Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Mostra reforça o diálogo entre a fotografia e as artes plásticas

A fotografia está tão presente no cotidiano contemporâneo que é impossível evitá-la. O divertido e produtivo é se apropriar das imagens, destruí-las e reconstruí-las de maneira a compor novos significados. Paisagens revisitadas, em cartaz na Referência de Arte, é um mosaico de possibilidades conseguidas por meio de ressignificações para imagens mais do que instaladas no repertório visual de qualquer cidadão.

O curador Marcus Lontra reuniu trabalhos de Luiz Alphonsus, Marcelo Feijó, Almir Reis e João Bosco interessado em explorar como cada um manipula imagens produzidas com técnica fotográfica. ;É uma ideia muito simples de reforçar o diálogo da fotografia com as artes plásticas;, explica. ;Eu quis mostrar como cada um incorpora elementos fotográficos. Fotografia é uma realidade, sempre foi, e hoje ainda mais, especialmente no mercado. Galerias de foto são um fenômeno que vem acontecendo com frequência.;

Marcelo Feijó, professor da Universidade de Brasília (UnB), aproveita Paisagens revisitadas para mostrar as primeiras obras da série Sobre o mundo e suas imagens. O artista manipula fotografias realizadas em Paris, São Luís (Maranhão) e Lisboa. Faz montagens nas quais insere imagens famosas, citações nas quais recupera um imaginário sedimentado em quase dois séculos de história da fotografia. ;Quando vou fotografar sou influenciado por essas imagens que tenho na cabeça. Temos uma memória coletiva e não conseguimos mais ver as coisas pela primeira vez;, acredita Feijó. ;As imagens são parte de um projeto maior. É o resultado da minha vida de pesquisador da história da fotografia.;

Assim, uma paisagem urbana portuguesa ganha a inserção da foto Le violon d;Ingr;s, feita por Man Ray em 1924, e uma esquina de prédios desgastados em São Luís combina com a sobreposição da imagem do beijo de Robert Doisneau. Sobre todas as fotos, Feijó escreve palavras como amor, dor, solidão, morte, vida, sonho e realidade, uma lembrança de sentimentos opostos e complementares que podem confundir ou sugerir situações ao espectador. ;São palavras fundamentais que estão na vida de todo mundo, o tempo inteiro.;

No trabalho de Almir Reis, Brasília ganha destaque em fotografias da estátua da Justiça na Praça dos Três Poderes e da rampa lateral do Museu Nacional. ;É a valorização das cores e da iconografia de Brasília;, explica Marcus Lontra. De fato, o branco da cúpula do museu e o cinza da estátua ocupam tanto o olhar quanto os contornos e os ângulos focados pelo artista. No caso de Luiz Alphonsus, a série apresentada ; um jogo de céus, nuvens, luas e sóis ; foi garimpada no próprio arquivo fotográfico do artista.

Diálogos
A relação entre o espaço cósmico e urbano é preocupação constante na hora de organizar os diálogos entre as imagens. ;O cosmos vem da minha relação com Brasília;, explica Alphonsus, que morou na capital durante a adolescência e hoje vive no Rio de Janeiro. ;Esse céu gigantesco sempre marcou minha vida toda. E a questão do urbano também veio da ocupação do Planalto, de ver a cidade crescer.;

João Bosco, também do Rio, é o único que não encara o próprio trabalho como fotográfico, embora o resultado final seja uma impressão digital sobre tela após longas manipulações no Fotoshop. O primeiro passo no trabalho de Bosco é capturar imagens de objetos nos quais enxerga alguma potencialidade narrativa para construir paisagens um tanto surrealistas. Capturar pode ser fotografar ou simplesmente escanear brochuras ou desenhos. ;Trabalho com a ideia de construir paisagens futurísticas. Não sou fotógrafo. O trabalho parece pintura, foto, desenho. Não é nada disso e é tudo isso;, garante.

Intitulada Apocalipse, a série apresentada na Referência traz pequenos esqueletos de animais que interagem com uma suposta espaçonave construída com escorredores de macarrão. É a versão de Bosco para um mundo de seres sem carne. ;É um reflexo sobre o fim de um tempo e o princípio de outro. A ideia dos animais descarnados e vivos é a ideia de um mundo mutante. A partir desse pensamento vou construindo imagens de um mundo que está mudando.; Antes de Apocalipse, o artista construiu toda uma narrativa para a ideia com séries intituladas O início, Os deuses e A culpa.

PAISAGENS REVISITADAS
Exposição de Luiz Alphonsus, Marcelo Feijó, Almir Reis e João Bosco. Visitação até 9 de outubro, de segunda a sábado, das 10h às 22h, na Referência Galeria de Arte (Shopping Casa Park)