Viver de teatro em Brasília não é tarefa fácil. Muitos representantes das artes cênicas se ressentem com a falta de investimentos no setor, a produção irregular de espetáculos e as oscilações de um público ainda em formação. Na contramão desse cenário desanimador, algumas trupes encontram contexto oposto: lotação esgotada nos teatros, filas nas bilheterias, temporadas mais longas do que o normal para a cidade e patrocínios batendo à porta. No filão do humor, o êxito é evidente. A trilha aberta pela Cia. de Comédia Os Melhores do Mundo ganhou três seguidores de peso. Grupos formados na cidade, como G7, Setebelos e De 4 é Melhor, já contam com plateia fiel e entusiasmada, além de dinheiro em caixa.
Diante dos ventos a favor, as companhias optam por um pouco de ousadia. Para comemorar os seis anos de existência, a De 4 é Melhor, atualmente formada por três atores, escolheu o palco da Sala Villa-Lobos, o mais tradicional (e caro) teatro de Brasília. Ali, eles mostram hoje, às 21h, em sessão única, a versão repaginada (turbo, segundo os atores) do espetáculo Assexuados, 2.0, que aborda o lado cômico das relações surgidas no espaço virtual. ;A data é especial, por isso optamos por um espaço privilegiado. O público já cobrava nossa estreia nesse palco há tempos;, conta a atriz Fabianna Kami. A estratégia parece ter sido acertada. Dois dias antes da exibição, metade das poltronas da sala, cerca de 700, já não estavam mais disponíveis na bilheteria.
Mesmo ainda associados à cena local, os grupos buscam se profissionalizar e fazer apostas cada vez mais certeiras. A atriz adianta que na hora de escolher os temas e os locais de apresentação, a equipe de produção do De 4 É Melhor sempre faz um estudo dos assuntos que mais mobilizam a audiência no momento e onde se concentra sua maior fatia de público. ;Não podemos apostar às cegas. É nosso trabalho, vivemos disso;, alerta Fabianna. O resultado da organização se reflete na conta bancária do grupo. Hoje, eles contam com três patrocínios fixos, que arcam com 60% dos custos fixos da companhia. Os outros 40% são fruto da bilheteria, em fase de expansão.
Como toda trupe de sucesso, eles também decidiram espalhar gargalhadas pelo território nacional. Afivelaram as malas e foram parar em São Paulo, onde ficaram em cartaz por três meses, entre maio e julho de 2009. ;Começamos com meia casa cheia. Em junho, as sessões já lotavam. Mas voltamos porque tínhamos assumido compromissos profissionais em Brasília;, destaca Fabianna. O projeto para 2011 prevê uma incursão pelo Rio de Janeiro, sem qualquer obrigação que os faça voltar à capital antes de conquistar o sucesso esperado.
Veteranos
Para os integrantes do grupo G7, o palco da Villa-Lobos está mais para a coroação do sucesso do que cenário do salto definitivo para a fama. Afinal, antes de experimentá-lo, o quarteto brasiliense já havia se aventurado pela Terra da Garoa. ;Ganhamos o prêmio Criação Teatral Wolksvagen, no Teatro Municipal de São Paulo. Fizemos uma versão de Otelo para todos os brasileiros, texto do Joaquim Manuel de Macedo adaptado pelo Antônio Abujamra, e consideraram a nossa cena a melhor, entre as 488 companhias que participaram;, diz o ator Rodolfo Cordón.
Depois de um ano no Teatro da Gávea, no Rio de Janeiro, o G7 voltou à cidade para uma rápida parada na Villa-Lobos, um respiro antes de começar a temporada anual no Teatro Gazeta, em São Paulo. A primeira passagem pelo mais imponente palco da cidade rendeu sessões lotadas durante um fim de semana. O retorno ao Teatro Nacional foi no mês passado, para a gravação do DVD comemorativo dos 10 anos, que será lançado em 5 de dezembro. Entre apresentações em Brasília e no eixo Rio-São Paulo, o grupo ainda encontrou fôlego para rodar capitais do país e fazer graça em festivais, como a Festa Internacional de Teatro de Angra (Fita), que os recebeu com público de 2.700 pessoas.
;Sair é importante, para o grupo ganhar um caráter mais nacional, se profissionalizar e, sobretudo, perceber que o que se faz lá não é tão diferente do que se faz aqui. No shopping em que ficamos em cartaz no Rio havia outros teatros, alguns ocupados por globais. E várias vezes as nossas sessões ficaram mais cheias;, revela Cordón. Mesmo com a aceitação do público, os meninos de Brasília decidiram voltar. ;Aqui ficamos mais tranquilos, criamos, ficamos com as famílias, as namoradas;, avisa o ator, que, ao lado dos companheiros de cena Benetti Mendes, Fred Braga e Felipe Gracindo, procura patrocínio para a temporada de 10 meses que pretendem fazer em Brasília em 2011. Viagem, pelo menos por enquanto, só no estilo bate e volta.
