Diversão e Arte

Filme baseado na obra de Chico Xavier atrai brasilienses às salas de cinema

postado em 12/09/2010 11:00
O casal Leandro e Vanessa Arndt: superando preconceitosCoqueluche da temporada cinematográfica nacional, o longa-metragem Nosso lar reproduziu em Brasília o cenário visto em antessalas de cinema de todo o país: filas quilométricas, agitação e muita expectativa por parte da plateia. Em pleno feriado de 7 de setembro, durante a tarde quente e ensolarada, muita gente recorreu ao escurinho do cinema para conferir a película, em cartaz em 21 salas do Distrito Federal. Somente durante o fim de semana que antecedeu o feriadão, a fita, adaptação da obra de Chico Xavier, que narra a entrada de um homem morto no mundo espiritual, foi vista por mais de 562 mil pessoas em todo o país, nas 445 salas que o exibem, de Norte a Sul. Até o fim do feriado, a produção bateu a marca de 1 milhão de espectadores.

Em um dos shoppings da cidade, a demanda por ingressos foi tanta que a administração do cinema decidiu liberar uma segunda sala para exibir a produção. O público, heterogêneo, era constituído por seguidores das mais variadas religiões. São interessados, cada um a seu modo, em entrar em contato com a própria espiritualidade.

Apesar do pouco tempo em exibição na tela grande, o filme já não é novidade para muitos espectadores. O estudante Tiago Artur Lyra, 20 anos, pesquisador e seguidor da religião de Allan Kardec e Chico Xavier, decidiu ver a obra pela terceira vez. O primeiro contato ocorreu durante um congresso espírita, que, além de exibir Nosso lar, ainda levou o diretor e o protagonista para um debate. As duas sessões seguintes foram no cinema, com intervalos de dois dias entre uma e outra. ;Para nós, espíritas, que já conhecemos a história, o interesse é saber como a passagem do médico André Luiz foi transposta para o cinema. Mas, para o público em geral, o filme pode ser um chamado para uma religião, ou para repensar a vida;, opinou.

A economista Maria Cristina Oliveira, 53 anos, também segue os mandamentos espíritas e estava ansiosa para conhecer a mensagem do longa. ;Estou buscando entendimento. Existem fins mais nobres do que consumir, trabalhar, procriar;, enumerou. Na saída, com os olhos marejados, deu sua aprovação à versão cinematográfica da obra de Xavier. ;O filme é muito emocionante, os diálogos tocam sentimentos e valores. Os recortes da história são precisos e, no fim, nos fazem querer ser pessoas melhores;, definiu. A reflexão mais importante, sustentou, é a de que é possível superar os sentimentos negativos.

Espírita de carteirinha
Mas, além dos espíritas de carteirinha, muita gente com sensibilidade aguçada para assuntos mais subjetivos e menos terrenos decidiu matar a curiosidade. O casal de funcionários públicos Vanessa e Leandro Arndt, 35 e 26 anos, respectivamente, aguardava pacientemente na fila. O pedido para ir à sessão veio de Vanessa, que, mesmo sendo católica, leu o livro por indicação de uma tia. ;Antes, as pessoas não falavam de espiritismo. Hoje, muita gente já consegue reconhecer os valores dessa religião e deixar o preconceito de lado`, acredita ela.

O marido, luterano, não parecia se entusiasmar com o tema. Prova disso é que, meses atrás, negou-se a assistir a obra baseada na vida de Chico Xavier. ;Achei que seria proselitismo, uma propaganda da religião;, explicou. Na saída da sessão, o resultado era previsível: ;O filme é envolvente, bom entretenimento. Mas tem conteúdo religioso forte, e não é no que acredito;, sentenciou Leandro Arndt.

Assim como a versão cinematográfica da vida de Chico Xavier, a adaptação de Nosso lar também registra sucesso meteórico. Mas qual será o chamariz desses filmes que tratam de espiritualidade com foco em uma doutrina específica? ;As pessoas estão buscando algo para preencher o vazio, que pode ser o Deus da nossa concepção. A Igreja Católica sempre dominou o cinema e, atualmente, passa por uma crise de valores. Como o espiritismo não tinha espaço, não recebia investimento;, acredita o economista Francisco de Oliveira, 56 anos. ;Em meio a tanta violência e ao apelo sexual da mídia, as pessoas passam a ter necessidade de se espiritualizar. A ideia de reencarnação traz conforto;, defende o estudante Tiago Lyra. Seja pela mensagem subjetiva, pelos efeitos especiais, por curiosidade ou pelo amor à sétima arte, muitos brasileiros ainda devem confirmar o destino de sucesso desta produção nacional.


1 milhão de espectadores viram o filme nos cinco primeiros dias de exibição

445 salas de cinema do país exibem a obra

300 imagens passaram por tratamento digital


Colônia futurista

Nosso lar foi psicografado pelo mais famoso médium brasileiro, Chico Xavier, em 1944. O livro, que alcançou 60 edições e teve dois milhões de exemplares vendidos, foi transposto para o cinema pelas mãos do diretor Wagner de Assis, e conta com Renato Prieto, ator conhecido de montagens teatrais baseadas no espiritismo, no papel do médico André Luiz. Depois de passar 70 dias internado, ele morre, vitimado por uma grave doença. Como viveu uma vida desregrada, a história de seus excessos está entranhada no corpo espiritual e ele é encarado, no além, como um suicida. Recebe o mesmo destino reservado aos que morrem de forma semelhante: o umbral, uma espécie de purgatório, feito de planícies escuras e enfumaçadas, habitadas por monstros que o açoitam constantemente. Mas é salvo por espíritos que vivem em Nosso lar, cidade-colônia futurista, com camas flutuantes, ônibus semelhantes a naves espaciais e arquitetura niemeyeriana. O longa custou R$ 20 milhões, cifra até então inédita no cinema nacional, e apostou nos efeitos especiais. A empresa canadense Intelligent Creatures é a responsável pelos retoques digitais. O investimento surtiu efeito retumbante: Nosso lar já é considerado o filme com a segunda melhor estréia, desde a retomada do cinema nacional, que tem como marco o ano de 1995. A melhor bilheteria inicial é a biografia do próprio Chico Xavier. (MM)

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