Diversão e Arte

Em entrevista, Aldir Blanc mostra que continua com a língua afiada

Irlam Rocha Lima, José Carlos Vieira
postado em 19/09/2010 02:41
Aldir Blanc: ;Caía a tarde feito um viaduto e um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos;. Quem não cantou O bêbado e a equilibrista nos anos 1980 deixou de viver um dos momentos mais efervescentes da cultura brasileira. Composto por Aldir Blanc e João Bosco, este hino contra a já raquítica ditadura, era celebrado em bares, universidades, passeatas de operários e rodas de música em todo o país. Hoje, aos 64 anos, Aldir anda acomodado, não bebe mais ; chegou a aposentar seu mordomo Jack (Daniel;s), mas continua com a língua afiada e direta, sem subterfúgios. Vejam o que ele disse ao Correio numa breve troca de e-mails:

Fazer letra de música, escrever crônica, exercer o ofício de psiquiatra: qual dessas atividades lhe dá mais prazer?
Fazer letra, sem dúvida. Tenho orgulho de acalentar uma fantasia: morrer feito o Noel Rosa, estendendo a mão para a última letra.

Que recordações você tem dos festivais de que participou entre o fim dos anos 1960 e o começo da década de 1970?
Poucas. A época era confusa e gerou um equívoco: o MAU, Movimento Artístico Universitário, que representou mal (sem trocadilho) os universitários da época.

A parceria com João Bosco, um marco na história da música popular brasileira, produziu alguns clássicos. Quais foram mais importantes para você? Por quê?
O Bêbado e a equilibrista, por ter virado espontaneamente o Hino da Anistia, e O mestre-sala dos mares, por fazer justiça a João Cândido, uma das maiores figuras de nossa história.

Qual é a sensação ao constatar que um canção pode servir a uma causa?
Na minha opinião, todas as canções servem a uma causa.

Quarenta anos depois de iniciada a parceria, com Agnus Dei, entre você e João está sendo celebrada com o projeto Dois pra lá, dois pra cá, que será apresentado no CCBB de Brasília. Essa homenagem representa o que para você?
O reconhecimento de que trabalhamos com afinco e seriedade, o que nem sempre ocorreu, tanto na época como ainda hoje.

O projeto Dois pra lá, dois pra cá ocorre quando vocês retomaram a parceria e reataram a amizade. Como foi a convivência pessoal e artística entre vocês?
Excelente, ou não teríamos podido fazer o que fizemos, fazemos, e faremos.

O distanciamento ocorrido foi por incompatibilidade de gênios?
A tal ;briga; entre nós é mito urbano. Estivemos cada vez mais distantes um do outro, o que pode acontecer em qualquer parceria, cada um foi tratar da própria vida.

A parceria com Guinga tem rendido também belas canções. Como é trabalhar com Guinga, igualmente originário do subúrbio carioca? É no subúrbio que o Rio é mais carioca?
Trabalhar com o Guinga não é fácil, por ser o único entre meus parceiros cujas letras sempre são colocadas sobre as notas, sílaba por sílaba.

A visão do Rio de Janeiro, a partir do subúrbio, está presente em letras de músicas e em crônicas. De que você sente saudades daquele Rio da sua juventude?
Moro na Muda, parte da hoje chamada grande Tijuca, mas minha alma é suburbana até o talo. Quem disser que não sente saudade está mentindo.

O que mais te enche o saco hoje?
É o conluio entre impunidade e poder, em todas as esferas da vida pública e notória.

Que tipo de interesse lhe desperta a Brasília criada pelos traços de Oscar Niemeyer e povoada por brasileiros de diferentes regiões?
O melhor do Brasil reside invariavelmente na mistura.

A bebida ainda é sua melhor namorada?
Não posso mais beber, mas sinto bastante falta do meu mordomo, Jack (o Daniel;s).

Você acredita em político?
À exceção do Chico Alencar, não.

O direito autoral no país é respeitado como deveria ser?
O direito autoral nunca foi respeitado. Hoje é lixo, pior que esmola, graças às visionárias ;janelas para o futuro;, incensadas por um ex-ministro da Cultura.

Você acha correto pessoas como Jaguar e Ziraldo receberem indenizações devido a perseguições políticas na época do Pasquim? Você não acha que eles lucraram muito no período da ditadura com a venda do jornal e com a editora Codecri?
Sou apenas um letrista. Não tenho competência para opinar sobre esse assunto. Um dos males brasileiros é achar que compositor deve falar sobre balística, cosmologia, cibernética... Para não ser acusado de fugir da resposta, como cidadão, tenho sérias dúvidas quanto a algumas indenizações e sobre o sistema de cotas nas universidades. Mas tenho uma certeza: crime de tortura não prescreve.

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