Diversão e Arte

Elza Soares e Moacyr Luz levantaram o público em show no CCBB

Irlam Rocha Lima
postado em 27/09/2010 09:36
Elza Soares chegou a um estágio na carreira que, mesmo quando comete equívocos, como esquecer letra de música e errar o nome de parceiro em cena, tem a compreensão do público. Ela compensa esses "vacilos" com performance arrebatadora, na qual a grande intérprete, com ares de diva, se sobrepõe a tudo, valendo-se de sua impressionante capacidade de usar a voz privilegiada para encantar a quem a ouve. Elza Soares e Moacyr Luz: plateia fez coro em alguns sambas interpretados pela dupla no CCBBNo show de sábado, no Centro Cultural Banco do Brasil, ao participar do projeto Dois pra lá, dois pra cá, que celebrou os 40 anos da parceria entre João Bosco e Aldir Blanc, Elza precisou de "cola" para cantar músicas da dupla e mesmo assim ainda pulou versos de um ou outro. Fez mais: ao anunciar o cantor que dividia o palco com ela, chamou Moacyr Luz de Luís Luz. E não corrigiu o erro, certamente por não percebê-lo. Moacyr, que, antes, havia se derramado em elogios à colega de ofício, levou a falha cometida por ela na esportiva, sem deixar transparecer qualquer tipo de constrangimento. O público percebeu, mas, respeitosamente, também não se manifestou. "Elza, aos 76 anos, é uma lição de vida. Mesmo com dores no tornozelo - esquerdo %u2014 não se deixa abater, e nos emociona com esse vozeirão, e ainda esbanja sensualidade. Os pequenos lapsos que comete são perdoáveis", desculpa a servidora pública Maria Aparecida Campos. A série Dois pra lá, dois pra cá, aberta por João Bosco nos dias 11 e 12, prosseguiu de 17 a 19, com Leila Pinheiro e Pedro Mariano, e chegou ao fim com o show de Moacyr Luz e Elza Soares, de sexta-feira a ontem. Em todas as apresentações, o teatro do CCBB teve lotação esgotada com antecedência e recebeu plateias que se emocionaram com a releitura da obra desses dois importantes compositores da MPB. Até quem, por meio do projeto, teve o primeiro contato com os frutos da parceria, voltou para casa entusiasmado. Para brilharem no espetáculo, Elza e Moacyr tiveram o suporte do quinteto formado por Itamar Assiére (piano, teclado e direção musical e arranjos), Zé Carlos (guitarra, violão e cavaquinho), Ivan Machado (contrabaixo), Jorge Gomes (bateria e percussão) e Ricardo Pontes (sopros), músicos experientes e talentosos. Todos, totalmente integrados à proposta de Solange Kafuri, idealizadora do tributo e responsável pela direção artística, e que assina o roteiro com Marina Barreto. Jeito carioca Com seu jeito carioca de ser, Moacyr abriu o show em que teve uma participação maior. A ele coube interpretar alguns dos sambas mais representativos da dupla, logo após a exibição de vídeo no telão, em que Aldir e João contam como nasceu a parceria entre um fanático vascaíno (o letrista) e um moderado flamenguista (o melodista). De frente pro crime, cantado na abertura, contou com o coro tímido dos espectadores. Samba plataforma, que veio em seguida por Moacyr, traz claras referências ao período eleitoral vivido pelo Brasil no momento. Logo depois de Linha de passe, veio a pouco conhecida Bandalhismo, com letra que resvala no escatológico. As espirituosas A nível de (que trata de um troca-troca de casais) e Incompatibilidade de gênios levaram as pessoas ao riso. O cantor captou bem, igualmente, a mensagem dos autores em Siri recheado e o cacete e Pret-à-porter de tafetá, ao recriá-las. Os aplausos calorosos recebidos por Moacyr ao voltar para o camarim foram a resposta dos fãs de Aldir e João, por terem sido presenteados com a audição de sambas tão bem construídos. Amparada por um assistente, Elza surgiu no palco exuberante, num modelo dourado curtíssimo. Ao sentar-se, cruzou as pernas, deixando as coxas à mostra, causando um certo frisson. A versão da cantora para Coisa feita foi um dos melhores momentos do show. Usando toda sua capacidade de improvisar, brincando com skats jazzísticos, Elza passa a ter o público a sua mercê. Em Casa de maribondo, Kid cavaquinho e, principalmente, Ou bola ou búlica, atrapalhou-se com a letra. Mas, sem perder o rebolado, manteve os admiradores a seu lado numa boa. De volta à cena, Moacyr iniciou o duo com Elza em Mestre sala dos mares. Em outro vídeo exibido, Aldir e João revelaram as dificuldades que tiveram para liberar parente a censura da época - tempo da ditadura militar - esse belíssimo samba-enredo que enaltece João Cândido, cantado com a letra original em que em vez de "o navegante negro" é destacado "o almirante negro" - que se insurgiu contra a Marinha brasileira, nos primeiros governos da República. O encerramento do show foi com Nação, outra pérola de autoria dos homenageados, que surgem novamente no telão para explicar que O bêbado e a equilibrista não foi "pensada" como o "hino da anistia". Mas passou a ter essa conotação depois da gravação de Elis Regina. Aldir contou que nem sabia o nome do "irmão do Henfil, de quem era amigo. "Certa vez, assistindo a um show, que nem me lembro mais de quem era, alguém bateu em meu ombro e disse: 'Eu voltei para o Brasil por causa de sua música, seu f.d.p'". A história e o samba, obviamente, deixaram comovidos a todos, que em seguida fizeram coro com Moacyr e Elza.

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