postado em 26/08/2010 07:00
No script de todo cineasta iniciante, algumas sensações são inevitáveis: insegurança, frio na barriga, certo desconforto. Nada mais natural. O primeiro filme é um rito de passagem que, espinhoso, costuma testar os limites de quem se aventura a enfrentá-lo. Aos mais dedicados, no entanto, o risco pode se transformar em paixão ; e compromisso. É exatamente esse o caso de Cláudio Moraes, Danyella Proença e Jackeline Salomão, que estreiam na direção com curtas-metragens que ; se os planos do trio derem certo ; serão exibidos na próxima edição do 43; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. ;É o primeiro de muitos;, anima-se Cláudio.Eles compartilham uma ansiedade: têm pressa para concluir as produções a tempo de inscrevê-las na mostra, que será realizada de 23 a 30 de novembro. Apesar da coincidência, defendem projetos de gêneros diferentes. A ficção é o norte da comédia O golpe de mestre, de Cláudio. Já Braxília, de Danyella, é um documentário poético sobre Nicolas Behr. No meio do caminho, Um pouco de dois flerta com os dois gêneros ; e é dirigido por duas cineastas, Jackeline e Danielle Araújo, que está no segundo curta. ;Um dos focos dos cineastas de Brasília é participar do festival. É a nossa principal referência. E um sonho;, resume Jackeline. O Correio conta as histórias dessas estreias tão brasilienses, todas em fase de conclusão.
Poesia no concreto
O cinema não pediu licença: inesperadamente, bagunçou o cotidiano de Danyella Proença, 26 anos. Quando começou a planejar o curta-metragem Braxília, ela ainda fazia o curso de graduação em jornalismo. O projeto foi aprovado em edital do Polo de Cinema do DF e ganhou R$ 35 mil. Mas a verba só saiu dois anos depois, quando Danyella começava o mestrado. ;Nesse intervalo, fiquei desiludida com o cinema. O filme estava num limbo;, conta. Nada que a poesia não curasse. O documentário voltou à vida graças à persistência da cineasta e do estímulo do personagem principal: o poeta Nicolas Behr.
;O filme começou há muito, muito tempo. Eu estava no Beirute e um amigo leu uma poesia do Nicolas. Foi um choque;, lembra. Em 2004, quando já estudava na Universidade de Brasília (UnB), resolveu desenvolver um projeto de documentário sobre o escritor. ;Fiquei encantada com a força dos textos dele;, conta. Tentou inscrevê-lo no DocTV (do Ministério da Cultura), mas ficou em terceiro lugar. Foi então que venceu o concurso do Polo para novos diretores. ;Saí com Nicolas pela cidade à procura de uma Brasília imaginária, que ele criou. A ;Braxília;;, conta.
O resultado da ;jornada; é um documentário livre, que flana no concreto. ;Fizemos intervenções urbanas, Nicolas escreveu um poema numa escada perto do Teatro Nacional, encontrou amigos;, descreve. ;O documentário se entregou ao desconhecido. Tem gente que chama de ficção, já que, em alguns momentos, o Nicolas foi um pouco ator. Mas nem sei que nome dar. Um passeio, talvez;, arrisca. A Dado Villa-Lobos, ex-guitarrista da Legião Urbana, Danyella entregou um DVD do filme. O convite deu certo. ;Ele está escrevendo a trilha. Mais uma surpresa maravilhosa;, comemora a diretora.
É quase tudo verdade
Um pouco de dois, dirigido pelas amigas de faculdade Jackeline Salomão e Danielle Araújo, sugere uma receita inusitada: uma dose do diretor americano Richard Linklater (de Antes do amanhecer) mesclada a um punhado de Eduardo Coutinho (de Jogo de cena). A combinação entre ficção e documentário engrossa a massa de uma produção digital que saiu por R$ 3 mil ; mas, segundo as diretoras, parece ter custado cinco vezes mais. ;As pessoas trabalharam de graça, não tivemos apoio de edital, o nosso prazo era muito curto;, explica Jackeline. O desafio da dupla era terminar o projeto a tempo de apresentá-lo como trabalho final do curso de audiovisual da UnB, no fim do mês.
