Nahima Maciel
postado em 12/09/2010 08:00
Quando alguém pergunta a Marc Riboud qual a melhor foto que realizou nos últimos 70 anos, ele responde: ;Espero que seja a que vou fazer amanhã;. No início da semana, Riboud passeava com uma pequena câmera a tiracolo por um castelo do Vale de Loire. Supervisionava a montagem de uma exposição com fotos realizadas há 25 anos no Vietnã e fotografava a equipe de trabalho. O amanhã do fotógrafo francês pode ser ontem ou segunda-feira. Riboud fotografa constantemente. Não faz mais as longas e destemidas viagens para registrar grandes fotoreportagens, mas não larga a Canon e as três Leicas, utilizadas com parcimônia por causa do peso. ;Na minha idade, é difícil;, explica o fotógrafo de 87 anos, integrante da lendária agência Magnum, amigo de Henri Cartier-Bresson e Robert Capa, autor de 350 mil imagens clássicas da história do fotojornalismo no mundo.Mesmo assim, Riboud esteve presente nas eleições americanas de 2008 e passou pelo Brasil no ano passado. Algumas imagens captadas em Porto Alegre e no Rio de Janeiro integram a mostra Marc Riboud ; Fotógrafo, em cartaz na Galeria Principal da Caixa Cultural. A exposição traz a Brasília as imagens mais conhecidas de Riboud.
O nome do fotógrafo ganhou o passe de entrada para a Magnum em 1953 com a imagem histórica de um pintor dependurado nas entranhas da Torre Eiffel. Nascido em Lyon, o fotógrafo visitava Paris pela primeira vez e resolveu subir na torre pelas escadas. Durante o trajeto, percebeu mais de 15 pintores concentrados no restauro da Dama de Ferro. Clicou todos, um de cada vez. E não controlou o enjoo e a vertigem quando os equilibristas se abaixavam para molhar o pincel no balde de tinta.
Tímido confesso, o fotógrafo encontrou na câmera uma aliada generosa. Atrás da lente, podia estar no mundo sem participar. Percebeu o quanto estava certo em largar a engenharia ao ouvir de Cartier-Bresson e Capa o convite para a Magnum. Da habilidade com os números e a geometria trouxe para a fotografia o senso da composição. ;A composição pictórica é essencial para a boa foto e para a boa pintura. Não é o acaso de um tema, mas a composição pictórica. Aprendi isso com Cartier-Bresson, mas também com a geometria;, explica.
A independência também entra na receita de Riboud. Ele foi o primeiro fotógrafo francês a obter um visto para a China comunista. Em 1957, embarcou para o Oriente munido de algumas Leicas, muitos filmes e a recusa de um adiantamento da revista norte-americana Look, interessada em publicar o material. ;E eu não queria trabalhar para a América ou a China;, explica. Quando voltou, ganhou o triplo do adiantamento e assistiu, contente, à briga entre a Life e a Look pela exclusividade do material. ;Em vez da garantia, recebi US$ 25 mil e construí minha casa de campo. Durante quatro anos coloquei a foto de Mao Tsé Tung na minha lareira;, brinca. Foi da casa de campo nos arredores de Paris, pelo telefone, que Riboud conversou com o Diversão & Arte sobre a fotografia de ontem e hoje.
Poesia em preto e branco
Fotografia e timidez
Eu não era bom para ser engenheiro. Sempre fui muito tímido e não falava. Me chamavam de taciturno. Éramos sete crianças, tive irmãos brilhantes, que subiram na vida. Mas eu era o taciturno e não fazia muita coisa. E por acaso encontrei um homem que foi muito importante para mim. Ele era fotógrafo, 15 anos mais velho. Conheci por acaso e ele era Henri Cartier-Bresson. Duas coisas me empurraram para a fotografia. Uma é a composição pictórica, que é essencial para a boa foto e a boa pintura. Não é o acaso de um tema, mas a composição pictórica. Aprendi isso com Cartier-Bresson. E também com outra coisa. A base da composição pictórica é a geometria.
Magnum
Robert Capa e Cartier-Bresson me disseram ;você merece estar na Magnum, mas para isso precisa aprender inglês. Vá passar um ano na Inglaterra. Lá aprenderá inglês e conhecerá garotas, porque você é muito tímido e precisa conhecer garotas;. Eu disse sim. Não vi as garotas, mas aprendi inglês. Voltei após um ano, depois de fazer muitas fotos, o que me serviu muito mais (que as garotas). E como era muito tímido, fui de jipe para Calcutá. Levei seis meses para chegar lá, mas pelo menos eu não encontrava ninguém. Não há mais lugar para agências assim. Chegamos num impasse. A Magnum não é baseada apenas no comércio, como as outras agências, mas na qualidade. Isso é arriscado, é difícil em período de crise.
Independência
Um aspecto principal do meu temperamento é meu reflexo de independência. E isso me levou a raramente realizar encomendas. Quando fui para Calcutá, não tinha uma encomenda. Quando fui à China, fui o primeiro da França a ter um visto e uma permissão, e a Magnum me propôs uma garantia de US$ 8 mil. Há 60 anos, era muito dinheiro. Recusei. Me disseram que era louco, que eles nunca tiveram algo assim e que eu era o primeiro a ir à China. Eu disse que não dava para trabalhar desse jeito. Era minha independência. Sempre falei o que quis. Eu não queria trabalhar para a América ou para a China. Queria trabalhar para mim. E todo mundo sabia disso.
China contemporânea
Ah, é só dinheiro, dinheiro, dinheiro. Não é mais a China. É o país do dinheiro, o país da corrupção, o país do trabalho. Se trabalha o tempo inteiro para fazer dinheiro. Se paga muito mal e as pessoas estão contentes porque têm trabalho. É o país onde o regime manda, não tem um grupo de pessoas que participa de eleições, não se vota.
Arquivo
Em casa tenho os contatos, mas os negativos estão em um laboratório e, por telefone, posso obter uma tiragem. Dos 350 mil negativos, talvez 2 mil valham mesmo a pena. Sou bem organizado e independente. Sabe por que os fotógrafos de Paris Match (revista ilustrada francesa) não podem nunca utilizar algo que publicaram? Porque cada semana fazem um número novo de 150 páginas e, no dia seguinte, já estão trabalhando no número seguinte.
Foto da Torre Eiffel
Eu nunca tinha ido a Paris, morava em Lyon. Fui a Paris e pensei ;claro, tenho que ver a Torre Eiffel, como todo estrangeiro;. Tinha pouquíssimo dinheiro e comprava os filmes por metro porque eram mais baratos. Levei um filme, subi a pé na Torre Eiffel. Tinha uma câmera e uma lente. Subi na parte mais alta. Como só tinha uma câmera, enquadrei uns 15 pintores, uma tomada para cada um e um plano geral. Meu contato começava com fotos do chão, não da torre, mas de comerciantes de selos, depois decidi subir e descer de novo.
MARC RIBOUD; FOTÓGRAFO
Mostra com 61 imagens do francês. Até 13 de outubro, de terça a domingo, das 9h às 21h, na Caixa Cultural (SBS, Q. 4, Lt. 3/ 4; 3206-9448).