do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), Aos ventos que virão; Brasília (1960-2010) rendeu um levantamento no qual figuram mais de 500 artistas. Nem todos estão na exposição, mas devem integrar um livro a ser lançado em setembro. Já os 150 artistas da mostra entram no catálogo destinado à exposição. O programa educativo também teve lugar de destaque no projeto e ficou nas mãos da antropóloga Angélica Madeira, que desenvolveu o conteúdo com base em pesquisa própria sobre a história das artes plásticas em Brasília. Intitulado Arte: cidade, estética e política, o programa tem início amanhã, com um encontro técnico entre professores e a antropóloga.

DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS
Para completar e dar mais fôlego à extensão da mostra, Ralph Gehre se encarregou de colher depoimentos em vídeo de 38 artistas. O material passou por edição e será exibido continuamente na mostra. ;É um painel sobre o que é a vida dos artistas, as escolhas, os processos de trabalho, o que a cidade reclama, o que falta, um apanhado tão rico e valioso. Foram dois dias trancados no estúdio entrevistando esses artistas. Foi maravilhoso ver aquilo. As diferenças são muito grandes, mas quando os relatos se somam as semelhanças são enormes;, conta o curador, que ficou especialmente emocionado com os depoimentos de Douglas Marques de Sá, da UnB, e Gê Orthof. ;Douglas foi meu professor no início da década de 1970 e tem hoje uma saúde muito frágil, mas na hora que começa a falar retorna a energia, o vigor, que é maior que a força física. E o Gê, pela sensibilidade de falar da intimidade da família, ao relatar que saíram de Brasília perseguidos pela ditadura.;

AOS VENTOS QUE VIRÃO; BRASÍLIA (1960-2010)
Abertura hoje, às 20h, no Espaço Cultural Contemporâneo (Ecco ; SCN Qd 3 Lote 5). Visitação até 18 de setembro, de terça a domingo, das 9h às 19h.

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