Diversão e Arte

O alemão Hans-Thies Lehmann destaca o teatro pós-dramático

postado em 08/09/2010 08:46
É cada vez mais comum o espectador sair de um espetáculo sem saber se é teatro, dança, performance, show, artes visuais. Atordoado com tanto cruzamento de linguagens, não consegue conceituar o que lhe parece escapulir aos padrões do drama convencional, com narrativa sustentada num texto de começo, meio e fim. A confusão estética, que se acentua como um problema de fruição, tem resposta, ou melhor uma bela análise no livro Teatro pós-dramático, do alemão Hans-Thies Lehmann, que virou leitura obrigatória entre estudiosos das artes cênicas. Na segunda-feira, o encontro que parecia improvável, para quem encontrou alento nos conceitos do teatrólogo alemão, concretizou-se no Teatro Helena Barcelos (do Instituto de Artes da UnB). Leitores e autor ficaram frente a frente para ouvir as noções que norteiam a obra do alemão Hans-Thies Lehmann. Estudantes, professores e artistas encheram o espaço para acompanhá-lo atentamente. Bem-humorado, o teórico falou sobre a crise do drama burguês, questionado logo ao fim do século 19, e voltou para os elementos da tragédia grega (o coro, a máscara) a fim de mostrar que a arte de hoje dialoga melhor com a história, retomando elementos rituais e da ancestralidade. - No século 20, diversos campos do conhecimento (sociologia, linguagem, psicanálise) apontam um novo conceito para o ser humano, que não é mais um ente autônomo e, sim um sujeito levado pelas circunstâncias. E o teatro responde a isso, rompendo com a identificação do drama moderno em que o homem é visto como herói, observa. Vida absurda Lehmann brinca e faz até piada. Lembra aqueles que definem o teatro do século 20 como o teatro do século 19, da ideologia burguesa que nasce com o renascimento e se prolonga. Mas ressalta que Shakespeare não precisou de Beckett para reafirmar o absurdo que é a vida humana. - Basta lembrar a célebre frase de Shakespeare: "A vida é feita de som e fúria sobre o nada". Essa resposta ao homem que é afetado pela circunstância social surge reposicionando o papel do espectador, na explosão dos espaço cênicos, numa dramaturgia do corpo e da voz, na fragmentação da narrativa, no papel do ator, que agora não só representa, mas também se presentifica no palco. Apresenta-se também como um ser político. Lehmann não cria um rótulo para ser aplicado nesse ou naquele teatro, apenas fornece um arcabouço teórico para que se entenda uma cena complexa, que já não cabe mais nas relações clássicas de texto, diretor, ator. - São formas híbridas que se manifestam em possibilidades para o teatro questionar o papel do espectador de provocar o seu olhar diante da sociedade do espetáculo, observa Lehmann, que ainda orientou individualmente trabalhos de pesquisa ao lado da professora Eleni Varopoulou, especialista em teatro grego antigo e contemporâneo. A vinda do alemão Hans-Thies Lehmann para a UnB foi organizada pela Tanteatro Companhia em parceria com o Laboratório de Dramaturgia e Imaginação Dramático (Ladi), coordenado pelo professor e dramaturgo Marcus Mota. Esta é a terceira vez que o crítico e professor de teatro alemão Hans-Thies Lehmann vem ao Brasil. Ele esteve aqui, em 2006, e integrou as comemorações ao cinquentenário de morte do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Em 2009, voltou para lançar Teatro pós-dramático. Agora, visita universidades em São Paulo, Porto Alegre, Florianópolis e Salvador. Mestre Hans-Thies Lehmann é um dos mais importantes teóricos do teatro contemporâneo e da estética teatral. É professor de Estudos Teatrais da Universidade Goethe, em Frankfurt am Main/Alemanha, e membro da Academia Alemã de Artes Cênicas. Entre seus livros destacam-se Teatro Pós-dramático e Escritura política no texto teatral. Para saber mais Outra forma de fazer arte O que Lehmann propõe no livro, sobretudo, é a quebra de um paradigma para um teatro em crise, que não é mais capaz de atender as demandas do homem do século 20, perdendo-se como linguagem diante de meios potentes da indústria midiática, como o cinema e a televisão. Esse teatro burguês, sustentado no diálogo e na identificação do homem como um ser capaz de alterar o destino, entra em colapso por não mais ser capaz emancipar o espectador como um agente ativo de recepção. Ao longo do século 20, aos poucos, premissas estéticas questionaram o lugar do drama e a força do texto como um guia da representação. Outros autores, sobretudo os do teatro do absurdo como Samuel Beckett, trituram a dramaturgia aristotélica em fragmentos, ao passo que homens de teatro, como Brecht, propuseram técnicas capazes de emancipar a audiência. Isso sem falar no vertiginoso avanço das tecnologias e da adesão de seus elementos na cena, erguida também com a narrativa das artes da imagem, do cinema, das artes plásticas, do circo. O teatro pós-dramático seria provocado pelo teatro de estética pós-moderna dos anos 1960 e começa a se estabelecer, sobretudo, na década de 1980. "Esta nova forma teatral não procura suscitar a adesão do espectador, mas provocar sua percepção ou emoção significativa. Os aspectos fragmentários desses textos, ou dessas montagens, permeiam uma reescritura cênica que engloba os aspectos textuais, cenográficos e os problemas que são propostos por um jogo não necessariamente psicológico."

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