O pequenino Zé Menezes é um gigante. Para começar, quatro cordas não bastaram para ele, que ainda na infância no Ceará enveredou do cavaquinho para o bandolim, depois para a viola, passando pelo violão, chegando à guitarra. Também tem estatura suas credenciais musicais, tendo sido o parceiro mais constante do saudoso maestro gaúcho Radamés Gnattali. Do alto de seus 89 anos, viu muita coisa, tocou com muita gente. Nem por isso perdeu o interesse pela novidade. É com alegria de menino que ele lança hoje, no palco da Caixa Cultural, o projeto Zé Menezes/Autoral, que reúne parte significativa de sua obra em três CDs de áudio e um de arquivos, com partituras e fotos.
Para lustrar ao vivo seu lado compositor, o multi-instrumentista contará com os talentos de Daniela Spielmann (flauta e sax soprano), Marcos Nimrichter (piano e acordeão), Marcello Gonçalves (violão de 7 cordas), Jorge Helder (contrabaixo) e Márcio Bahia (bateria). ;Um Butantã!”, reconhece o mestre, que, em estúdio, contou ainda com cobras como Nicolas Krassik (violino), Yamandu Costa (violão), Beto Cazes (percussão) e Hamilton de Holanda (bandolim) ; um serpentário para ninguém botar defeito.
O lançamento é a conclusão de uma empreitada iniciada em 2005 sob os auspícios do produtor Luiz Rocha, com patrocínio da Petrobras. Zé ficou à vontade para escolher um repertório em três frentes ; regional de choro, gafieira carioca e nova bossa ; e supervisionou a reunião das partituras. ;Para mim, foi muito gratificante. Nem todo músico brasileiro teve ou terá essa oportunidade. Estou deixando isso para os jovens ; eles podem dar continuidade ao trabalho da gente;, celebra.
As gravações também foram um acerto de contas com o passado. ;Só agora fiz algumas coisas como eu havia pensado;, diz, referindo-se especialmente à faixa Três amigos, que homenageia Radamés (1906-1988) e o violonista Garoto (1915-1955), principal referência de Zé no instrumento. ;Fiz para lembrar, numa música só, o jeito deles: o estilo do Radamés, que é mais concertino, e o do Garoto, mais romântico.; O que ele não contava é que fosse se emocionar tanto com a parte ao piano, executado por Marcos Nimrichter. ;Eu me assustei, parecia que era o próprio Radamés tocando ali comigo;, recorda.
Feita essa observação, é preciso dizer que Zé não é um homem nostálgico. Afinal, sua técnica pode ser identificada na maior parte dos músicos da nova geração. ;Vejo alguns elementos meus por aí. Os jovens estão levando a sério e estão seguindo o meu exemplo, procurando estudar instrumentos diversificados. Sempre bati nessa tecla;, diz. Também ajuda o fato que sua música tem aquela simplicidade sofisticada característica das obras atemporais. ;Não existe mulher feia, existe mulher mal arrumada. Com a música é assim. Melodia sem harmonia bonita para alinhavar é coisa sem cintura;, arremata.
Vinhetas engraçadas
; O leitor provavelmente já sorriu ; e até gargalhou ; ao som de Zé Menezes sem nem se dar conta. É que, na década de 1970, o instrumentista respondia pela direção musical da Rede Globo, onde se especializou na composição de trilhas sonoras. Os programas humorísticos eram o seu forte. Quem não se lembra do tema de abertura de Os Trapalhões? Pois é. Também eram dele as vinhetas de Viva o Gordo e Chico City. Na verdade, Zé é um gozador de longa data. Só a irreverência explica os mais de 10 discos lançados pelo compositor ao longo dos anos 1960 sob a alcunha de Os Velhinhos Transviados. Capitaneando uma espécie de banda de baile formada por músicos veteranos, ele tirava sarro da Jovem Guarda e fazia versões inclassificáveis de sucessos da época, como O passo do elefantinho.
ZÉ MENEZES AUTORAL
Hoje às 20h, na Caixa Cultural (SBS Qd 4 lote 3/4, 3206-6456). Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia). Classificação indicativa livre.