O espetáculo O naufrágio, em cartaz no Teatro Helena Barcelos, na Universidade de Brasília, propõe uma viagem poética entre as tempestades marítimas, que há séculos fascinam e assustam a humanidade, e as possibilidades contidas nos sonhos. ;Insisti nessa encenação para acentuar o sonho como uma possibilidade que a humanidade tem de superar os limites da finitude. A arte é resultado do sonho e só quem sonha pode superar os limites da existência;, destaca a autora e diretora do espetáculo, Sílvia Davini, que faz ainda uma participação especial.
A trama entrelaça o poema ;O marinheiro;, de Fernando Pessoa, com pitadas de A tempestade, de William Shakespeare, para realçar os elementos oníricos. No palco, surgem personagens criados pelo poeta inglês, como Marina, Miranda e Próspero, todos ligados ao mar de alguma maneira. Eles dão a deixa para o drama do marinheiro de Pessoa, que naufragou sozinho em uma ilha e, com saudades da pátria, decide sonhar o tempo todo, para recriar sua antiga realidade. Depois de tanto sonhar, ele perde a capacidade de se lembrar das reais reminiscências de sua vida. Praticamente sozinha no palco, a atriz Sulian Vieira contracena consigo mesma, em montagens de vídeo projetadas em telões, com vozes e com as deusas do destino, que surgem rapidamente. ;A lógica da encenação é a lógica do sonho;, avisa Davini.
A iluminação e a sonoplastia reproduzem o clima caótico das tempestades, com equipamentos de ponta. O cenário, composto por cabos de aço e telas de pano, abre espaço para possíveis interpretações: seria um barco, seriam velas, ou um quarto? Apesar de deixar portas abertas para variadas leituras, a autora garante que a obra não resvala para o surreal. ;O surrealismo deixa o inconsciente conduzir, e neste espetáculo há muito controle. Defino como uma espécie de barroco-sintético, com um equilíbrio entre ornamentos, imagens e também muito rigor. É o sonho dentro do sonho, o palco dentro do palco. Como um origami, em que a dobradura do papel vai repetindo as formas;, exemplifica.
O mote para O naufrágio surgiu quando Sílvia Davini assistiu ao documentário A composição do vazio, sobre a vida e a obra do filósofo pernambucano Evaldo Coutinho. Nele, o pensador dizia a frase que foi o estopim para a criação: ;A morte é o naufrágio onde naufragam o navio e o mar;. Acesa pela reflexão, Davini escolheu o nome do trabalho e cunhou a frase que serviria como guia para a criação: ;A morte é não sonhar;. ;Foi um trabalho danado para chegar a essa frase, mas acho que valeu a pena;, conclui.
O NAUFRÁGIO
Espetáculo de Sílvia Davini, com Sulian Vieira, Sara Mariano, Sílvia Davini e César Lignelli. De hoje a sábado, às 21h, e no domingo, às 20h, no Teatro Helena Barcelos (Complexo das Artes, Universidade de Brasília). Entrada franca. Classificação indicativa livre.
A FLECHA PRETA DO CIÚME
A mulher sem pecado, texto dos mais cultuados de Nelson Rodrigues, foi escrito há 70 anos. A data propícia a comemorações motivou uma nova montagem da peça, sob a direção Julio Cruccioli e com seis atores da Cia. Teatral H2O no elenco. A versão do clássico, que propõe um mergulho no ciúme e no comportamento obsessivo e faz parte das peças de viés psicológico do autor, está em cartaz no Teatro Goldoni até 31 de outubro.Na trama, Olegário é obcecado pela ideia de que está sendo traído e, de tanto vigiar e controlar a mulher, Lídia, acaba estimulando nela o desejo de trair. O casal vive cercado por parentes e empregados. ;O mais interessante é como o limite do ser humano é colocado em xeque. Em mim, o texto despertou a ideia de que a gente não deve imaginar demais e alimentar a imaginação do outro. É perigoso;, reflete Cléber Lopes, ator que interpreta o irmão de Lídia e também um funcionário do marido incumbido de vigiá-la. Segundo ele, o tema divide a plateia: muitos acreditam que não há justificativa para as ;tentações; de Lídia, outros defendem que ela seja vítima das contradições do marido. Como é de praxe, um Nelson Rodrigues recheado de discussões morais.
O palco ganhou 13 cadeiras e, quando os espectadores entram na sala, já encontram os atores sentados nelas. O elenco não sai do palco: sempre que as cenas terminam, o ator se senta e acompanha o desenvolvimento da peça. Por todo o espaço cênico, foram espalhadas rosas artificiais. ;Elas simbolizam um amor frágil, de plástico, menor do que a tormenta que ele causa;, destaca Cléber Lopes. (MM)
A MULHER SEM PECADOPeça dirigida por Júlio Cruccioli, com Tullio Guimarães, Cléber Lopes, Eloisa Cunha, Márcio Rodrigues, Meny Vieira e Monique Coelho no elenco. De hoje a sábado, às 21h, e no domingo, às 20h, no Teatro Goldoni (Casa D;Itália, 208/209 Sul; 3443-1717). Ingressos: R$ 20 e 10 (meia), às quintas; e R$ 30 e 15 (meia), de sexta a domingo. Não recomendado para menores de 14 anos.