Diversão e Arte

Ilustrador do Le Monde tem mostra e participa de debate no UniCeub

Nahima Maciel
postado em 19/09/2010 02:43
Quando um ilustrador dinamarquês foi ameaçado de morte por publicar caricaturas de Maomé, em 2006, o francês Jean Plantureux decidiu que era hora de tomar uma atitude. Conhecido como Plantu, o caricaturista mais famoso da França, há 38 anos autor dos desenhos publicados diariamente na capa do jornal Le Monde, entendeu a ameaça ao colega escandinavo como um atentado à liberdade de expressão. Plantu criou então o movimento Cartooning for peace e, com ajuda do ex-secretário geral da ONU Kofi Anan reuniu em Nova York 12 dos mais importantes caricaturistas do mundo para defender o direito de desenhar sobre qualquer tema.

Liberdade, para o francês, é direito fundamental. E humor, ingrediente que funciona para a caricatura como o sal para a comida. É com essa receita que Plantu desembarca em Brasília para inaugurar exposições na Biblioteca Nacional, Biblioteca do UniCeuB e Aliança Francesa. Além de desenhos feitos de próprio punho, as mostras apresentam trabalhos de ilustradores do mundo inteiro que integram o movimento Cartooning for peace. Plantu faz ainda, na próxima quarta-feira, palestra intitulada A caricatura e a liberdade de imprensa, ao lado da editora-chefe do Correio Braziliense, Ana Dubeux, e do cartunista Kacio.

Plantu é o cartunista mais célebre da França. Começou a publicar no Le Monde em 1971 e ficou conhecido por ser implacável e sagaz. O lugar de destaque na capa do jornal transformou os desenhos em editoriais. Plantu confessa que utiliza a ilustração para canalizar sua raiva diante dos acontecimentos. Em vez de palavras, prefere o traço irônico. ;Isso me acalma;, explica. A ousadia tem alguns limites, mas Plantu evita a autocensura. Certa vez, publicou uma charge do então presidente Jacques Chirac fazendo sexo anal com a Marianne, símbolo da República Francesa. Outra vez, deixou seus editores tão assustados com a chuva de e-mails condenando uma caricatura sobre pedofilia que passou algumas semanas com a certeza de que seria censurado. Durante uma campanha presidencial, foi convidado por uma rede de televisão para realizar charges ao vivo. As críticas contidas nos trabalhos foram tão duras que nunca mais recebeu convite semelhante.

Entrevista - Plantu

O senhor pode escolher os seus temas? Quais são os temas de que mais gosta?
Há um ano voltei a ter o poder de escolher meus temas. Sou fascinado pela vida política, mas também pela vida da sociedade. Claro, sempre esperam de mim um desenho político, mas não tenho temas vetados. Eu curo com o desenho tudo o que me deixa zangado.

O que é a liberdade para um artista como o senhor?
Liberdade é o que encontrei em Bogotá. O jornal El Spectador tem um desenho por página e o desenhista não os entrega antes ao redator-chefe, os desenhos vão diretamente para a impressão. Nunca vi isso antes. Eu sou fiscalizado regularmente. E me incomoda. Mas ao mesmo tempo é uma questão de cultura. É praticamente um acidente que tenha um desenho na primeira página do Monde, porque é um jornal feito por intelectuais. Isso aconteceu porque, em 1985, um diretor me impôs à primeira página. Foi considerado um sacrilégio e, com o tempo, as pessoas acabaram aceitando essa coisa simpática na primeira página. Mas é um espírito que cola melhor na demanda dos leitores do que na vocação dos redatores-chefes. Eles me suportam.

A caricatura tem a obrigação de fazer o leitor rir?
Sim, mas também aceito a ideia de, no caso de um drama como o 11 setembro, fazer uma imagem que seja emotiva como a tragédia. Nesse caso faço um desenho sério. É como na vida: durante o dia podemos ter vontade de rir, chorar, ficar mais sério, ser mais educado. Às vezes faço desenhos muito educados e, às vezes, sou muito vulgar.

O senhor tem desenhos que considera impublicáveis?
Quando se falou de pedofilia na igreja eu havia feito um desenho de um padre que levava a criança pela mão e dizia: ;As vias do senhor são impenetráveis;. A criança respondia: ;É, só mesmo elas;. Esse desenho foi publicado e durante o dia o servidor do jornal explodiu de e-mails. Os redatores-chefes ficaram muito impressionados. Para mim, o desenho não era terrivelmente agressivo e contava, infelizmente, a verdade. Mas os chefes ficaram zangados. Eu duvido que possa publicar desenhos como esse várias vezes na semana.

