Diversão e Arte

Sem dinheiro para reformas e programação adequada, o Cine Brasília agoniza

postado em 31/08/2010 07:45
Em Brasília,19h. A reportagem do Correio se encaminha ao Cine Brasília, na 106/7 Sul, para acompanhar uma sessão. O bilheteiro gentilmente libera a catraca, mas avisa: ;Só tem uma pessoa aí dentro;. Na sala, com capacidade para 1,2 mil pessoas, estava o técnico em informática Joel Ricardo, 45 anos. ;Um amigo meu assistiu a esse filme na tevê a cabo e me falou de uma atriz que aparece no 007. Então, eu decidi conferir;, afirma o espectador solitário. Ele é o único presente à sessão de Assédio, de Bernardo Bertolucci. A garota bonita que o fez sair de casa é a atriz inglesa Thandie Newton ; que, na verdade, esteve em Missão: impossível 2, nunca numa fita de James Bond. No cinema mantido pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal, na última quarta-feira, a sessão seguinte seria a de 2046 ; Os segredos do amor, do cineasta taiwanês Wong Kar-wai. Ambos podem ser encontrados em DVD e foram exibidos na tevê por assinatura. Mesmo assim, são as opções oferecidas aos cinéfilos brasilienses durante quase dois meses, de 16 de agosto a 30 de setembro, no Cine Brasília ; o marasmo só será quebrado pela mostra Cine Fashion, de 13 a 18 de setembro. ;Eles só exibem filmes velhos. É uma pena um espaço desses ficar tão abandonado;, lamenta Ricardo. Ouça trechos da entrevista com Sérgio Fidalgo Com o fechamento do Cine Academia, a sala seria o último refúgio para o ;cinema de arte;. Mas o Cine Brasília anda mesmo a perigo. A programação fraca, dominada por reprises durante o ano inteiro, e a prometida reforma do espaço (que nunca sai do papel) andam espantando até aficionados pelo lugar. ;Não vale a pena tanta luta. Fizemos muitos movimentos, mas nada resolve. Desencantei com isso;, desabafa a artista plástica Ercília Lopes, 60 anos, integrante da Associação dos Amigos do Cine Brasília. ;Nós chegamos a participar de uma reunião com a Secretaria de Cultura para tratar da reforma do cinema. Mas depois veio o escândalo do GDF e nada aconteceu;, afirma Beth Gameiro, bibliotecária de 62 anos e outra das amigas do cinema. Descaso Em reportagens publicadas em 2008 e 2009, o Correio denunciou o abandono do prédio projetado por Oscar Niemeyer. Foram encontrados equipamentos pifados, fiação envelhecida e poltronas rasgadas. A falta de policiamento assustava os funcionários do GDF. A Secretaria de Cultura prometeu reformas para 2010. O que se viu, ironicamente, foi a interrupção no funcionamento do Cine Brasília. A estiagem começou em janeiro com a aposentadoria de Fernando Adolfo, responsável pela sala. Em meio aos escândalos políticos no Palácio do Buriti, a equipe de funcionários do cinema foi desmontada. Até abril, nenhum filme entrou em cartaz. O breu foi finalmente preenchido com a assinatura do decreto que criou a diretoria de cinema e vídeo, que engloba o Cine Brasília, a coordenação do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e o Polo de Cinema e Vídeo. ; Leia matéria completa na edição impressa do Correio O ator e apresentador Sérgio Fidalgo, que integra os quadros da secretaria e frequenta o festival há 15 anos, assumiu a função principal. Encontrou um Cine Brasília agonizante. ;Minha primeira medida foi colocar o cinema para funcionar;, explica. De acordo com Fidalgo, a falta de dinheiro impede que a diretoria entre em acordo com as distribuidoras para definir uma programação atualizada e mais atraente. Elas oferecem um cardápio sem lançamentos. Para pagar os custos da exibição, as produções ficam em cartaz por longos períodos ; no mínimo, um mês. Fidalgo planeja reduzir essas temporadas, já em outubro, para 15 dias. Criar uma programação mais diversificada está, segundo Fidalgo, fora de alcance. A única esperança é a assinatura de um convênio entre a secretaria, o Ministério da Cultura e a Cinemateca Brasileira que garanta alterações na estrutura do prédio. Mas, para isso, o GDF tem que fechar o acordo até dezembro, para que as obras comecem já em janeiro de 2011. Procurado pelo Correio, o MinC preferiu não se manifestar sobre o assunto. A prioridade, neste momento, é a 43; edição do Festival de Brasília. A intenção é criar um clima de normalidade: a equipe, com Fernando Adolfo (agora ;curador;), continua a mesma dos anos anteriores. Os critérios de seleção também ; a meta é exibir apenas longas totalmente inéditos. ;Não queremos fazer um novo festival de cinema. Estamos correndo atrás do tempo perdido;, afirma Fidalgo. Enquanto isso, o Cine Brasília vai ficando no passado, quase um fantasma.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação