Ricardo Daehn
postado em 04/10/2010 08:00
Manipular os conceitos de presa e caçador, num jogo que expõe mazelas encobertas e desmascara governantes, parece uma obsessão para o diretor nova-iorquino Oliver Stone que, com 64 anos recém-completados, obteve um ótimo presente de aniversário, com a resposta ao novo longa-metragem Wall Street: o dinheiro nunca dorme. A fita trouxe o mais rentável lançamento, no primeiro fim de semana, para um filme com a grife Stone, obtendo US$ 19 milhões. Atualmente, já faturou US$ 36 milhões no mundo, sendo US$ 26 milhões só nos Estados Unidos.
Se há instituições americanas que oficializaram o fim da crise econômica dos EUA, Stone retrata, na sequência de Wall Street (1987), um panorama menos esperançoso para a vida do especulador Gordon Gekko (Michael Douglas). ;Já que lidei com uma trama na qual ninguém confia em ninguém, deveria ter transformado os banqueiros em zumbis e ter chamado o filme de O ;dia; dos mortos vivos, numa paródia ao clássico terror de George Romero. Questionar como manter princípios de seres humanos, num ambiente como o deles, foi uma meta. O longa mostra como o dinheiro contamina todos os nossos comportamentos;, apontou o realizador, na etapa de divulgação.
Alguns temas abordados por Stone são literalmente familiares a ele, uma vez que o pai, Lou, fracassou tentando enriquecer com a bolsa de valores. Com o orçamento de US$ 60 milhões, o filme passa longe de ressentimentos. ;Estou mais velho. Poderia ressaltar aspectos duros e frios, mas optei pela esperança e reconciliação. Talvez invista no piegas, mas se trata de uma história de amor. É um aspecto importante que amarra a nossa sociedade;, explicou à imprensa estrangeira. Seguidor do budismo, o diretor teceu um enredo dotado de ;pessoas que equilibram o apego ao poder e ao dinheiro com a necessidade de serem amadas;.
A relativização do caráter de personagens e personalidades, porém, passa longe da unanimidade. Nos bastidores da série Oliver;s Stone secret history of America, um projeto em andamento, a controvérsia da pretensão de ;ampliar o contexto que cerca Hitler e Stalin, radicalmente vilanizados, nos exames históricos; fez par com a afirmação de que ;Israel ferrou a diplomacia dos Estados Unidos, ao longo de anos;. Acusado de anti-semita, por especular ainda quanto à ;influência da mídia judaica; na disseminação de notícias, há dois meses, ele buscou a retratação, ao reconhecer as ;atrocidades; do Holocausto e a associação ;tosca; que fez ao minimizar o alcance dos estragos nazistas.
Admirador dos imigrantes que abraçam os Estados Unidos e crítico do achatamento dos países latino-americanos, recentemente, Oliver Stone teve a oportunidade de defender o venezuelano Hugo Chávez, ao examinar, favoravelmente, a renovação no ;jardim aos fundos dos EUA; (leia-se a América do Sul), no documentário Ao sul da fronteira. Ao lançar a fita no Brasil, há quatro meses, além de se encontrar com Dilma Rousseff, o diretor elogiou o país pelo apoio ao Irã e Turquia nas ações de enriquecimento de urânio. O público da capital, sete anos antes, já havia prestigiado outro namoro político do cineasta, pelo clima de intimidade junto ao líder cubano Fidel Castro, revelado no documentário Comandante, o filme mais visto no 5; Festival Internacional de Cinema de Brasília (FicBrasília).
Injetar ; a cada produção, como JFK ; A pergunta que não quer calar, Nixon e W. (que deita e rola em cima das jequices do ex-presidente George W. Bush) ; um complexo de culpa coletiva na superpotência americana, se torna uma constante, ao ser avaliada a filmografia do ex-infante que, por duas vezes, foi ferido na Guerra do Vietnã, na qual serviu na fronteira do Camboja. Condecorado com a Estrela de Bronze, Oliver Stone, porém, não se rendeu aos agrados ufanistas.
Justiceiro implacável
Exaltando a disposição de registrar ;a verdade; em torno de um leque de temas caros aos americanos, depois da empreitada de, ainda jovem, ministrar aulas para chineses e vietnamitas, ele se formou pela Escola de Cinema de Nova York (em 1971). Oliver Stone considerou, com ênfase, o cinema de Jean-Luc Godard, Luis Buñuel, Martin Scorsese e Francis Ford Coppola. Depois de assinar roteiros como os de O expresso da meia-noite e Scarface, o realizador adotou uma marca de direção persuasiva, respaldada por hábeis montagens e imagens impactantes.
;Historiador pós-moderno;, segundo a narrativa de A história nos filmes ; Os filmes na história, encampando uma ;cinematografia do excesso;, Stone assinalou feitos como o de dobrar o Congresso, na exposição de arquivos secretos americanos, a partir das reviravoltas de JFK (1991). Em mais de três horas, no filme, o espectador é induzido a legitimar teorias conspiratórias para o assassinato do presidente John F. Kennedy.