postado em 06/09/2010 12:18
Em meio à neve para escapar da prisão ("Essentials Killing", do polonês Jerzy Skolimowski) ou abandonados no coração do deserto de Gobi ("The Ditch", do chinês Wang Bing) os heróis dos filmes desta segunda-feira na Mostra de Veneza lutam pela sobrevivência.Surpreendentemente selecionado para a competição oficial, "The Ditch" apresenta uma página cruel da construção do socialismo à chinesa.
Em 1960, no coração do deserto de Gobi, no oeste da China, não há necessidade de arames farpados ou de torres de observação para manter presas as pessoas acusadas de "deriva direitista": o deserto e o vento gelado se encarregam disso. Em meio à poeira, mal abrigados em trincheiras cavadas na pedra, 1.500 sobreviventes do campo de reeducação de Jiabiangu instalam-se em um campo anexo.
Dispensados depois dos trabalhos forçados por falta de alimentos, foram convocados por seu guardião para que eles mesmos encontrassem comida: "A construção do Socialismo enfrenta atualmente alguns problemas", justifica o prisioneiro responsável pela guarda do grupo.
Alguns grãos e raízes, um rato para os mais sortudos, e logo os mortos passam a ser cobiçados pelos sobreviventes.
Dos 1.500, apenas 300 sobreviverão: é sua memória que o diretor, que assina seu primeiro filme de ficção após anos de documentários, quis retratar com a maior fidelidade possível.
"Encontrei e entrevistei mais de 100 sobreviventes. Queria compreender a mentalidade da época e restituir a veracidade histórica", explicou nesta segunda-feira em Veneza.
Um dos que sobreviveram, um idoso enrugado que é visto esmagando uma planta seca com suas mãos calejadas, interpreta o seu próprio papel, entre jovens atores que estreiam no cinema (Lu Yé, Xu Cenzi) e figurantes recrutados localmente.
Wang Bing, nascido em 1967, explica o porquê de ter rodado "um filme de denúncia: foi um trabalho de memória", insistiu. "O importante é falar do passado".
Uma memória difícil de revisitar: o filme foi inteiramente filmado no deserto de Gobi, entre a província de Gansu e a Mongólia, em pleno inverno com temperaturas de até -20;C, e, sobretudo, sem autorização oficial, com o temor constante de uma intervenção para suspender o projeto. Sua exibição na China ainda não foi aprovada.
A vontade de ver o dia nascer, é também o argumento do filme de Jerzy Skolimowski, "Essential Killing": capturado no Afeganistão pelo Exército americano e deportado para uma das bases secretas da CIA na Europa Central, seu herói (Vincent Gallo) aproveita um acidente na estrada para fugir.
Enfrentando o rigor absoluto da natureza, florestas cobertas de neve a milhares de léguas de sua terra natal, ele se lança em uma fuga em meio a cães, homens e lobos.
"É um animal em fuga, que mata porque é sua única chance de sobreviver", resume o realizador. "Não sabemos nada desse homem, se ele é realmente terrorista ou se estava justamente no local errado na hora errada. Ele poderia ter nascido Joshua, John ou Giorgio".
Em 83 minutos, nenhuma palavra é pronunciada. As únicas manifestações são a respiração do fugitivo e seus gemidos na neve frequentemente suja de sangue. A única pessoa com quem ele cruza que não quer matá-lo é uma camponesa muda (Emmanuelle Seigner).
A Mostra terminará no sábado, com o anúncio dos vencedores.