Diversão e Arte

Para francês, se mede a democracia pela liberdade dada aos cartunistas

Nahima Maciel
postado em 24/09/2010 08:00
Jean Plantureux pensa imagem. Antes de chegar às palavras, imagina um desenho. Tem sempre à mão papel e canetas coloridas para traçar as linhas que ajudam na construção do pensamento. Em visita à redação do Correio Braziliense ontem, o ilustrador francês produziu alguns dos desenhos reproduzidos aqui para explicar a rotina de caricaturista. Durante palestra realizada na quarta-feira no UniCeub, desenhou uma enorme cabeça aberta ao meio e cheia de ;células; para explicar a um auditório lotado que, antes de aprender a reconhecer a linguagem escrita, o cérebro humano identifica as imagens.

Plantu é ilustrador do jornal francês Le Monde há 38 anos. Publica na capa do jornal, um privilégio conquistado nos anos 1980 graças a um editor que enxergou no humor do artista um potencial arrebatador. Plantu virou então uma espécie de instituição nacional da França. É implacável, não se deixa censurar por temas difíceis e critica o ;politicamente correto;, tendência que anda a podar a imaginação de muitos desenhistas. Parte das quase quatro décadas de trabalho estará em exposição a partir de hoje na Biblioteca Nacional.

Plantu em ação no Correio: imagens em vez de palavras

O ilustrador é o implicante número um quando se trata do presidente Nicolas Sarkozy. O alvo predileto do humorista pode adquirir diversas feições. No computador, Plantu carrega uma coleção delas: Sarkozy de Smurf, de Zorro, de Napoleão, de Louis 16, de Edith Piaf. ;Todo mundo pensa que faço caricaturas e eu sempre digo que não, que faço retratos mesmo;, ironiza. Seja lá que personalidade assumir, o presidente sempre vem acompanhado de moscas a sobrevoar a cabeça. Sinal de que alguma sujeira paira por ali, na insinuação de Plantu. ;Uma vez ele ligou e me pediu para tirar as moscas.; O inseto, claro, continuou a acompanhar a figura do presidente.

Plantu sente-se livre para criticar porque diz ter o apoio de um editor que o protege. É, ele explica, uma das maneiras de preservar a liberdade de expressão, uma causa abraçada desde 2006, quando cartunistas dinamarqueses foram ameaçados de morte após publicar desenhos de Maomé. Com apoio do então secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Kofi Anan, o francês reuniu cartunistas do mundo inteiro em Nova York para fundar a Cartooning for peace, instituição comprometida em lutar pela liberdade de expressão. ;Nosso trabalho é contornar a intolerância;, defende. ;Estamos aqui para incomodar, mas não para humilhar os crentes.;

Representar Maomé em desenhos é considerado desrespeitoso pelos muçulmanos, mas Plantu brinca até com isso. Com a frase ;eu não devo desenhar Maomé; escrita centenas de vezes ele realizou uma caricatura do profeta islâmico. A intolerância religiosa é uma das maiores batalhas do artista, que também não poupa a Igreja Católica. ;Na mesma semana posso ser acusado de anticristão e anti-islâmico;, diz.

Liberdade

Em visita ao Correio, Plantu contou como se comporta com assuntos polêmicos como a religião e a política. Quis saber quais temas os caricaturistas brasileiros evitam e apresentou um mapa dos tabus no mundo. ;É possível sentir o grau de democracia de um país com o lápis. Isso mostra a liberdade de expressão em um país;, acredita.

No Le Monde, o ilustrador tem liberdade para escolher os temas e até para produzir desenhos que divergem da linha editorial do jornal. Evita a intimidade das pessoas públicas, embora não resista a certas brincadeiras, como transformar Carla Bruni em cigana durante as filmagens de Meia-noite em Paris, novo longa de Woody Allen. Sarkozy quis expulsar os ciganos da França e recebeu duras críticas ao ofertar dinheiro para mandá-los de volta ao Leste da Europa. Woody Allen viu o desenho e convidou o artista para acompanhar as filmagens.

Mesmo assim, Plantu enfrenta o medo da página em branco. ;Todo dia é como se eu estivesse diante de um precipício e o editor-chefe me empurrasse de lá.;

Plantu
Ilustrações do desenhista francês Plantu na Biblioteca Nacional de Brasília. Visitação até 8 de outubro, de segunda a sexta, das 9h às 20h45. Sábados e domingos, das 9h às 17h45.

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