postado em 29/08/2010 15:22
"O que menos me importa neste DVD é o show que tem ali, mas mostrar a África e alguém que falasse de lá como eu gostaria, na visão de quem viveu e vive aquilo lá." Assim, a cantora e compositora Mart'nália resume a importância de Em África, ao vivo, lançamento em dose dupla, com CD e DVD, show, depoimentos e uma animada roda de "semba" (samba de Angola no nome, mas bem brasileira, na prática).
Não que o show, gravado na ilha de Luanda, em Angola, seja dispensável ou desinteressante. O repertório, de primeira, conta com canções próprias, parcerias de peso (Arthur Maia, Mombaça e Moska, entre outros), sucessos do pai, Martinho da Vila (Ex-amor e Disritmia), e até Toquinho e Vinicius de Moraes (A tonga da mironga do kabuletê). Muxima (de Carlos Aniceto Vieira Dias) e Muadiakime (Bonga Landa), do cancioneiro angolano, animam o público local e são apresentadas com o cantor Yuri da Cunha, quem Mart'nália acaba acompanhando numa "axezística" coreografia sobre o palco.
Para a artista, no entanto, a roda, as imagens do povo africano e as participações de Martinho, Chico Buarque, Mia Couto, Regina Casé e Gilberto Gil, entre outros, supostamente extras do show, são, na verdade, a alma do atual trabalho. "A África é um lugar que tem tudo a ver comigo, vou ao menos uma vez por ano, tenho saudade. É um lugar agradável, tenho amigos, me sinto bem." E a África de Mart%u2019nália mostra a rua, o povo, as religiões sem o sincretismo. Sem didatismo, mas como vivência e com a cantora totalmente à vontade nas ruas, na praia, no palco.
Na roda, gravada no quintal da casa da produtora (e braço direito) de Mart'nália, Marcia Alvarez, no Rio de Janeiro, a informalidade e a alegria do encontro são captadas com naturalidade. Gil, Martinho, a irmã Analimar Ventapane, Carlinhos Brown e demais convidados famosos e anônimos mostram genuinamente estarem se divertindo ali, enquanto cantam e tocam boa música, desde a abertura, com Palco (Gil), passando por Festa de umbanda (Martinho da Vila) e encerrando em Odilê, odilá (dele e de João Bosco).
Embaixador da música
A relação de Mart'nália com a África não começou de forma exatamente harmoniosa. A primeira ida ao continente, na década de 1980, foi praticamente obrigada pelo pai, verdadeiro embaixador informal do Brasil em Angola. O país estava, então, tomado pela guerra civil. Na época, ela já era vocalista da banda de Martinho. "Eu devia ter 18, 19 anos. Era só mais uma viagem, ainda não tinha essa sintonia (com o continente). Nem me lembro por que não estava a fim, coisa de adolescente. Também não tinha certeza de que ia trabalhar com música", lembra.
Mart'nália em África, ao vivo nasceu de maneira informal, sem roteiro pré-definido. Até porque o penúltimo trabalho da cantora foi outro DVD ao vivo, gravado em Berlim. "Queria filmar umas coisas e ver o que ia acontecer. O Roberto de Oliveira (diretor-geral) é feraço, mas quando a gente vai fazer um show na África não sabe as condições técnicas que vai encontrar. Tanto é que deu para aproveitar o show em Moçambique", relata ela, que fez sua terceira turnê solo no continente.
O show foi gravado sem interferências, com o repertório direcionado para o gosto do público local. "Não fomos para gravar um DVD. Fomos filmar umas paradas", resume, no seu acentuadíssimo carioquês made in Vila Isabel.
Três perguntas - Mart'nalia
Dá para perceber que você participa dos créditos à seleção musical. Existe uma preocupação em fazer com que cada trabalho tenha a sua cara?
Do meu jeito é mais fácil para eu caminhar. Claro que tem um monte de gente que me ajuda, uma equipe bacana, legal. Faço parcerias com pessoas que já me conhecem. Quando comecei a cantar não foi assim. A partir do (CD) Minha cara é que resolvi seguir em frente. Ali foi quando me senti bem. E quanto mais as coisas são da minha forma, eu consigo entender e fazer. E levando pelo lado bom é sempre mais fácil, dá para se divertir bastante.
Seu repertório é essencialmente de sambas, e mesmo o que não é acaba ganhando essa roupagem. Você se considera uma sambista?
Sou uma artista carioca. Não me tenho como referência de cantora. Era vocalista, cantava com a voz de outra pessoa. Fui aprendendo a cantar com a minha voz. Caetano (que a dirigiu em Pé do meu samba) falou para eu cantar como gosto. Bethania já me disse para prestar atenção no que faço, me orientou. Na estrada, os músicos também ajudavam, ensinavam, e fui indo. Não tenho medo (de ficar estigmatizada). Sou sambista, saio na Vila Isabel, mas vem tudo misturado, porque também gosto de ouvir meu jazz, George Benson. Minha mãe sempre escutou Stevie Wonder, Dalva de Oliveira, Elvis Presley, Roberto Carlos%u2026 Meu pai é mais careta, só ficava na música regional. E eu ia ver tudo quanto é show: festivais de jazz, de rock, as vocalistas se apresentando em piano-bar. Fui me formando vendo também.
O que toca no seu ipod?
Continuo com meus Stevie Wonder, Aretha Franklin, Nana Caymmi, Gilberto Gil, Chico (Buarque). Aí alguém me mostra um disco ou eu viajo e ouço o CD de alguém, acho legal e pego uma música ou outra. Não baixo da internet, porque não tenho saco para esperar. Minha irmã Analimar diz: "Tinália só gosta de música chata". É porque ela vai para o pagode, é vocalista de todos os sambistas. Não gosta do meu gosto. E o que menos tem no meu ipod é samba.
Mart'nália em África, ao vivo
CD DVD
Direção geral de Roberto de Oliveira
Biscoito Fino. R$ 47,90
(em pré-venda)