Como abordar um tema sensível como a religião?
Quando houve a polêmica com os dinamarqueses e a tentativa de assassinato, nos demos conta de que devíamos continuar a defender os desenhistas e fazer com que os desenhos continuassem sendo incômodos, impertinentes e mesmo, às vezes, abaixo da cintura. Devemos continuar a fazer desenhos duros contra os intolerantes das três religiões e, ao mesmo tempo, mandar uma mensagem para os crentes explicando que não os desprezamos, que não queremos humilhar inutilmente seus dogmas. É preciso atacar os barbudos quando acontecem mutilações, casamentos forçados e quando aterrorizam as mulheres. Assim como é preciso continuar a atacar o Papa Bento 16 quando ele toma decisões quanto ao preservativo.

O que é um bom desenho?
Ah, dá para perceber na hora. Quando o leitor reage imediatamente, quando recebo e-mails, cartas. Um desenho que esquecemos no dia seguinte não é bom. Um bom desenho é aquele que suscita um debate. Tento levar meu trabalho como se fosse um jornalista. Sou um jornalista que força um pouco o traço. Os jornalistas são cobrados pela objetividade. Eu proponho uma verdadeira subjetividade.

O senhor enxerga o mundo em imagens?
Sim, e é muito cansativo. Sempre que falo com alguém fico imaginando o desenho que faria de seus traços, nariz, boca. Quando é uma mulher, não a vejo necessariamente vestida. É cansativo porque acabo não ouvindo nada do que a pessoa fala.

A angústia da página em branco é uma realidade para o senhor?
Sim, mas é uma angústia que evolui com o tempo. A angústia que tinha quando comecei não tem nada a ver com a que tenho hoje. Hoje minha angústia é quando penso que tenho 59 anos e que não quero entediar o leitor ou meu editor chefe. É meu fantasma. Hoje meu medo é decepcionar o leitor.

Que tipo de emoção o senhor gosta de captar?
Eu faço como se eu pudesse mudar as coisas com meu desenho. E se há uma revolta positiva suscitada por meus desenhos, o sentimento é de que cumpri meu contrato. É a vocação do desenho. Nesse mundo, especialmente na Europa, que está adormecida, sinto necessidade de fazer um desenho que acorde. Ou de mostrar desenhos de amigos meus que acordem. Por exemplo, tenho um amigo israelense que representou a Europa dormindo, de véu, porque ele acha que o Islam está completamente instalado na Europa. É assim que os israelenses nos enxergam.

O que é uma Europa adormecida?
Somos 27 países que não são mais ouvidos no planeta. Estamos construindo uma democracia em um continente que se destruiu durante muito tempo, mas essa democracia não tem voz. Escutamos Obama, a Al Quaeda, os chineses, Lula, Chávez. Eu gostaria de ouvir mais a Europa, porque ela tem coisas a dizer.

O senhor fala do Islam instalado na Europa. Mas a intolerância também está, não?
É a razão pela qual criamos Cartooning for peace. A partir do momento que há uma rachadura instalada entre o mundo Ocidental e o mundo muçulmano, nós, com nossas canetinhas, sejamos cristãos, agnósticos, judeus ou muçulmanos, tentamos construir pontes e fazer ligações entre o mundo Ocidental e o mundo muçulmano para evitar o desprezo que se instala entre os dois. O desenho pode ser uma ponte para estabelecer um diálogo entre essas duas culturas que não se conhecem o suficiente.

Ilustradores são, normalmente, de esquerda na França?
É o caso na França. E eu sinto muito. Acho que faltam desenhistas que tenham o topete de defender ideias de direita. Isso gera uma grande frustração porque, na França, as pessoas acabam votando na direita. Eu lamento que não haja desenhistas pró-Sarkhozy, eu não hesitaria em travar batalhas com ele. Temos um problema na França porque a imprensa é ligeiramente socializante e isso não reflete o que acontece no país. Eu queria uma imprensa que contasse um pouco melhor o nosso país. Faltam ilustradores que tenham o topete de estar à altura de suas opiniões. Gosto do combate das opiniões. E gosto de lutar contra a direita, mas gosto que eles saiam do bosque para lutar.

A Caricatura e a Liberdade de Imprensa
Palestra do cartunista Plantu e debate com Kácio, Ana Dubeux e Annie Gasnier. Quarta-feira, às 19h30, no Auditório 3 do UniCEUB (707/907 Norte, Câmpus do UniCEUB, Asa Norte)

Exposição itinerante de desenhos de Plantu
Abertura quarta-feira, às 19h, na Biblioteca do UniCeub. Visitação até 8 de outubro. Abertura 19 de outubro, no Espaço Cultural Ernesto Silva da Aliança Francesa de Brasília (SEPS EQ 708 907 ; Lote A). Visitação é até 6 de novembro. Outra abertura quinta-feira, às 19h, na Biblioteca Nacional de Brasília (Setor Cultural Sul, Lote 2, Edifício da Biblioteca Nacional). Visitação até 8 de outubro, diariamente, das 9h às 21h.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação