Diversão e Arte

Casais de diferentes países contam como fazem um relacionamento feliz

postado em 17/08/2010 07:00 / atualizado em 22/09/2020 17:23

; Rayanne Portugal Especial para o Correio Luzinéia Rodrigues Micacio, 33 anos, está prestes a casar. A servidora pública conheceu o futuro marido por meio de um site de relacionamentos. Ela, no Brasil. Ele, na Noruega. Após três meses de longas conversas pela internet, Helge Svetnsen, 51 anos, veio a Brasília para conhecê-la e pedi-la em casamento. ;Helge voltou para a Noruega no último domingo, depois de passar dois meses comigo. Se não fosse a demora para oficializar tudo, já estaríamos casados;, conta a noiva. O italiano Roberto e a brasileira Raquel, casados há 12 anos, com a primeira carta que trocaram quando moravam em cidades diferentes: cumplicidade e respeito para uma união felizEntre os dois, várias diferenças. Ela é negra, ele é loiro de olhos claros. Ele fala só um pouco de português, enquanto ela arrisca o inglês e o norueguês. Os dois ainda não podem viver juntos devido ao trabalho de cada um. Os filhos foram criados de formas diferentes. Enquanto os três filhos de Helge têm total assistência do pai até os 18 anos e amadurecimento intelectual precoce, Luzinéia ensinou os dela (um menino de 9 anos e uma jovem de 19) a trabalhar e a estudar desde cedo, mesmo sem abandonar os paparicos, como uma boa mãe brasileira. Ela adora arroz com feijão. Ele prefere pães, iogurtes e carnes fortes, ao modo nórdico. O psicólogo e analista do comportamento Dr. Gilberto Godoy fala sobre relacionamentos entre pessoas de nacionalidades diferentesPara Guillaume, as diferenças o ajudam a ficar mais unido a Thaís;Somos diferentes em muitas coisas, até nos detalhes, na forma de falar e de se portar. Mas quando há amor, acho que essas coisas ficam de lado;, afirma Luzinéia. ;O segredo está no diálogo, na vontade de melhorar, na forma como todo casal deve estar aberto para a mudança. Dessa forma, não há desrespeito e conflito.; Ela conta que, quando visitou a família de Helge, foi bem recebida pela família e pelos amigos do noivo. Por outro lado, as diferenças culturais são evidentes. ;O brasileiro é carinhoso, falante. Na Noruega, as pessoas são formais, se abrem pouco no primeiro contato. Engraçado reparar como a cada dia que passa Helge está mais ;brasileiro;. Ele tem um ótimo senso de humor e adora fazer amizades;, descreve. O psicólogo e analista do comportamento Gilberto Godoy explica que o sentimento amoroso é estabelecido por três aspectos principais: atração física, afinidades e comunicação. ;Quando isso é aplicado ao casal de nacionalidades diferentes, a comunicação se torna ainda mais importante, como facilitador da adaptação;, explica. ;O que vai garantir a permanência do casamento nesses casos é a qualidade da atração e das afinidades que a pessoa vai ter com o parceiro e, acima de tudo, a disponibilidade para o novo;, completa. Adaptação Luzinéia está noiva do norueguês Helge, que conheceu pela internetCumplicidade e respeito. Para o italiano Roberto Marinucci, 44 anos, e sua mulher, a brasileira Raquel, 36, essas são palavras essenciais para manter um casamento feliz, independentemente da língua em que sejam ditas. Ambos professores e de mesma formação religiosa, os dois, juntos há 12 anos, acreditam que a felicidade deles se deve ao investimento nas afinidades comuns. ;Compartilhamos ideias iguais em relação a princípios e à educação de nossos filhos, Francisco, 7, e Clara, 3. Dessa forma, as pequenas diferenças puderam ser adaptadas durante os anos de casamento;, conta Roberto. Para o professor formado em teologia, mesmo com origens culturais diferentes, é importante ter laços comuns e respeito pelas ideias do outro. ;Se fôssemos totalmente diferentes nem teríamos nos apaixonado. Acredito que seja assim com a maioria dos casais;, completa. Em 1993, quando chegou de Ancona, província italiana da região de Marche, para trabalhar como voluntário internacional em Guarulhos (SP), a falta da família e dos amigos foi o maior problema enfrentado pelo italiano, que nunca havia saído do país de origem. ;Eu não conhecia ninguém na cidade, apenas os dois italianos que me acolheram;, recorda. Roberto conheceu Raquel quando veio a Brasília para estudar português. A afinidade dos dois foi imediata e os três meses que Roberto passou na capital foram pouco para o namoro, que acabou tendo de enfrentar a distância. ;Trocamos cartas por três anos. A maioria está guardada até hoje: são quase 400;, conta Raquel. ;Roberto me escrevia em português e eu comecei a estudar italiano por conta própria, ouvindo músicas e lendo.; Em 1996, ele foi transferido para a capital, e os dois se casaram dois anos depois. ;Fui aceito aqui. O brasileiro é receptivo. Meu relacionamento com Raquel, por outro lado, me fez firmar laços firmes com o Brasil;, diz. Na casa dos dois, os gostos se misturam. Quadros italianos dividem espaço na sala com uma pilha de CDs dos brasileiros Chico Buarque e Tom Jobin e do italiano Francesco de Gregori. Os filhos falam os dois idiomas, ensinados pelos pais. ;A cada dia que passa sou menos italiano;, brinca Roberto. Para Thaís e Guillaume, as afinidades pela culinária foram fundamentais para unir o casal. O jovem casal se conheceu em 2004. Francês, Guillaume Petitgas, hoje com 28 anos, foi convidado por um amigo para administrar uma confeitaria de Brasília. Frequentadora assídua de cafés, Thaís Rosa de Melo, 29, conheceu