Diversão e Arte

Cineastas brasilienses gastam economias para realizar seus projetos

postado em 16/10/2010 08:00

O cineasta Gustavo Serrate, de 29 anos, nunca conseguiu reunir organização suficiente para escrever um projeto no Fundo de Apoio à Cultura (FAC). O medo de formulários, relatórios e planilhas de orçamento sempre impediu que o cineasta se inscrevesse na disputa por verba pública. A solução foi produzir sem dinheiro mesmo. O primeiro curta-metragem, Homicida é, feito com orçamento de R$ 2 mil retirados das economias estudantis do diretor, foi selecionado para participar da mostra competitiva em vídeo do 41; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro em 2008. ;A gente trabalhava de uma forma bem improvisada. Eram umas quatro pessoas que se dividiam em muitas funções, e usávamos uma câmera simples;, admite Serrate sobre a precariedade da produção.

No ano seguinte, o vídeo Um cineasta brasiliense em Goiânia, também do cineasta, foi selecionado para o 42; Festival de Brasília, também na mostra digital. A última incursão cinematográfica, Bastar, deste ano, teve o orçamento dobrado em relação à primeira produção. Isso sem dinheiro do Estado. Mas a falta de incentivo em cachê espantou parte da equipe. ;Algumas pessoas que tinham garantido que participariam furaram com a gente. O único a receber pelo trabalho foi o dublê Zé Ricardo;, explica Serrate.

O diretor brasiliense não é o único da cidade a produzir sem o auxílio do governo. O produtor Rodrigo Luiz Martins, 26 anos, opera com tendências, em parte, ideológicas e projetos um pouco mais ambiciosos. Este ano, Martins assinou a produção do longa-metragem digital Projeto nome. ;Queria unir realizadores que já vinham produzindo de uma forma dispersa;, explica. Nove curtas-metragens dirigidos por nove diretores somaram o total de 86min de filme exibido durante o Festival de Filmes Curtíssimos deste ano. ;Não existia um tema específico. A ênfase era o personagem;, resume Martins sobre as histórias que incluem as direções de Allex Medrado e Patrícia Dantas (ambos do coletivo de cinema brasiliense Caliandra Filmes), Tiago Belotti (diretor do longa de zumbis Capital dos mortos) e o argentino Alejandro Alberto, que realizou o vídeo na província de Rosário, na Argentina.

O caso de Péterson Paim é bem diferente. Professor de química da Secretaria de Educação do Distrito Federal, Paim demorou nada mais, nada menos, do que sete anos e R$ 25 mil (do próprio salário) para concluir o longa Além dos olhos. Gravado no DF e cidades goianas de Goiás Velho, Pirenópolis e Goianésia, a produção de fim de semana tem no elenco o ator profissional brasiliense Andrade Júnior. O thriller foi lançado em sessão única em 7 de setembro, no Cine Brasília, e causou polêmica.

;O filme mexeu muito com as pessoas. Elas levaram muitos sustos e houve muita polêmica em algumas cenas: a abordagem crua do aborto (mostrando o uso de medicamento proibido) e principalmente o aspecto religioso (a derrubada de quadro de santos e a queima da imagem de Nossa Senhora). Algumas pessoas ficaram revoltadas e até deixaram o cinema ofendidas.

No fim do filme, elas entendem melhor o porquê da aparente heresia;, explica o diretor. O longa-metragem é atualmente o mais votado para estrear nas salas de cinema no site Movie Mobz, com cerca de 1.370 votos. Dez vezes mais que o número que o segundo colocado, o clássico de 1968, dirigido pelo francês Jean-Luc Godard, The Rolling Stones Sympathy for the devil.

Memória

UM APOIO FINANCEIRO
Quando a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme) foi extinta durante os anos de governo Collor, a produção cinematográfica brasileira foi praticamente encerrada. Mesmo depois da chamada retomada, nos anos 1990, ainda não foram criados mecanismos que garantam a permanência da produção sem o auxílio do Estado. Sem dinheiro é impossível manter uma indústria cinematográfica profissional. Criado em 1991, o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) é a única ferramenta de apoio estatal para a área cinematográfica no Distrito Federal. Muitos realizadores reclamam de falhas no programa. No último dia 21, a Secretaria de Cultura do Distrito Federal realizou o seminário FAC: novos avanços.

O encontro mobilizou pelo menos 370 profissionais da área cinematográfica para discutir questões relativas ao programa. O ponto mais polêmico foi a exigência de impessoalidade dos projetos (a comissão de seleção não pode conhecer o nome do proponente e, portanto, não conhece o currículo do realizador). Para muitos, a imparcialidade deve ser de responsabilidade da comissão e não do artista. O orçamento do FAC destinado à área de cinema corresponde a 16,5% do total. O maior orçamento é para longa-metragem de ficção, com R$ 700 mil.

Bastar
; De Gustavo Serrate. Bastar e o irmão André mudaram-se para Brasília em 1981 para trabalhar como açougueiros. André é morto e Bastar passa a ser perseguido pelo assassino do irmão em todas as noites de lua cheia. Um dia decide mudar o jogo. Ao invés de caça, vira caçador.

Além dos olhos
; De Péterson Paim. Classificado pelo diretor como suspense experimental narra a história de Alves, trabalhador de um canavial, próximo a uma cidade onde as pessoas desaparecem misteriosamente por causa de conflitos religiosos.

O protagonista e a família precisam escolher entre abandonar a crença religiosa ou manter-se fiel a fé com a possibilidade de perderem a própria vida.

Projeto nome
; Coordenado por Rodrigo Luiz Martins, reúne nove curtas-metragens realizados por nove diretores diferentes. Não havia um tema em comum. Apenas os roteiros deveriam focar em personagens. Foi exibido na íntegra no Festival de Filmes Curtíssimos de 2010.

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