Diversão e Arte

Ziraldo fala sobre o Pasquim e da literatura infantil, sua maior paixão

José Carlos Vieira, Severino Francisco
postado em 03/10/2010 06:36


No auge dos seus 78 anos. Isso mesmo! No auge dos seus 78 anos, Ziraldo Alves Pinto não para de fazer ;coisas;, termo usado em cada frase por todo bom mineiro. ;Voltei a pintar!”, diz entusiasmado ao telefone para a reportagem do Correio. Sem se preocupar muito com as críticas por ter recebido indenização como perseguido político, adianta que quem entrou com o processo foi o Sindicato dos Jornalistas do Rio e não ele. Nesta conversa, fala sobre os bons tempos do Pasquim e de sua maior paixão: a literatura infantil. Mas não deixa de soltar seus petardos quando o assunto é internet. Acha a rede uma dávida, mas ressalta que ela está repleta de idiotas. ;Tem muito idiota no mundo.;

Até o nome dele é inventado

Cartunista, chargista, cronista, pintor, dramaturgo, jornalista; Quantos Ziraldos cabem num Ziraldo?
O negócio é o seguinte: acho que sei escrever e desenhar. Sempre fui um narrador, mesmo pintando, sempre que desenhava era para contar uma história, tinha também uma veia humorística. Tudo que eu faço é a mesma coisa, só que, para usar uma palavra da moda, os ;suportes; agora são outros. Não faço nada fora da minha coerência artística, você pode aplicar esse fato de escrever e desenhar no teatro, na pintura; parece até que sou uma porção de coisas, mas eu sou só isso: um cara que desenha e escreve com humor (risos).

Qual é a primeira lembrança que vem à sua cabeça daquele jovem, filho da dona Zizinha e do seu Geraldo (por isso, Ziraldo) quando chegou ao Rio de Janeiro em 1949?
Eu peguei o táxi e disse para o motorista: Rua Joaquim Silva, 57, apartamento 502. Ele falou: ;Até o apartamento o carro não sobe não, meu filho; (risos). Pensei: ;Putz! cheguei a uma terra de gozadores; (risos). No Rio, tive o prazer de conhecer grandes pessoas, como Millôr Fernandes, Enrico Bianco (que pintou os painéis Guerra e Paz, com Portinari), Constantino Paleólogo, que era diretor da revista Cigarra. Depois conheci o Fortuna e o Jaguar. Amigos de sempre.

E o pequeno rebelde O Pasquim? Como foi fazer parte desse jornal que empurrou o humor goela abaixo no jornalismo brasileiro?
Dez anos depois de chegar ao Rio, consegui fazer minha revista. A primeira revista brasileira só de quadrinhos e colorida, de um autor só, a Pererê ; competiu com Tio Patinhas, Mickey; E vendia bem, 150 mil exemplares na época. Mas, em 1964, veio o golpe militar e O Cruzeiro decidiu parar de publicar, porque eles disseram que tinham medo de o Brasil virar uma república sindicalista e nacionalizar as histórias em quadrinhos. Então, eu acho que o primeiro grande prejuízo que a ditadura me deu, mesmo que indiretamente, foi o fechamento da Pererê. Se eu tivesse a Pererê até hoje, eu teria um império igual ao do Mauricio (de Sousa) (risos). Quando eu fui para o Pasquim, já éramos (eu, Jaguar, Paulo Francis;) bastante conhecidos.

E o jornal O Pasquim?
O Pasquim já era um escrete, depois veio o Ivan Lessa, o Henfil arrebentou. O Fradim virou o maior sucesso do Pasquim. Eu pude atravessar a ditadura toda no Pasquim ; em vez de ficar em casa chorando as mágoas, usamos as páginas do jornal para enfrentar a ditadura. Simultaneamente ao Pasquim, que não rendia dinheiro pra gente, fui um dos primeiros profissionais brasileiros a assinar peças publicitárias. Quando a ditadura voltou para os quartéis e o Pasquim perdeu o vigor, nos anos 1980, fiz O Menino Maluquinho. O livro fez tanto sucesso que eu virei autor para criança e sobrevivo hoje como autor para criança. Mas continuo fazendo tudo (risos), até pintando. Estou pensando em levar minha exposição para Brasília.

As entrevistas do Pasquim ficaram famosas. Como era a definição dos nomes dos entrevistados?
Era uma farra. A gente dizia: o fulano de tal é bom, vamos ligar pra ele. Se o cara topasse, ótimo. A coisa mais emocionante dessa fase de entrevista ocorreu no período da anistia. Muitos que chegavam do exílio eram pauta certa para o Pasquim. Quando Gregório Bezerra chegou ao aeroporto, os amigos perguntaram: onde você quer ir? Quer subir no Pão de Açúcar para ver o Rio de Janeiro, para matar saudade do Brasil? Quer ir para o hotel? E Gregório disse: ;Quero ir para a redação do Pasquim;. Foi para a redação e deu uma entrevista extraordinária, apesar do cansaço. Entrevistamos todos os retornados, como o próprio Gabeira. A primeira entrevista nacional do Lula foi ao Pasquim.

