postado em 06/10/2010 08:00
A Espanha é uma nação composta por muitas outras nações. Além dos próprios nativos da Península Ibérica, lá vivem equatorianos, chilenos, argentinos, latinos de todas as procedências e ainda muitos africanos, egressos, principalmente, do Marrocos. São pessoas que aderiram às correntes migratórias e que trazem na bagagem tradições, culturas e diferenças cultivadas desde a infância. Em que se transforma uma sociedade que engloba tanta multiplicidade? É um pouquinho desse caldeirão cultural que a Mostra Cinema Transcultural: o cinema do encontro pretende revelar. De hoje a domingo, cinco documentários hispano-americanos serão exibidos gratuitamente, e o Instituto Cervantes, que realiza a mostra, programou para hoje, às 19h, um debate sobre as migrações e seus reflexos.Todos os filmes têm como o fio condutor essas diásporas, forçadas ou não, e as relações que se estabelecem no novo lugar de referência. ;Nos últimos anos, a Espanha recebeu quase cinco milhões de pessoas vindas de diferentes países. De uma forma geral, as produções que serão exibidas tratam de como elas se acostumam às mudanças culturais, como lidam com as problemáticas que surgem;, explica o diretor do Instituto Cervantes, Pedro Eusebio Cuesta.
Hoje à noite, a mostra será aberta com a produção Pobladores, filmada em 2006 pelo cineasta espanhol Manuel García Serrano. O enredo trata de duas colegas de escola que estudam em Madri e passam as férias de verão com as famílias, no Equador e no Marrocos. As histórias sobre conflitos culturais e diferenças que as adolescentes enfrentam se desenvolvem de maneira intercalada e trazem semelhanças: em comum, elas têm uma postura otimista diante das diferenças e enxergam na educação o caminho para uma vida melhor.
Amanhã será a vez do portenho Fernando Rubio. Sua obra, a co-produção argentino-espanhola Perdido en un amanhecer é uma reflexão sobre a passagem do tempo. Ele recorre a uma trama ficcional ; um jovem que recebe uma caixa de cartas contendo o sobrenome de sua família, com relatos de homens e mulheres de cruzaram o Atlântico em direção aos pampas argentinos ; para revisitar a saga de espanhóis que colonizaram o país sul-americano no século passado.
Dirigido pela jornalista, documentarista e estudiosa de migrações Estela Ilárraz Arregui, Próxima estación dá voz aos equatorianos que deixaram a pátria-mãe cheios de sonhos, para se livrar da inflação, da dolarização do mercado da interno, da sucessiva troca de presidentes, do descrédito das instituições nacionais, entre outros problemas. Um fenômeno registrado no filme é a tradição de as mulheres seguirem antes do marido e dos filhos para a Europa. Uma delas é a personagem Fernanda, que luta para reunir os três filhos no velho continente. O filme será exibido na sexta-feira.
Raízes
A primeira atração do fim de semana, Apaga y vámonos, dá outro enfoque ao tema. Dirigido por Manuel Mayol Rivera, o filme foi rodado no lugarejo chileno onde vive o povo mapuche-pehuenche, que resistiu à instalação da maior empresa do setor energético da Espanha, a Endesa, no local. ;O enfoque é a perda de raízes dessa comunidade;, afirmou o diretor do Instituto Cervantes.
Quem fecha a programação, no domingo, é a produção Flores de luna, de Juan Vicente Córdoba, que lança o foco nas migrações internas. Na década de 1950, espanhóis vindos de todos os pontos cardeais do país se estabeleceram no bairro de Pozo de Tio Raimundo, em Madri, erguendo casas humildes, feitas de lata e barro. A ação é centrada no padre Llanos, figura central na comunidade, por ter ajudado na adaptação de muitos desses ;desterrados; ao novo ambiente.
Hoje, a produção que abre a mostra será precedida por uma mesa-redonda sobre as ondas migratórias e os encontros culturais que elas propiciam. Representante do Instituto Migrações e Direitos Humanos, o professor William Andrade fará uma análise geral da questão. Ele estará na companhia do representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, Andres Ramirez, que tratará das questões ligadas a esse grupo específico. O conselheiro de Trabalho e Assuntos Sociais da Embaixada da Espanha no Brasil, Jesús Salas, abordará a postura espanhola, tanto da sociedade quanto do governo, diante da entrada de estrangeiros no país.
MOSTRA DE CINEMA TRANSCULTURAL: CINEMA DO ENCONTRO
De hoje a domingo, no Espaço Cultural Cervantes (SEPS 707/907, Cj. D). Informações: 3242-0603. Entrada franca
PARA SABER MAIS
Novas identidades
O teórico jamaicano Stuart Hall fez um profundo estudo sobre as migrações. Segundo ele, muitas potências europeias abandonaram as colônias à próprias sorte, após a Segunda Guerra Mundial, e isso gerou um movimento contrário no fluxo de pessoas. Movidos pela pobreza, seca, fome, escassez de empregos, guerras e conflitos políticos, muitos desses cidadãos de regiões consideradas periféricas decidiram buscar uma chance em países centrais, onde o consumo e a produção são prósperos. Para muitos, a terra das oportunidades está à distância de uma passagem aérea.
Essa mistura constante e diversificada de vivências, experiências e interpretações sobre a vida vem aproximando povos, e, consequentemente, remexendo os valores, tradições e as próprias identidades que essas populações construíram ao longo dos séculos. Com isso, formam-se novos discursos, novas formas de ver a vida e novas identidades possíveis. Essa pluralidade tem sido, cada vez mais, objeto de estudos de diversas áreas de conhecimento, entre elas, o cinema.