postado em 28/09/2010 08:00
Uma das gerações de poetas mais consagradas da capital, unida há mais de 10 anos, resolveu trabalhar em conjunto mais uma vez e lançar um pacote de sete livros batizado de coleção OiPoema, distribuída pela editora Sinhá Produções. O Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul), selecionado para o cortejo de chegada desse trabalho, não foi escolhido à toa. Nicolas Behr, Angélica Torres Lima, Cristiane Sobral, Bic Prado, Amneres, Resa e, o organizador e coordenador do projeto, Luis Turiba, explicam que o descaso das autoridades com o local, que possui extrema importância para todos os artistas que vivenciaram a Brasília das décadas de 1960 a 1980, foi crucial no momento de decidir onde a festa, que acontece hoje, às 18h, seria realizada.A carioca Cristiane Sobral, 36 anos, reside na capital desde 1990. Como escritora, possui poemas e contos publicados na Antologia Cadernos Negros, edições 23, 24, e 25. Ela contempla a coletânea com Não vou mais lavar os pratos, sua primeira publicação, que visa causar uma reflexão nos leitores a respeito da posição das mulheres na sociedade contemporânea.
Com cinco publicações, entre elas Sindicato de Estudantes (1986), pelo qual recebeu o prêmio Mário Quintana de Poesia, do Sindicato dos Escritores de Brasília, a goiana de Ipameri, Angélica Torres Lima, de 58 anos, concretiza a sexta obra, Luzidianas, com a coleção que será lançada hoje. No trabalho, a poetisa traz, através de verso e prosa, emoções vividas com entardeceres, arco-íris, chuvas, cinzas e outras expressões naturais.
Emoções
Também fazendo parte deste coletivo de poetas, a brasiliense Bic Prado e a paraibana Amneres Santiago contemplam a compilação com Poemas de um livro verde e Diário da poesia em combustão, respectivamente. Bic, batizada Fabiane Prado Silveira, revela que o nome artístico é a soma de um apelido com uma homenagem ao avô, Onofre, e que o livro, sua estreia literária, engloba as temáticas ambientais. Já Amneres, autora com mais de sete publicações, apresenta o produto de um blog () em que, como em um diário íntimo, relatou por seis meses emoções e lembranças.
Já a tríade masculina que encorpa o grupo é composta por nomes consagrados do cenário artístico. Nicolas Behr, matogrossense de 52 anos, já possui mais de 25 obras. A última, O bagaço da laranja, que será lançada hoje, segundo ele, trata da continuação de Laranja seleta (2007), editado pela Língua Geral. São poemas escritos entre 1977 e 2007, não incluídos na antologia anterior. Muitos são inétidos;, explica na apresentação do impresso.
;Militância ativa;
Coordenador-geral do projeto, Luis Turiba fez o primeiro de seis trabalhos, Koprocó, em 1977 no Rio de Janeiro. Pernambucano, criado na capital fluminense e enraizado em Brasília, tem ;militância ativa; na poesia há mais de 30 anos, como ele mesmo classifica. Meiaoito, que faz parte do pacote, foi selecionada pela Bolsa Funarte de Estímulo à Criação Literária, em 2007, e tenta, segundo o autor, enfatizar o poema homônimo (incluso na obra) que retrata a complicada situação do país no ano de 1968. ;Aquele foi um ano emblemático onde tudo aconteceu. Foi como uma pancada nas nossas cabeças;, conta.
Fugindo do padrão dos outros seis poetas que fazem parte da equipe, Luis Eduardo Resende, o Resa, não utiliza apenas palavras para se expressar. Por meio de fotografias, o artista gráfico, ilustrador, pintor e escultor traz em Miserere Nobis imagens das peças que fizeram parte de exposição com mesmo nome que visa, através de colagens e montagens, homenagear as raízes construtivas e surrealistas com um trabalho sobre o branco. ;Mesmo trabalhando sobre a cor branca, preferi utilizar nas páginas, ao redor das imagens, uma cor mais sépia, que retrata melhor a ideia de antiguidade que queria passar;, relata.
Individualmente cada obra custa R$ 20. Porém, comprando o pacote com todas as publicações, o preço unitário cai pela metade, e o conjunto pode ser adquirido por R$ 70.
LANÇAMENTO
Hoje, às 19h30, no Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul; 3443-1559), lançamento da coleção OiPoema com livros de poesias de Nicolas Behr, Angélica Torres Lima, Cristiane Sobral, Bic Prado, Amneres, Resa e Luis Turiba. Entrada franca.
Trechos
Diário da poesia em combustão.
De Amneres. Página 28
XVII
Olhar
Do alto do azul, uma onça parda arreganha os dentes , em seguida ri e se dissolve, fantasma de vento e nada, e se transforma em anjo, gente, fada e outra vez em nuvem a distrair da morte o coração da gente.
Luzidianas.
De Angélica Torres Lima. Página 119.
Paisagem aos filhos
Um oásis à nossa morada
Uma fada de mel em nossa estrada
E luzaaurora pelo céu de toda hora
Sobre nosso chapéu
Uma ciranda, guirlanda de hortênsias,
Uma aliança: arco-íris imenso,
O pote translúcido de sonhos
: a nossa ponte
E o remanso: nosso tempo uno
A fonte cristalina
A água doce e tépida,
Que irmanam
Poemas de um livro verde
. De Bic Prado. Página 26.
Abelha
Por falta de flor doce e cheirosa
Abelha lambe refri no lixinho da escola
O veneno é do tamanho
Que açúcar branco nem se conta
ZZZZZZZZZZZumbe a abelhinha
Ela quer da flor pra cheirar sabores
Fazer mel no pousar das cores
No cruzar das plantas
Ela quer o que é dela
De direito natural
Planta árvore de Pequi
Abelhinha vai gostar
E se lá tiver rainha
Vai dar mel no Piquiá
Não vou mais lavar pratos
. De Cristiane Sobral. Página 68.
Medida
Sonhos não são suscetíveis a metros quadrados
Em escala nenhuma.
Sonhos a gente respira
Vira e entorta
Por detrás da porta
Sonho a gente não aborta
Meiaoito
. De Luís Turiba. Página 15.
Bomba
Coração, órgão bomba
Bicho-doido solto sombra
Involuntário da pátria
Que horas são coração?
Coração mais sem graça
Faz veneno sangue bom
Vai bombando toda ação
Nem avisa as ameaças
Vem coração sem trapaça
Vem dar tua artéria à tapa
O bagaço da laranja
. De Nicolas Behr. Página 52.
E agora, Brasília?
Sem batedores
Sem pistas interditadas
Sem cirenes, sem circo
Sem estacionamentos privativos
Sem carros oficiais
Complacas de bronze
Sem títulos a ostentar
Sem cargos a oferecer
Sem planos plurianuais
Todos os meses
Sem primeiro-secretário-vice-
Presidente-geral-adjunto-do-tribunal-
de-faz-de-contas-da-união
sem brasília
brasília, e agora?