Inspirado por conversas sobre amor e cinema que surgiram no burburinho do Festival de Brasília de 2009, o filme se chamava 2 curtas e 1 longa. ;Nossa intenção era falar sobre as relações amorosas contemporâneas e refletir sobre os limites entre ficção e documentário;, explica Jackeline, 24 anos. Num primeiro momento, Danielle coordenou a fatia documental. Com experiência no ramo (ela dirigiu o curta Tira-gosto de poeta, de 2008, sobre poesia brasileira dos anos 1970), entrevistou casais selecionados via e-mail. Depois, Jackeline organizou o roteiro de ficção, interpretado por Vinicius Ferreira e Juliana Drummond, namorados na vida real. Por fim, as duas ;porções; se juntaram num misto de linguagens.
;Não é um filme de direção. É um filme de equipe. Em um certo momento, entreguei a câmera para que os próprios personagens gravassem imagens do ponto de vista deles;, conta Danielle, 27 anos. A dupla ainda não sabe se será um curta ou um média. Ficará pronto para o festival de 2010? Outro mistério. Para Jackeline, que estreou na direção, as complicações do projeto valeram por uma aula intensiva sobre o ofício. ;Coordenar a equipe é o mais trabalhoso. Fizemos um planejamento muito rígido. O diretor deve ser o maestro do filme, mas sem autoritarismo. Foi uma ótima experiência, mas ainda tenho muito a aprender;, avisa.
Sorriso brasiliense
Quando escreveu o roteiro da comédia O golpe no mestre, Cláudio Moraes imaginou uma situação quase minimalista: dois operários limpando as vidraças de um prédio comercial. Desenvolveu a ideia, alinhavou a trama, mas, três dias antes do início das filmagens, sentiu falta de um ;detalhe;. ;Quem me emprestaria um prédio para eu fazer o curta?;, lembra. A saia justa foi resolvida graças a um lance do acaso: um edifício espelhado, perto do Parque da Cidade, sanou a crise. Sorte de principiante. ;O dono foi de uma generosidade incrível. Ele deixou que eu usasse as salas imensas, novinhas. Sem esse apoio, não sei se o filme existiria;, conta.
Hoje, seis meses depois, o diretor avalia o deslize como algo natural: uma daquelas armadilhas que ameaçam quem está começando no ramo. ;O controle de todas as etapas da produção, no começo, é complicado. A gente acha que o dinheiro vai dar, mas nunca dá. Escrevemos o roteiro, mas esquecemos um pouco a logística das filmagens;, explica. Apesar das dificuldades, a engenharia do curta-metragem ergueu-se sem solavancos. Formado em história, Cláudio trabalha em filmes de Brasília desde 1992 ; fez assistência de direção, produção, fotografia... ;Sempre participei dos filmes dos amigos. Pensei: chegou a hora de eu fazer o meu.;
A estreia como ;regente; de um filme, portanto, chegou após um longo período de experiência nos bastidores de curtas como Verdadeiro ou falso e Pequena fábula urbana (ambos de Jimi Figueiredo). ;A ideia era antiga, mas consegui filmar exatamente o que eu queria;, garante. Com R$ 90 mil do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) e um elenco formado por atores como André Deca e Chico Sant;Anna, o estreante de 41 anos conta a história de um mal-entendido entre dois operários que sonham em ganhar na Mega Sena. ;Gosto muito de Woody Allen. Acho que esse tom gracioso combina com Brasília. É um equívoco dizer que o brasiliense é um povo frio. Isso não existe;, afirma.
43; FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO
De 23 a 30 de novembro. Inscrições abertas até 30 de setembro. Fichas de inscrição disponíveis no site da Secretaria de Cultura do DF: www.sc.df.gob.br e em .