postado em 14/09/2010 08:21
Talvez a palavra obsessão defina bem o cinema do português Pedro Costa. Uma mostra inédita no Brasil, que começa hoje e segue até o dia 26 no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), revela a obra de um diretor pouco conhecido por aqui, mas muito respeitado no exterior.
Costa começou fazendo produções no formato convencional, rodando com grandes equipes, mas passou a ressentir da intimidade que o aparato cinematográfico extrai. Uma simples câmera digital passou a ser tudode que o realizador precisava para produzir. "O cinema português tem muitas dificuldades de financiamento. Uma das alternativas dos diretores de lá é filmar em digital. Pedro Costa usa o formato com apuro estético raro. Os personagens são capazes de mudar o cenário em que estão inseridos", explica o curador da mostra, Daniel Ribeiro Duarte.
O trabalho meticuloso com não atores leva anos para ser concluÃdo. Na verdade, é um work in progress, mesmo que não seja o mesmo projeto. "Não foi um interesse sociológico. Eu não decidi: 'Agora vou fazer um filme sobre miseráveis, sobre drogados, os arredores de Lisboa ou sobre o Terceiro Mundo. Eu havia feito um filme que proporcionou outro. Na minha história tem sido assim", gosta de afirmar o cineasta português.
"Muitas vezes, no trabalho com não atores, os realizadores chegam ao lugar, filmam e as pessoas nem sequer veem o filme. A atuação de Costa é contÃnua. Desde 1997, ele trabalha com os mesmos personagens. Isso o coloca no patamar de cineastas como Yasujiro Ozu ou John Ford, pelo envolvimento com as pessoas e a continuidade do trabalho. É um envolvimento profundo. O que não é usado em um filme vai se abrindo em outros elementos do próximo. Ele participa da vida dessas pessoas, ajuda nas questões mais básicas. O envolvimento não se resume a cinema", define Ribeiro.
No cômodo
É assim com a atriz Vanda Duarte, com quem o realizador trabalhou em Ossos e que se transformou em protagonista de No quarto de Vanda, de 2000, todo filmado dentro de um cômodo enquanto o bairro Fontainhas, em Lisboa, era demolido. O mesmo bairro e a mesma atriz voltam a aparecer em Juventude em marcha, em que o cineasta trata de questões contemporâneas pela história pessoal do protagonista interpretado pelo imigrante cabo-verdiano Ventura. O filme participou do Festival de Cannes em 2006 e foi considerado o melhor da competição pelas revistas Cahiers du Cinema (França), Film Comment (EUA), Letras de Cine (Espanha) e Film Critica (Itália), mas não levou a Palma de Ouro.
Em O estado do mundo, o português dividiu os créditos do longa com diretores como Chantall Akerman e o tailandês Apichatpong Weerasethakul, no projeto sobre diferentes olhares sobre o mundo contemporâneo em que também contribui o brasileiro Vicente Ferraz. O diretor participa de um bate-papo hoje, às 19h.
Lente sobre lente - Comentários do diretor sobre seus filmes
O sangue (1989)
"Um filme de um tipo solitário, ensimesmado e que viveu em salas de cinema sozinho. Uma história à Truffaut. Um miúdo que se abandona ou é abandonado pela famÃlia e que passa a viver em salas de cinema a partir dos 8 anos e segue por aÃ, infância e adolescência afora."
No quarto de Vanda (2000)
"Durante as filmagens, Vanda não queria falar, ela se recusava a dizer os diálogos que eu tinha escrito. Ela não estava concentrada da maneira que é preciso estar em uma filmagem clássica. Não é esse tipo de concentração que eu quero hoje em uma filmagem."
Juventude em marcha (2006)
"A câmera teve que descer, descer e descer porque eu não poderia estar à altura dele. Eu precisava estar abaixo. Não foi instintivo, mas nas primeiras semanas de filmagens eu adotei essa altura, esse posicionamento, esse respeito, talvez %u2014 assim surgiu e assim ficou."
Para saber mais
Herdeiro do Novo Cinema, tradição cinematográfica portuguesa inspirada no cinema verdade, o cineasta Pedro Costa, 51 anos, é considerado o mais importante realizador em Portugal na atualidade. Iniciou a carreira nos anos 1980, abandonando o curso de história para estudar na Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa. A insatisfação com o excesso de aparatos cinematográficos o fez optar por um trabalho ligado ao cinema digital, com pouquÃssimos equipamentos. É conhecido por fazer filmes em processos longos. Costa já chegou a passar dois anos gravando um único filme. Alguns definem o cinema do português como um trabalho etnográfico ou docudrama, mas o realizador se desvencilha dessas rotulações.
O CINEMA DE PEDRO COSTA
De hoje a 26 de setembro, no Centro Cultural Banco do Brasil. Hoje, à s 17h, exibição do longa Juventude em marcha (não recomendado para menores de 14 anos); à s 19h, palestra com o cineasta Pedro Costa. Ingressos: R$ 4 e R$ 2 (meia), sessões em pelÃcula. Sessões digitais serão gratuitas. Consulte horários e classificação indicativa no roteiro do Divirta-se.