Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Elza Soares e Moacyr Luz levantaram o público em show no CCBB

Elza Soares chegou a um estágio na carreira que, mesmo quando comete equívocos, como esquecer letra de música e errar o nome de parceiro em cena, tem a compreensão do público. Ela compensa esses "vacilos" com performance arrebatadora, na qual a grande intérprete, com ares de diva, se sobrepõe a tudo, valendo-se de sua impressionante capacidade de usar a voz privilegiada para encantar a quem a ouve. No show de sábado, no Centro Cultural Banco do Brasil, ao participar do projeto Dois pra lá, dois pra cá, que celebrou os 40 anos da parceria entre João Bosco e Aldir Blanc, Elza precisou de "cola" para cantar músicas da dupla e mesmo assim ainda pulou versos de um ou outro. Fez mais: ao anunciar o cantor que dividia o palco com ela, chamou Moacyr Luz de Luís Luz. E não corrigiu o erro, certamente por não percebê-lo. Moacyr, que, antes, havia se derramado em elogios à colega de ofício, levou a falha cometida por ela na esportiva, sem deixar transparecer qualquer tipo de constrangimento. O público percebeu, mas, respeitosamente, também não se manifestou. "Elza, aos 76 anos, é uma lição de vida. Mesmo com dores no tornozelo - esquerdo %u2014 não se deixa abater, e nos emociona com esse vozeirão, e ainda esbanja sensualidade. Os pequenos lapsos que comete são perdoáveis", desculpa a servidora pública Maria Aparecida Campos. A série Dois pra lá, dois pra cá, aberta por João Bosco nos dias 11 e 12, prosseguiu de 17 a 19, com Leila Pinheiro e Pedro Mariano, e chegou ao fim com o show de Moacyr Luz e Elza Soares, de sexta-feira a ontem. Em todas as apresentações, o teatro do CCBB teve lotação esgotada com antecedência e recebeu plateias que se emocionaram com a releitura da obra desses dois importantes compositores da MPB. Até quem, por meio do projeto, teve o primeiro contato com os frutos da parceria, voltou para casa entusiasmado. Para brilharem no espetáculo, Elza e Moacyr tiveram o suporte do quinteto formado por Itamar Assiére (piano, teclado e direção musical e arranjos), Zé Carlos (guitarra, violão e cavaquinho), Ivan Machado (contrabaixo), Jorge Gomes (bateria e percussão) e Ricardo Pontes (sopros), músicos experientes e talentosos. Todos, totalmente integrados à proposta de Solange Kafuri, idealizadora do tributo e responsável pela direção artística, e que assina o roteiro com Marina Barreto. Jeito carioca Com seu jeito carioca de ser, Moacyr abriu o show em que teve uma participação maior. A ele coube interpretar alguns dos sambas mais representativos da dupla, logo após a exibição de vídeo no telão, em que Aldir e João contam como nasceu a parceria entre um fanático vascaíno (o letrista) e um moderado flamenguista (o melodista). De frente pro crime, cantado na abertura, contou com o coro tímido dos espectadores. Samba plataforma, que veio em seguida por Moacyr, traz claras referências ao período eleitoral vivido pelo Brasil no momento. Logo depois de Linha de passe, veio a pouco conhecida Bandalhismo, com letra que resvala no escatológico. As espirituosas A nível de (que trata de um troca-troca de casais) e Incompatibilidade de gênios levaram as pessoas ao riso. O cantor captou bem, igualmente, a mensagem dos autores em Siri recheado e o cacete e Pret-à-porter de tafetá, ao recriá-las. Os aplausos calorosos recebidos por Moacyr ao voltar para o camarim foram a resposta dos fãs de Aldir e João, por terem sido presenteados com a audição de sambas tão bem construídos. Amparada por um assistente, Elza surgiu no palco exuberante, num modelo dourado curtíssimo. Ao sentar-se, cruzou as pernas, deixando as coxas à mostra, causando um certo frisson. A versão da cantora para Coisa feita foi um dos melhores momentos do show. Usando toda sua capacidade de improvisar, brincando com skats jazzísticos, Elza passa a ter o público a sua mercê. Em Casa de maribondo, Kid cavaquinho e, principalmente, Ou bola ou búlica, atrapalhou-se com a letra. Mas, sem perder o rebolado, manteve os admiradores a seu lado numa boa. De volta à cena, Moacyr iniciou o duo com Elza em Mestre sala dos mares. Em outro vídeo exibido, Aldir e João revelaram as dificuldades que tiveram para liberar parente a censura da época - tempo da ditadura militar - esse belíssimo samba-enredo que enaltece João Cândido, cantado com a letra original em que em vez de "o navegante negro" é destacado "o almirante negro" - que se insurgiu contra a Marinha brasileira, nos primeiros governos da República. O encerramento do show foi com Nação, outra pérola de autoria dos homenageados, que surgem novamente no telão para explicar que O bêbado e a equilibrista não foi "pensada" como o "hino da anistia". Mas passou a ter essa conotação depois da gravação de Elis Regina. Aldir contou que nem sabia o nome do "irmão do Henfil, de quem era amigo. "Certa vez, assistindo a um show, que nem me lembro mais de quem era, alguém bateu em meu ombro e disse: 'Eu voltei para o Brasil por causa de sua música, seu f.d.p'". A história e o samba, obviamente, deixaram comovidos a todos, que em seguida fizeram coro com Moacyr e Elza.