O que o Pasquim deixou de bom para o jornalismo e o que você não repetiria hoje?
O Pasquim desengessou a imprensa brasileira. Jornal antes era ;hebdomadário;, caixão era ;féretro; (risos). Tudo era muito formal, as entrevistas eram muitas editadas. Foi a volta do humor para a imprensa. Muitos que estão aí, como o Angelli e o Laerte, que são crias do Pasquim. O pessoal do Casseta e Planeta também. Agora, eu não repetiria o descaso que tivemos com administração do jornal. A editora Codecri (do Pasquim) chegou a ter oito publicações da Codecri no ranking Veja dos 10 livros mais vendidos. Éramos uma desorganização total, não tínhamos recibos, balanços, ficamos com uma dívida astronômica com o fisco. Para se ter uma ideia, eu fiz 10 edições das Anedotas do Pasquim, que venderam dois milhões e meio de exemplares e nunca recebi um tostão de direito autoral e nunca soube o que o Pasquim fez com esse dinheiro ; deve ter sido para pagar a dívida do jornal. O Jaguar está até hoje pagando dívida do Pasquim.

O Tribunal de Contas da União quer rever o valor da indenização que você recebeu como vítima de perseguição da ditadura. O que você acha disso?
Já falei e vou repetir: nem eu nem o Jaguar entramos com qualquer documento pedindo indenização. Tem gente recebendo por mês, há pelo menos 20 anos, cinco ou seis vezes mais do que recebemos. O Sindicato dos Jornalistas entrou com o pedido para vinte e tantos profissionais que ele achou que merecem indenização. Nem eu nem Jaguar nunca mais voltamos ao sindicato para tratar disso e, 19 anos depois, a Comissão de Anistia decidiu em favor da indenização. Eu ganho de aposentadoria R$ 1,3 mil e o Jaguar nem aposentadoria tem. E o pior é que fica esse pessoal desmerecendo nossa indenização. Muitos não sabem quantas vezes e quanto tempo fomos presos, quantos jornais foram queimados nas bancas pelo país, quantas publicações minhas foram fechadas. Se a lei acha que merecemos reparação, não é problema nosso. Eles me pagam R$ 4 mil por mês, e devem R$ 1,2 milhão.

Se te convidassem de novo para a Flipinha (Feira do Livro Infantil de Paraty), você iria? Fale um pouco da sua reação ao ser convidado este ano.
Não foi em defesa da profissão minha, da Ana Maria Machado, da Adriana Falcão, da Mariana Massarani, do Bartolomeu Campos de Queirós; Nós somos um núcleo de pessoas da mais absoluta seriedade. A gente pode chamar o menino maluquinho de ;maluquinho;, pode usar a expressão ;inho; quando representa ternura. ;Inho; no Brasil está muito mais ligado à ternura do que ao tamanho. Mas quando você usa o ;inho; para reduzir, você tem que reagir. Flipinha, não! Por que a literatura que a Ana Maria faz é literaturazinha? Nós não estamos brincando, nenhum de nós é descuidado. A literatura infantil feita no Brasil é da melhor qualidade e prepara as futuras gerações para um Brasil melhor. Eu quero ser convidado é para a Flip. Ligue para a escritora britânica J. K. Rowling (autora de Harry Potter) e convide ela para a Flipinha; para ela sentar num círculo com almofadas e fazer oficinas. Quem faz oficinas com crianças não é o escritor, é o professor, o orientador, o dinamizador. A gente escreve. Não faço palestra para criança, faço para professores, escritores, gente que está discutindo a questão literária.

O que você acha de ruim e de bom na internet?
Ela é a porta da igreja, no mau sentido. Por que o cachorro entra na igreja? Porque a porta está aberta. Por que o idiota entra na internet? Porque ela abre a porta para todo mundo, e como tem muito idiota no mundo, ela está cheia. Mas é a maior dádiva que foi dada ao ser humano, mais que a gráfica de Gutemberg. Não há informação que não esteja ao seu alcance numa velocidade impressionante. Só tem lado bom, o que atrapalha são os idiotas.

O que é preciso para estimular a leitura entre crianças e adolescentes?
Ler com eles. Discuta o livro que está lendo, leve-os para museus, livrarias, encha a casa de livros. Você não sabe que papo bom têm as crianças.

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