Diversão e Arte

Llhosa: De fã de Fidel Castro na juventude ao desencanto com a esquerda

postado em 08/10/2010 07:12

Resistência, revolta e derrota. As três características citadas pela Svenska Akademien (Academia Sueca) para contextualizar a obra de Mario Vargas Llosa extrapolam seus livros e se fundem ao próprio escritor peruano ganhador do Nobel de Literatura. O apego com a esquerda levou-o a estudar a fundo o marxismo na Universidad Nacional Mayor de San Marcos, em Lima, onde ingressou com apenas 17 anos para cursar letras e direito, contrariando a vontade do próprio pai. Era 1953 e Llosa experimentava uma fase de resistência ao capitalismo. Seis anos depois, o sucesso da Revolução Cubana o fez mergulhar no ideário comunista. Llosa respirava a busca pela partilha de riquezas e pelo bem comum, um sonho pertencente à geração da época.

O encanto se partiu em 20 de março de 1971, quando o poeta cubano Heberto Padilla foi preso ao declamar o poema Provocaciones, durante recital da União de Escritores de Havana. A detenção, ocorrida a mando do então presidente e comandante Fidel Castro, foi o ponto de ruptura de Llosa com a ideologia esquerdista e o faz migrar da resistência ao capitalismo à revolta contra o socialismo.

O Nobel de Literatura assumiu, então, a derrota do marxismo, passou a apoiar o livre mercado e expressou a crença na democracia, além da aversão a regimes autoritários. Entre eles, encaixavam-se o comunismo de Fidel e o populismo socialista do presidente da Venezuela, Hugo Chávez. Acusou o venezuelano de ter perdido o ;estado de graça do caudilho messiânico do qual gozou por anos;. Classificou-o de ;aprendiz de ditador;. As farpas também foram disparadas contra Fidel ; chamou seu ex-ídolo de ;pré-histórico; e escreveu-lhe exigindo a libertação dos presos políticos da ilha.

A guinada na ideologia política provocou assombro entre admiradores e em outros intelectuais. Llosa descobriu-se identificado mais com o liberalismo do que com a extrema-esquerda. A sede pelo confronto de ideias e pela justiça social incitou nele o desejo de exercer maior ativismo político. Em 1990, concorreu à Presidência do Peru, no momento em que seu país enfrentava uma inflação rampante e sangrava com a corrupção e a violência da guerrilha esquerdista Sendero Luminoso. Suas propostas de campanha incluíam corte orçamentário e políticas de livre mercado. A camada menos favorecida da população assustou-se e acabou por eleger o rival Alberto Fujimori.

A nova derrota, dessa vez nas urnas, não o impediu de manter-se fiel ao interesse público. No mês passado, revoltou-se contra o presidente conservador Alan García, após a assinatura de um polêmico decreto que poderia proteger militares acusados de violações aos direitos humanos. Ante a manifestação de Llosa, o chefe de Estado recuou e pediu ao Congresso a suspensão do decreto. Ontem, García celebrou o Nobel de Literatura para o peruano mais famoso da atualidade. ;É um ato de justiça, que esperávamos desde nossa juventude;, declarou.


FESTA EM FRANKFURT
A notícia de que Vargas Llosa ganhou o Prêmio Nobel de Literatura fez a agente e a editora do escritor comemorarem com champanhe no estande da editora Alfaguara, na Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. ;É uma alegria impressionante. Comecei a chorar e derreti que nem gelatina;, declarou Gloria Gutiérrez, representante da célebre agente literária espanhola Carmen Balcells, uma das figuras-chave por trás do boom da literatura latino-americana. ;Apesar de sempre achar que merecia o prêmio, já não esperava;, destacou Gloria. Todos no estande esperavam ansiosos para ligar para o escritor. ;Creio que Vargas Llosa escreveu livros que não são apenas patrimônio da língua espanhola e sim da literatura mundial;, afirmou a diretora da Alfaguara, a colombiana Pilar Reyes.

O escritor vale mais
Nahima Maciel
É recorrente a separação entre o homem literato e o homem político quando se trata de opinar sobre Mario Vargas Llosa. Para alguns estudiosos da literatura latino-americana, o Nobel de Literatura foi uma surpresa por premiar um autor de posturas políticas de direita. Para outros, o prêmio veio tarde e reforça a importância da literatura latino-americana no mundo.

O escritor Eric Nepomuceno, tradutor de autores como Gabriel García Márquez e Juan Rulfo, ficou surpreso de o Nobel não ter sido concedido a Philip Roth, norte-americano indicado ao prêmio segundo especulações, já que a lista de escolhidos é secreta. ;É sempre uma loteria. Achei que o Roth pudesse ganhar, embora apostasse mais no Carlos Fuentes. É um prêmio justo, que é sempre bom para a América Latina;, diz o autor, embora só aprecie as primeiras obras de Llosa. Nepomuceno relê com prazer A cidade e os cachorros (1963) e A casa verde (1966), mas não gosta das obras mais recentes. ;Ele vai perdendo o conteúdo literário, embora mantenha a forma de altíssimo nível.;

Para Nélida Piñon, a obra de Llosa é irretocável, assim como suas ideias políticas. ;É um escritor talhado para o prêmio;, garante. ;A restrição política é uma restrição inadequada, as pessoas têm que aprender a conviver com a diferença. Não se pode pautar a conduta dos outros pela sua. Mário nunca se deixou vender ao Estado. Foi muito bom que tivesse perdido a presidência, porque a literatura ganhou. Ele é uma consciência crítica que defende muitas questões que a esquerda não tem coragem de defender, como o homossexualismo e a discriminalização das drogas.; O escritor foi candidato à Presidência do Peru em 1990 pela Frente Democrática, partido de centro-direita que perdeu as eleições para Alberto Fujimori, cujo autoritarismo e corrupção marcaram a política peruana durante mais de uma década.

