postado em 14/10/2010 07:50
Diretor dado a ousadias, Luiz Fernando Carvalho resolveu tentar decifrar uma questão que Sigmund Freud lamentou não conseguir. No momento, o diretor comanda a fase de pós-produção de Afinal, o que querem as mulheres?, série prevista para estrear em novembro na Globo. Na trama, um psicanalista patético (Michel Melamed) desenvolve uma tese sobre o tema e publica um livro que vira grande sucesso. Mas, quando chega ao topo da fama, experimenta, aos poucos, as frustrações de um homem que, na verdade, não entende o sexo feminino. Tanto que, na cena em que conhece a despojada Sofia (Letícia Spiller), depois de ser largado pela mulher, Lívia (Paola Oliveira), é mostrado com uma máscara que traduz perfeitamente a imagem de ;bobão solitário;. ;Nada no Luiz Fernando é óbvio. Desde o processo de construção do personagem, da interação da equipe até a montagem e finalização, tudo é feito de maneira profunda. Está aí um diretor que nunca é raso;, elogia Letícia.Entre as últimas cenas gravadas estão as do primeiro encontro de André com duas das três mulheres de sua vida ; a terceira é a filha, que nasce no fim da série. A locação escolhida, assim como a maioria das outras da produção, fica em Copacabana, no Rio de Janeiro. Na porta do Roxy, um dos raros cinemas de rua da Zona Sul carioca, Letícia Spiller aparece completamente transformada pelas cores berrantes da roupa até o cabelo, enfeitado com dreadlocks e mechas rosa. ;Quem é a loura?;, pergunta um pedestre, que se espanta ao descobrir que se trata de Letícia. Mas logo se certifica disso quando a atriz, grávida de cinco meses, se aproxima da luz e reclama, em tom de brincadeira, da roupa justa. ;Na primeira vez em que vesti, estava certinha, há cerca de um mês. Agora, quase não entra;, ri, acariciando o ventre, olhando para Michel, que aparece barbado nesta sequência.
A cena seguinte, com Paola, acontece no mesmo cinema. E também na fila da bilheteria. Para marcar as diferenças de tempo ; mesmo numa série que, segundo o diretor/autor, é atemporal ;, Michel corta a barba da primeira para a segunda. Chamado para conversar com a imprensa, pede para falar no fim. Não quer atrapalhar o processo. Essa, aliás, é a palavra mais dita pela equipe. Paola Oliveira, única do trio que trabalha pela primeira vez com Luiz Fernando Carvalho, é a que mais repete a expressão. ;O processo de trabalho é muito interessante. Luiz é crítico. Por trás de tudo, sempre tem algo mais. E, hoje em dia, tudo é tão claro, simples, digerido, é fascinante trabalhar com alguém assim;, valoriza a atriz. E é justamente esse ;algo mais; que faz com que ela, de cabelos curtos e escuros, tenha de atravessar a famosa Avenida Nossa Senhora de Copacabana quase 50 vezes. Primeiro, com um penteado anos 1960. Depois, de cabelo solto. Isso às 4h, sempre embaixo de uma tempestade fabricada no local e batendo os dentes sem parar. ;Meus pés parecem dois maracujás de tão enrugados;, brinca, depois de sair da chuva artificial.
Com uma câmera apenas, Luiz Fernando experimenta diversas formas de gravar. Faz a mesma cena dezenas de vezes, cada hora focando em um detalhe. Seja a boca dos mocinhos, seus olhares, testas, enfim, cada parte expressiva de Paola e Michel ganha espaço nas repetições. Como se trata de um flashback e a lembrança não está necessariamente tão clara na mente de André, o diretor grava as imagens através de um espelho. Ora com mais nitidez, ora mais desfocadas. Apostando em um jogo de cores que ilumina o elenco e marca bem não só a condição de sonho, mas também o excesso de tons impresso pelo famoso bairro carioca, cheio de outdoors, sinais de trânsito e letreiros de lojas. ;A gente trabalha com certa atemporalidade, mas com um eixo: os anos 1960 e 1970, quando a cultura de massa, de modo geral, trabalhou muito as cores primárias. A ideia é dialogar um pouco com esse gesto;, justifica Luiz Fernando.