postado em 30/08/2010 07:59
Um aviso afixado na bilheteria da Caixa Cultural encerrou o sonho da professora Nádia Rios de assistir ao espetáculo A comédia dos erros, dos irmãos Guimarães. A frase "Os ingressos para a sessão de hoje estão esgotados" foi lida com um certo pesar pela senhora, que pretendia emendar a peça com uma rodada de pizza com a prole. "Vamos adiar o programa para a noite de domingo", lamenta.
No Teatro Sesc Garagem, havia fila extra para comprar as entradas de Balada de um palhaço, do Grupo de Teatro Artes de & Fatos (GO). O casal José Carlos e Camilla Moraes esperou pacientemente todos que tinham o "salvo-conduto" entrarem para, enfim, realizar o desejo. Na Funarte, a fila para ver Kabul, da Cia. Amok de Teatro (RJ), também era longa. "Consegui este ingresso de graça porque a namorada do rapaz desistiu de vir à Funarte", comemora o engenheiro Arnaldo Teixeira.
No fim de semana, não deu para quem quis. O Cena Contemporânea - Festival Internacional de Teatro, com uma dezena de espetáculos em cartaz, encheu os olhos do brasiliense, que até emendou duas montagens numa mesma noite. Enlouquecida, a estudante Carla Monteiro corria pelas escadarias do Teatro Garagem. Eram 19h39 do sábado e ela tinha pouco mais de 20 minutos para chegar à Sala Martins Pena para ver o espanhol Dizer chuva e que chova. "Desculpa, não posso dar entrevista agora se não eu perco a peça. Desde terça-feira, já vi seis espetáculos", contabiliza a moça, com respiração esbaforida.
Não houve tempo ruim para as pessoas irem ao encontro de teatro em suas diversas linguagens e manifestações. A carta de um anjo louco, a sensação no boca a boca no primeiro fim de semana, levou desde quinta-feira gente à Esplanada até as 2h da madrugada. Lá de cima do Ministério do Esporte, um homem de paletó desceu pela parede de 30 metros de altura como se estivesse caminhando no asfalto. Em certo momento, parou, arrancou a roupa de burocrata e, aos gritos, dialogou com imagens projetadas e uma trilha sonora inquietante.
Embaixo, algumas pessoas deitadas em colchões suspiravam como se estivessem num tradicional espetáculo de circo. O ator e performer Willian Lopes dava saltos mortais e riscava no espaço aéreo uma poética sensação de liberdade. Quem viu a cidade desse ponto de vista, com esse tipo de intervenção urbana, ficou admirado. De passagem por Brasília, a dramaturga e historiadora cultural Aninha Franco, responsável por sucessos nacionais como Os cafajestes e Oficina condensada, registrou as imagens na câmara e ficou encantada. "É lindo! Já vim umas 10 vezes em Brasília, mas é a primeira vez que piso no chão e vejo esse encontro de gente e de sotaques", observa a artista baiana.
Aninha Franco passou pelo meio da muvuca no Museu Nacional, ponto de encontro do Cena Contemporânea. Ali, as pessoas trocavam informações sobre as peças assistidas e recomendavam as imperdíveis. Foi assim que a estudante Cristina Marques descobriu a montagem dos chilenos Neva. Ficou tão empolgada que abriu o livreto com a programação do festival para, minutos depois, desfazer o estado de empolgação. "Acabou ontem", lamenta.
[SAIBAMAIS]Depois da experiência de apresentar Ilhar, no Espaço Mosaico de casa lotada, a atriz Verônica Moreno também circulou como espectadora, elogiando a atitude dos artistas de um ver o outro e retificando a capacidade do Cena Contemporânea em formar plateias. "A gente fez boas temporadas de Ilhar na cidade e a sensação é de que muita gente desperta para o teatro feito em Brasília durante o festival", comemora.
O clima de encontro e intercâmbio tomou conta de quem viveu o fim de semana teatral da cidade. Aninha Franco, que parte para o Rio amanhã, sai daqui com outra Brasília na cabeça. "É lindo! As cidades-satélites e os sotaques, todos que o Brasil sonoriza: baianos, pernambucanos, piauienses, goitacazes, brasilienses, candangos puxando, orgulhosamente, seus tês e nês das gargantas e sorrindo. Brasília sorri todo o tempo, clama a poeta baiana. É lindo"