As ideias políticas de Vargas Llosa não seduzem o escritor Ronaldo Costa Fernandes, vencedor, este ano, do Prêmio ABL de Poesia, com A máquina das mãos. ;O romancista é genial e o prêmio veio com atraso. O Vargas Llosa político, eu não quero conhecer;, diz Fernandes, que leu toda a obra de ficção do peruano, mas evitou os ensaios. ;O prêmio não foi para esse Vargas Llosa (político). Esse é um prêmio para a geração de escritores do boom da América Latina, que representa a renovação da literatura latino-americana.;

Nos anos 1970, a literatura do continente viveu efervescência que levou o nome de escritores como Gabriel García Márquez, Júlio Cortázar, Carlos Fuentes e do próprio Vargas Llosa para o mundo. Esses autores investiam numa forma de escrita que ficou conhecida como realismo mágico, uma escrita que explorava, de forma irônica e crítica, o cotidiano dos países periféricos. Vargas Llosa, no entanto, pendia mais para o lado do realismo. ;Ele é filho de Flaubert, filho do realismo;, defende Nélida Piñon. ;Carlos Fuentes diz que todos bebemos muito em Faulkner. Ele (Vargas Llosa) faz a reafirmação de uma nova forma de ver e escrever;, diz Costa Fernandes.


Versões para o cinema
Yale Gontijo
Várias novelas do autor peruano Mario Vargas Llosa renderam adaptações para o cinema. Em parceria com Jose María Gutiérrez, o próprio escritor chegou a dirigir uma versão cinematográfica de Pantaleão e as visitadoras, mas o filme foi proibido de ser exibido em seu país. Somente em 2000 o conterrâneo Francisco Lombardi conseguiria êxito dirigindo uma nova versão da história do capitão Pantaleão Pantoja. A dobradinha Lombardi/ Llosa rendeu uma história recheada de críticas contra os poderosos por meio da história do oficial do exército que desafiou os comandantes locais ao demonstrar apoio a um grupo de prostitutas contratadas por ele para ;distrair; soldados em áreas isoladas da Amazônia.

Não era a primeira vez que Lombardi (o cineasta peruano mais conhecido fora do seu país) adaptava um texto do escritor para o cinema. Em 1985, ele já havia dirigido A cidade e os cachorros. Tia Júlia e o escrevinhador virou filme nos Estados Unidos, dirigido por Jon Amiel, em 1990. A história se passa em Nova Orleans, em 1950, quando um redator da rádio local se apaixona pela própria tia. O romance dos dois acaba inspirando um escritor de radionovelas. No elenco estão Keanu Reeves, Peter Falk e Barbara Hershey. Llosa também escreveu vários textos exclusivamente para o teatro. Entre eles, A menina de Tacna (1981), Kathie e o hipopótamo (1983), La Chunga (1986), El loco de los balcones (1993) e Olhos bonitos, quadros feios (1996).


A obra
Ficção
; El desafío (1957)

; Os chefes (1959)

; A cidade e os cachorros (1962)

; A casa verde (1966, prêmio Rómulo Gallegos)

; Los cachorros (1967)

; Conversa na catedral (1969)

; Pantaleão e as visitadoras (1973)

; Tia Julia e o escrevinhador (1977)

; A guerra do fim do mundo (1981)

; História de Mayta (1984)

; Quem matou Palomino Molero? (1986)

; O falador (1987)

; Elogio da madrastra (1988)

; Lituma nos Andes (1993, Prêmio Planeta)

; Os cadernos de dom Rigoberto (1997)

; A Festa do Bode (2000)

; O paraíso na outra esquina (2003)

; Travessuras da menina má (2006)

; El sueño del celta (será publicado em novembro)


Teatro
; A menina de Tacna (1981)

; Kathie e o hipopótamo (1983)

; La Chunga (1986)

; El loco de los balcones (1993)

; Olhos bonitos, quadros feios (1996)


Ensaios
; Contra viento y marea (em três volumes entre 1962 e 1990)

; García Márquez: história de um deicídio (1971)

; La orgía perpetua: Flaubert y Madame Bovary (1975)

; Entre Sartre y Camus (1981)

; La suntuosa abundancia (1984)

; A verdade das mentiras (1990)

; El pez en el agua (1993)

; Desafíos a la libertad (1994)

; La utopía arcaica (sobre José María Arguedas ; 1996)

; Cartas a um jovem escritor (1997)

; A linguagem da paixão (2001)

; Diario de Irak (2003)

; La tentación de lo imposible (ensaio sobre Os Miseráveis de Victor Hugo, 2004)

; El viaje a la ficción (sobre Juan Carlos Onetti, 2008)


Hall da fama
Lista dos últimos 15 vencedores do Nobel de Literatura

2010
Mario Vargas Llosa (Peru)

2009
Herta Mueller (Alemanha)

2008
Jean-Marie Gustave Le Clezio (França)

2007
Doris Lessing (Grã-Bretanha)

2006
Orhan Pamuk (Turquia)

2005
Harold Pinter (Grã-Bretanha)

2004
Elfriede Jelinek (Áustria)

2003
J.M. Coetzee (África do Sul)

2002
Imre Kertesz (Hungria)

2001
V.S. Naipaul (Grã-Bretanha)

2000
Gao Xingjian (França)

1999
Gunter Grass (Alemanha)

1998
José Saramago (Portugal)

1997
Dario Fo (Itália)

1996
Wislawa Szymborska (Polônia)

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