Diversão e Arte

Trama policial no Conic

Um dos locais mais populares da cidade serve de cenário para a ficção de Alencar Soares Freitas, a ser lançada hoje no Quiosque Cultural

postado em 10/08/2010 07:00
CONIC: UM DETETIVE, PLAYBOYS E MARGINAIS
De Alencar Soares de Freitas. 232 páginas, Thesaurus. R$ 30. Lançamento hoje, às 17h, no Quiosque Cultural (Conic).Metade ficção, metade memórias. É assim que o escritor Alencar Soares Freitas define seu terceiro livro, Conic: um detetive, playboys e marginais. Um detetive. Pedro Lamas, dono de uma fazenda próxima à cidade de São Sebastião, possui um escritório no Conic, local bastante frequentado e movimentado nos anos 1980, época em que o romance é situado. Certo dia, quando se dirigia à sua propriedade, identificou um cadáver no caminho: era Silvia, sua paixão. A trama policial arquitetada por Freitas serve como um breve resgate do passado de Brasília, do qual o autor se recorda com carinho. ;Tem um pouco de ficção, mas a base toda é daquela vida na década de 1980. O Conic era a melhor coisa que havia aqui, tinha boates, livrarias, uma porção de coisas. Eu quero mostrar como era aquela época. Depois, logicamente, as coisas foram mudando. Mas guardo boas lembranças;, diz. Como não poderia ser diferente, o novo livro de Freitas será lançado no Conic, hoje, às 17h, no Quiosque Cultural.

Como o herói, o escritor também tinha uma fazenda em São Sebastião e costumava ir ao Conic com frequência. Formado em economia, Freitas se especializou em economia mineral nos Estados Unidos. Lá, viveu por dois anos e leva um pouco da experiência de ter morado fora do país para a narrativa do seu novo livro. Para ele, enquanto o detetive brasileiro é ;bonzinho; com os criminosos, os norte-americanos são implacáveis. ;Faço um paralelo entre o brasileiro e o norte-americano. O americano pega o bandido e o mata. Nós pegamos o bandido e choramos com ele, se ele tiver mãe e filho. Pegamos o bandido e de repente o colocamos para beber cerveja com a gente. Somos brasileiros, aí é outra conversa;, argumenta.

Alencar Soares de Freitas: no limite da memória e da imaginaçãoMas o escritor vê a condescendência do detetive brasileiro com bons olhos. ;Agora que estou mais novo, já começo a achar isso melhor;, brinca. Entre playboys, marginais e intelectuais, três dos principais tipos que batiam perna no Conic, Freitas se vê talvez como um memorialista, de si mesmo e das épocas em que viveu. No livro de estreia, Eu também me lembro, de 1995, ele se dedica exclusivamente às lembranças da infância e da adolescência em Uberlândia, onde nasceu. ;Meu avô foi tropeiro, buscava vaca de longe. Era uma vida boa, embora fosse difícil;, conta. O segundo, BH...BH, também baseado em experiências pessoais, revive o período em que foi estudar em Belo Horizonte. ;Nós íamos consertar o Brasil e o mundo, entramos no movimento de esquerda, inclusive nas Ligas Camponesas, com o Brizola. Nós fomos pegos com a caça na mão e eu consegui fugir;, relembra.

TRECHO
"Empurrou alguns curiosos e foi pedindo "licença, licença, detetive, detetive". Enfiava a mão no bolso de trás e ameaçava tirar a carteira para mostrar "seus documentos". Uma carteira de detetive particular, em que se atestava que ele tinha sido devidamente aprovado no Curso de Detetive Particular, por correspondência, do Instituto Educacional Brasileiro -- aquele que forma gerações. Ainda bem que ninguém botou resistência, algumas vezes quando Pedro mostrava a sua carteira provocava a gozação dos presentes -- um vexame.

Agachou-se junto do corpo da moça. Ela estava com o vestido azul, que realçava a sua beleza. A brancura dela, de que tanto gostava, estava mais branca ainda. Seus cabelos pretos, lisos e pesados, que voavam como asas de pássaro-preto, estavam mais pretos ainda. Sua expressão era serena, os olhos fechados por seus grandes cílios negros, como que dormindo. Viu um jornal cobrindo seu peito, usava uma blusinha simples, branca -- um fio de sangue corria por baixo do jornal e fazia uma pequena poça ao lado. Levantou o jornal e viu... viu o que não devia ter visto nunca. Era um talho grande, feio, que ia do fim do pescoço até perto do estômago. Um talho largo que deixava ver dentro do peito, em uma parte onde era mais largo, uma parte do coração da moça. Foi demais, caiu sentado para trás, vomitando, com a cabeça rodando, num quase desmaio."

"Pedro Gostava da boate Bacarat: um espaço grande, com um bar em um dos seus cantos e um bom som, com músicas e ritmos da moda. Quando ele entrava ali, quase sempre em estado elevado de alcoolismo -- segundo ou terceiro andar, não mais, que fica difícil pra respirar -- ele gostava de mergulhar naquela massa de gente que dançava. Entrava no meio da massa sozinho e ia dançando -- ele achava que dançava bem -- e observando as garotas, eventuais companheiras da noite.

Aquela noite estava animada, ouvia-se tocar o último ritmo da moda -- o famoso disco americano. Pedro gostava muito desse ritmo e ia balançando o corpo da melhor maneira que podia e confirmando que a vida era uma coisa maravilhosa."

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