o francês em um dia em que ele enfrentava dificuldades para se comunicar em português. Ela acabou servindo de tradutora naquele instante. ;Fiz três anos do curso de tradução em francês. Me ofereci para ajudar;, lembra Thaís. O namoro e o casamento vieram logo em seguida, em 2005. Thaís passou dois anos na França com Guillaume. Para ela, enfrentar o clima e se adaptar à forma direta de falar dos franceses foram pequenos desafios. ;Para quem é brasileiro, é mais difícil entender que a objetividade deles não é falta de afeto ou educação.; Guillaume lembra que quase ofendeu colegas de trabalho. ;Quando eu dizia: ;Você não é bom;, parecia uma ofensa séria. No entanto, era minha forma de dizer que o trabalho da pessoa pode melhorar. O brasileiro é mais complexo nesse sentido.; Ele explica que a presença da mulher foi importante para afinar seus laços com os amigos brasileiros. ;Thaís me ajudou nesse sentido, a me inserir melhor nos hábitos daqui;, lembra. O filho do casal, Adriano Eki, 1 ano, está sendo educado para falar as duas línguas e é o querido do casal. ;É nosso pequeno brasileirinho com cara de francês;, brinca Guillaume. A culinária, presente na história dos dois, está representada na confeitaria francesa criada pelo casal, onde aprovam as criações de tortas e pães juntos. ;Aprendemos um com o outro. Hoje, ele é mais brasileiro do que eu;, explica Thaís. Guillaume, romântico, completa: ;As diferenças só serviram para nos unir;. Raízes E a saudade do país de origem, atrapalha? Roberto Marinucci acredita que hoje não há mais motivo para se desligar totalmente do país de origem. Dessa forma, mudar é menos sofrido. É possível se comunicar com familiares, ter notícias da pátria pela internet ou por canais de televisão internacionais. ;Antigamente, mudar de país significava começar do zero, deixar tudo para trás. Hoje isso não ocorre da mesma forma.; O psicólogo Gilberto Godoy afirma que as facilidades modernas tornam menos saudosas as mudanças de país. ;Anos atrás, as cartas levavam 15 dias para chegar. Hoje, você assiste seu familiar na webcam enquanto ensina aos filhos sobre a cultura do país de origem. Dessa forma, a cultura nunca se perde;, exemplifica. Jawad Salim Ghazi veio morar com dois irmãos que já trabalhavam no país quando tinha apenas 17 anos. ;Vir para cá jovem me ajudou a entender melhor o jeito brasileiro e a viver o mesmo estilo de vida;, conta o libanês, hoje com 72 anos. Jawad mora no Rio de Janeiro desde então, onde comanda um restaurante de comidas típicas libanesas com algumas inovações com toque brasileiro. Casado há quatro décadas com Teresa Cláudia, 60, ele criou os dois filhos no Brasil. O empresário conta que, diferentemente dele, a família já estranhou os costumes típicos do Líbano. Quando a filha mais nova, Luciana, visitou os tios pela primeira vez, aos 21 anos, se assustou com o costume conservador do país. ;Ela me ligou, nervosa, dizendo que os tios não deixavam ela sair de casa sozinha, dirigir ou dormir na casa de outro parente sem companhia. Lá as mulheres são muito preservadas;, conta. Para ele, é importante saber avaliar e respeitar ambas as tradições. ;Eu e minha mulher, Teresa, criamos nossos filhos da forma brasileira. E juntos preservamos o respeito aos princípios da família. Se os tios faziam questão, ela tinha de obedecer;, explica. Três perguntas para Gilberto Godoy, psicólogo Na sua opinião, existem distâncias culturais que tornam o casamento entre pessoas de diferentes nacionalidades impossível? Há sim. Mas essas distâncias dependem mais dos valores do que do fato de serem estrangeiros. Duas pessoas da mesma cidade podem ter religiões diferentes e, por isso, não se darem bem ao longo do tempo. Geralmente, o que faz as pessoas terem mais afinidades é a questão da afinidade física (atração física), a questão dos valores e conceitos e os projetos de vida em comum. Alguns casais têm uma dessas variáveis e não tem outra, e por isto, com o tempo, a relação muda. Que tipos de desafios enfrenta um estrangeiro que deixa seu país de origem? Um estrangeiro enfrenta o desafio de estabelecer uma vida adaptada onde se sinta bem. É provável que tenha deixado uma vida mais estável em termos de contingências e que tenha de construir novas referências. Referências e referenciais de apoio nos fazem sentir bem onde estamos. Sair de um país e tentar uma vida nova significa uma nova aprendizagem. Mesmo que tenha um laço significativo com um amor, será preciso aprender muito. Claro que quanto melhor for a qualidade da relação mais facilmente se estabelece novos vínculos significativos. O senhor acha que distâncias culturais podem influenciar na adaptação de um estrangeiro que vem para o Brasil? Distâncias culturais significam práticas comportamentais diferentes e isso requer habilidades a serem aprendidas e adaptadas. O tempo ajuda, mas será preciso ter uma boa capacidade de "plasticidade comportamental" para aderir à nova cultura. O Brasil é um país cujas variáveis culturais ajudam o estrangeiro a se adaptar. Nossa mistura e nossas práticas legais são mais favoráveis a uma adaptação desde que o estrangeiro tenha alguma referência por aqui. Compreender e se adaptar em novas culturas vai depender do contexto em que se vai estabelecer relações favoráveis ou não, seja ela casamento ou não. Há exemplos de pessoas daqui que vão pra fora e não conseguem viver bem e o contrário também.

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