Outro espaço
A De 4 é Melhor também está em cartaz com a peça Não durma de conchinha, uma brincadeira com os ciclos dos relacionamentos amorosos, do encantamento inicial à separação. Sessões aos sábados, às 21h, e aos domingos, às 20h, até 31 de outubro, no Teatro dos Bancários (314/315 Sul; 3346-9090). Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.
O festival
O G7 Festa show, festival de peças do grupo, termina neste fim de semana. A atração de encerramento ; amanhã, às 21h, e domingo, às 20h, no Sesi de Taguatinga (QNF 24) ; é Eu odeio meu chefe, uma reflexão sobre as relações entre patrões e empregados. Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia). Informações: 3355-9500. Não recomendado para menores de 14 anos.
Assexuados 2.0
Espetáculo do grupo De 4 É Melhor. Hoje, às 21h, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. Ingressos: R$ 50 e R$ 25 (meia também para doadores de 1kg de alimento). Não recomendado para menores e 14 anos. Informações: 3325-6256.
; Perguntas
Qual é a marca registrada do grupo?
Fabianna Kami (De 4 É Melhor) ; Tentamos envolver o público numa história. Mesmo que haja várias piadas por segundo, tentamos fazer com que as pessoas riam dos personagens, que sigam a evolução do roteiro. Mesmo nas peças de esquetes, há minirroteiros, histórias com começo e desfecho. Evitamos a piada pela piada. Outra diferença é o fato de o grupo ter uma mulher: eu (risos). Pelos meninos, eles iriam brincando e a peça rolaria assim, mas sou mais criteriosa com as piadas. Também existe um esforço para não ridicularizar a mulher. As mulheres na comédia são sempre as barangas, que todo mundo sacaneia, ou as bonitas e burras. Mas esses papéis cabem sempre a eles, assim como eu interpreto muitos homens em cena.
Rodolfo Cordón (G7) ; Desde a primeira peça que fizemos, há quase 10 anos, tentamos mimar o público, tratá-lo com carinho. Depois do espetáculo, sempre cumprimentamos todo mundo que nos assistiu. Outro traço é a interatividade, o público sempre participa dos quadros. Mesmo lidando com temas do cotidiano, tentamos fazer peças com mensagens. No caso de Como passar em concurso público, a ideia por trás é ;só faça concurso se for seu sonho; se não for, não faça;. Em Eu odeio meu chefe, a proposta é que o empregador se coloque no lugar dos membros da equipe. Em Paixão nacional, questionamos o porquê de o brasileiro ser apaixonado por bunda, carnaval, futebol e cerveja, e não por educação, justiça, saúde e arte. Queremos fazer uma provocação sutil e divertir muito.
Paulo Mansur (Setebelos) ; Fazemos teatro para todas as idades. Podem levar o filho, o pai, o marido, o amigo evangélico. Ninguém vai se sentir ofendido, porque não falamos palavrões e não recorremos a estereótipos. Entre nós, sempre dizemos que fazemos os espetáculos que gostaríamos de consumir. Nossa intenção é agradar a gregos e troianos.
Sonhando alto
Outra cria da cidade é o grupo Setebelos. O sexteto, que comemora o quinto aniversário com a peça Cinta-liga da justiça, sonha com voos mais altos, além dos limites da cidade. E já está em busca de oportunidades em outras capitais e em cidades próximas do Distrito Federal.
;Tem que ser viável e vantajoso, mas existe um eixo e a gente precisa seguir o mercado. Nosso sonho é ir além de Os Melhores do Mundo, grupo que nos inspirou. Um dia, o Cirque du Soleil fará um espetáculo inspirado no nosso trabalho;, brinca o ator Paulo Mansur.
Enquanto o reconhecimento em grande escala não vem, o Setebelos curte as salas de apresentação sempre cheias e o prestígio que conquistou nos palcos locais. ;Depois de uma sessão, uma mãe me procurou dizendo que sempre resistia a matricular a filha no teatro, mas cedeu depois de ver uma peça nossa. Um amigo disse que o filho viu uma peça de cinco horas de duração e ficou traumatizado com teatro. Depois de dar boas risadas na nossa peça, disse que curamos o menino;, comemora Mansur.
Cinta-liga da justiça
Sessões aos sábados, às 21h; e aos domingos, às 20h, no Teatro Ulysses Guimarães (Unip, 913 Sul; 2192-7080).
Ingressos: R$ 40 e R$ 20 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.