postado em 04/09/2010 07:00
Um prato com tomate, abobrinha, beringela e limão, acompanhado de peixes e frutos do mar grelhados, regados com ervas colhidas na horta e muito azeite. Tudo bem fresco e saboroso, para ser degustado em um longo almoço, com uma taça de um bom vinho. Essa cena pode se encaixar muito bem em qualquer casa ou restaurante dos países que cercam o Mar Mediterrâneo. Unindo caraterísticas de três continentes ; Europa, África e Ásia ;, essa gastronomia é rica em sabor e, graças aos ingredientes utilizados, ainda faz bem à saúde. Segundo os chefs, o que faz dessa culinária tão especial é o amor pelos ingredientes e a celebração da vida a cada refeição.
Espanha, Turquia, Grécia, Itália, Israel, Marrocos, França e Egito são os países com mais tradição na culinária mediterrânea. Cada um deles tem suas próprias caraterísticas e ingredientes típicos, mas todos compartilham o mesmo princípio: comida fresca e saborosa. ;Não importa o lugar, a base é sempre a mesma. O que faz a diferença é o respeito que eles têm pelos frutos da terra e do mar;, afirma Paulo Mello, chef do restaurante Dona Lenha.
Se a pimenta se sobressai no México e a manteiga nas mais tradicionais receitas francesas, no litoral do Mediterrâneo o azeite reina. Ele está presente em quase 80% dos pratos. E mesmo que o item não faça parte da lista de ingredientes, ele serve para dar um último toque em qualquer tipo de carne ou vegetal. O óleo é extraído das milhares de oliveiras que enfeitam os campos dos países costeiros. ;A azeitona é colhida e exprimida de uma forma muito artesanal e simples, por pressão mecânica. (O óleo) é natural, por isso traz tantos benefícios à saúde;, comenta Mello, que morou na Isla del Giglio, na Itália, para aprender os segredos dessa culinária litorânea.
A proximidade com o mar faz com que os habitantes dos países mediterrâneos possam comer peixe pelo menos duas vezes por semana. Geralmente, o ingrediente é assado na grelha ou no forno com ervas e sal. ;Eles usam muitos produtos do mar e grãos. Não tem aquele exagero de muita manteiga e creme de leite, são pratos mais leves. As ervas são fresquíssimas, ainda existe aquele costume de pegar no jardim a sálvia, o tomilho, o alecrim, o manjericão, o orégano e a salsinha;, explica Rodrigo Almeida, chef do restaurante Fatto. Os temperos mais fortes vêm do norte da África, onde o mix de especiarias, misturadas em um pilão para servir de base para uma receita, é chamado de baharat.
Para os povos mediterrâneos, comer bem faz parte da cultura (1). As refeições são momentos para aproveitar com a família, comemorar com os amigos. As porções são pequenas, degusta-se tudo na mesa, mas sem exagero. Em uma visita recente à Turquia, o chef do Dona Lenha ficou impressionado com a qualidade da comida de rua. ;Vi uma multidão em volta de uma barraquinha, mas não tinha nada de cachorro quente. Eram mexilhões recheados, que as pessoas comiam e depois pagavam pela quantidade. Andei mais um pouco e vi um carrinho de pipoca que vendia, na verdade, um arroz com especiarias. Esse é o fast food deles;, comenta Mello.
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Para seguir os princípios da gastronomia mediterrânea, os restaurantes usam ingredientes frescos. ;Com isso, a gente pode brincar um pouco dentro do cardápio. Os peixes são os melhores do mercado. Então, se o cliente quiser um prato com molho de limão e arroz sete grãos, pode escolher entre um linguado, um robalo, um pargo, o que tivermos de melhor naquele dia. Se o pessoal da pescaria avisa que chegou uma lagosta, um polvo ou um vongoli, a gente coloca no menu;, conta Almeida, do Fatto.
No Dona Lenha, pratos tradicionais no cardápio como o peixe almafitano, feito com azeite de limão siciliano, ou o tajine de cordeiro representam a cultura mediterrânea. ;Procuramos usar pratos com ingredientes naturais, orgânicos e pensar também na alimentação saudável. O arroz negro, por exemplo, é o verdadeiro arroz integral. Os legumes são servidos al dente, para que a estrutura e as vitaminas sejam preservadas;, diz Mello.
Dieta ideal
De acordo com estudos feitos no departamento de Nutrição e Metabolismo da Escola de Medicina Hadassah, da Universidade Hebraica de Jerusalém, sete produtos mediterrâneos se destacam: trigo, cevada, uva, figo, tâmara, romã e azeitona. O consumo de cada um deles, segundo os cientistas, ajuda a manter a dieta saudável. Essa variedade, o estilo de vida e a forma de cozinhar podem ser responsáveis pelos baixos índices de mortalidade por câncer e doenças cardiovasculares nas regiões banhadas pelo mediterrâneo, acreditam os cientistas.
Segundo a especialista em nutrição funcional Carina Tafas, o grande segredo da dieta mediterrânea está na variedade do cardápio e na composição dos alimentos. ;Eles têm o costume de comer grãos integrais e pouco carboidrato refinado. E consomem muito peixe e azeite ricos em ômega 3 e propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes. A taça de vinho durante as refeições é rica em flavanoides, o que protege contra doenças do coração;, explica a nutricionista.
Em seu clássico livro Mediterranean Cookery (não lançado no Brasil), Claudia Roden, cidadã egípcia radicada nos Estados Unidos, afirma que quem cozinha sob os princípios dessa culinária vai querer cozinhar sempre. ;Comece a encher sua despensa com azeite de oliva de qualidade, arroz, massas, lentilha, diversos tipos de feijões, grão de bico, frutas secas, nozes, latas de anchovas, pasta de tomate e azeitonas. Além disso, prepare-se para fazer uma boa coleção de especiarias. Faça um estoque de temperos básicos, alho, cebola, limão e tomates;, sugere na obra.
Para tentar seguir a dieta em casa, o chef Rodrigo Mello sugere uma salada grega feita com tomate bem maduro, cebola roxa, queijo grego feta, azeitona preta e pepino. ;Basta cortar os ingredientes grosseiramente, da forma que você achar melhor. E amassar um pouco o queijo. Para completar, basta fazer um molho com iogurte natural, orégano fresco e azeite;, resume o cozinheiro.
1 - Cozinha preservada
A culinária mediterrânea pode entrar na lista de patrimônios da humanidade da Unesco. O objetivo é preservar a alimentação rica em frutas e legumes frescos, peixe grelhado regado ao azeite de oliva. As receitas com mais de 3 mil anos de história podem se juntar a outras cerca de 170 experiências culturais protegidas pela instituição, que inclui o tango e as rendas artesanais da Croácia. A aprovação depende de uma votação final marcada para novembro.