postado em 16/10/2010 09:20

Diante disso, ela se recolheu durante um fim de semana para ver o que tinha de material. Chegou à segunda-feira com cinco músicas prontas ; Vê se fica bem, O tal casal, Fiu-fiu, Bolsa de grife e Moro longe. ;Vi ali que tinha um núcleo bom para o disco;, lembra. A essas se juntaram canções como Meu aniversário, composta por Vanessa quando se encontrava de férias em Salvador, no dia de seu aniversário, 10 de fevereiro. ;Eu estava com muito bom humor, como sempre estou nos meus aniversários. Tem gente que fica mal, que pensa só no fato de estar envelhecendo. Eu amo.;
Também na temporada baiana surgiu Quando amanhecer, parceria com Gilberto Gil, que canta com ela no disco. ;A gente só se conhecia de encontros casuais, essas coincidências que a carreira proporciona. Mas Flora (mulher de Gil) soube que eu estava lá e me chamou para ir à casa deles. Sentamos na varanda, mostrei coisas minhas antigas e Gil, as dele. Daí começamos a improvisar e saiu Lá vem ela, que ele gravou no Fé na festa. Voltei outras vezes e acabamos compondo Quando amanhecer;, conta Vanessa.
Leveza

Também chama a atenção o olhar aguçado de cronista, de compositora que encarna personagens e situações que vão além do próprio umbigo. Como a determinada moça que mora longe e impõe condições para ir à casa do amado (Moro longe). Ou aquela que percebe que engordou ao vestir uma calça velha, mas é compensada com um fiu-fiu ao passar diante de uma obra (Fiu-fiu). Ou a outra que compra uma bolsa caríssima para curar as frustrações (Bolsa de grife); ;Acho mais interessante observar o outro do que me mostrar, a gente aprende muito ao sentir o outro. Sou muito observadora. E gosto de músicas em que há uma narrativa, com imagens que fazem com que pareçam um cineminha;.
Crítica****
SIMPLICIDADE APARENTE
O quarto disco de Vanessa da Mata é aparentemente simples, pela facilidade com que pode ser assimilado. Mas essa simplicidade é aparente. A coloquialidade da poesia, a leveza das melodias e as harmonias que chegam confortavelmente ao ouvido são fruto do aperfeiçoamento de um estilo e de uma habilidade para a composição que a artista vem dominando cada vez mais, desde que estreou, em 2002. As letras que celebram os pequenos (mas essenciais) prazeres da vida encontram correspondência perfeita na sonoridade vibrante, com marcante percussão e uma variedade de nuances que passa pela black music setentista (Meu aniversário), pelas deliciosas baladas radiofônicas de Roberto Carlos e Hyldon (Te amo, As palavras) e por um molejo africano que levanta canções que poderiam soar tristes (Vê se fica bem ou Vá).
Os arranjos coletivos, feitos pela banda (a mesma que acompanhou a cantora na última turnê), demonstram um entrosamento que certamente tem grande parte de responsabilidade pelo bom astral do disco. Kassin, também produtor, conduz um baixo funqueado na ultradançante Meu aniversário, que é uma das melhores coisas do álbum. Mas também sobressai a animadíssima música-título (com ;clima de fim de show;, como diz Vanessa), inspirada por um prosaico bolo da vovó (com direito a receita no encarte do CD). Com notável sensibilidade, Vanessa alça o trivial ao status de sublime. Bicicleta, bolos e outras alegrias é para dançar, para ouvir no aconchego e, sobretudo, para tocar quando, entre sorrir e chorar, a gente escolher a primeira opção (ao contrário do personagem de O masoquista e o fugitivo). (RR)