postado em 05/10/2010 07:53
É difícil para Clara Luz, 85 anos, ficar parada por pelo menos um minuto. Outra das características dessa mineira de Bambuí é não ter papas na língua. ;Escreva aí: Clara Luz quer que o governo construa um teatro gratuito para as companhias de teatro. Isso é arte. É isso que vai fazer o Brasil se desenvolver. Mas, infelizmente, esse é um país de debiloides;, protesta a atriz da companhia teatral Viva a Vida na sua maneira peculiar de dar entrevistas. Foi ela quem participou de uma oficina de atores ministrada pelo diretor Túlio Guimarães e teve a ideia: ;Por que não montar um grupo de teatro formado exclusivamente por atores da melhor idade?; (Clara detesta o termo terceira idade).Isso foi há 10 anos. De hoje a quinta, o grupo reinaugura o tablado do Teatro Dulcina de Moraes, no Conic (que esteve em reforma), para temporada comemorativa. Serão apresentadas duas montagens. Durante a semana, haverá a estreia de Vira virou (com texto de Maurício Witczack) sobre uma trupe de teatro que, surpreendida pela morte de um integrante, decide adiar a estreia de uma peça. No fim de semana será reapresentado o texto A árvore da memória.
;A ideia era participar de um festival internacional em Portugal, e a Clara me propôs o desafio de montar uma peça;, relembra Guimarães. ;Pesquisei uma dramaturgia para atores da terceira idade que pudesse ser encenada por 20 pessoas e, obviamente, não encontrei. Eu não sou dramaturgo, mas escrevi o texto achando que seria só mais um trabalho passageiro. Me enganei;, descreve o diretor e agora autor de sete espetáculos exclusivos do grupo.
;Quando digo que desenvolvo um trabalho de teatro com idosos, muita gente pensa: ;Nossa, que fofinho! Os vovozinhos fazendo teatro;. Mas não é bem assim, não. Nós colocamos temas fortes nos espetáculos, como envelhecimento, Alzheimer, sexualidade. Não existe tema tabu;, defende o diretor. ;Acho que nem dá para continuar tratando-os como uma mera oficina de teatro. Já somos uma trupe. O teatro também tem ampliado o mercado de trabalho deles. Muitos são chamados para fazer cinema, televisão e publicidade por participarem do grupo;, constata Guimarães. Mesmo com tantas realizações, até agora o grupo não recebe qualquer apoio ou patrocínio do Estado. ;Se eles não ajudam nem o de jovens, imagina o da gente;, reclama Clara Luz. Para seguir mantendo o grupo, os participantes pagam uma mensalidade e algumas outras despesas, como a confecção de figurinos. ;Nós somos um grupo de amadores no sentido de quem ama muito alguma coisa;, reconhece Paiva Ferreira, português radicado no Brasil desde 1952.
Elogios
Os ;amadores, no sentido de quem ama muito alguma coisa; também são inquietos e devem dar um trabalho danado ao diretor Túlio Guimarães. Na enorme roda formada para a entrevista é difícil manter a turma toda atenta. Paiva Ferreira lembra vários diálogos da peça e faz questão de dizê-los em voz alta. Enquanto isso, os elogios ao galã do grupo, o ator Joaquim Vilela, 70 anos, não são economizados. Sem mais nem menos, o analista de sistemas, Antônio Rezende, 58, levanta-se da cadeira para recitar um poema composto na hora. E quem é o mais malandro da turma? O músico Roberto Calaça, 79, eleito por não esconder a gênesis carioca.
Em meio ao pequeno e divertido caos, a pernambucana Rilda Techmeier, 77, faz uma revelação marcante. ;Vocês não sabiam disso até agora. Mas, no dia em que nós encenamos o Trupe volta ao mundo (o único espetáculo musical do grupo), fui até o banheiro para chorar. Eu tinha muita vontade de voltar a fazer teatro de revista;, confessa a ex-vedete. ;Essa é a melhor terapia que eu conheço. Vivo muitas vidas em uma vida só;, resume Rilda, sobre a função terapêutica da arte que tanto pode servir para jovens ou gente nem tão jovem assim.