Diversão e Arte

Em Descanse em paz, momentos finais das vidas de Edgar Allan Poe e outros

postado em 19/10/2010 08:00
Os grandes nomes da literatura mundial viveram sob uma espécie de ;aura;, como se cada um mergulhasse nas próprias palavras e ali permanecesse. Não à toa, muitos usaram pseudônimos em vez dos nomes verdadeiros. Um artifício para que o mundo da ficção não se confundisse com o do autor. Essa revelação, claro, não passou despercebida por muitos biógrafos. E isso fez com que o leitor visualizasse naquelas linhas o homem por trás de uma imagem. Uma inversão de papéis: o personagem, agora, é ele (o escritor).

É mais ou menos isso o que faz a norte-americana Joyce Carol Oates, no livro Descanse em paz. Recém-publicada pela editora LeYa, a obra conta os últimos dias de vida dos mestres Edgar Allan Poe, Mark Twain, Ernest Hemingway, Henry James e Emily Dickinson. Detalhe: todas as histórias saíram da cabeça da escritora. Nada, porém, tão inverossímil assim. A impressão que fica é a de que os perfis foram realmente escritos pelo autor biografado. Joyce Carol Oates utilizou o estilo de cada escritor para contar essas histórias, permeadas de ironia e lirismo.

Edgar Allan Poe, o mestre da literatura fantástica, na versão presente em Descanse em paz, passou os últimos instantes em Viña del Mar, cidade litorânea do Chile. Por meio de um diário, o leitor acompanha um Poe tão sombrio quanto os personagens de suas obras. Tendo apenas as companhias do cachorro Mercury e do farol da ilha, ele se aferra aos livros dos filósofos Plotino e Jeremias Gotthelf para amenizar a solidão ; que ele mesmo busca no início.

Trocar correspondências com uma garotinha de 14 anos é o que mantém vivo Samuel Longhorne Clemens, já separado do nome que o tornou conhecido, Mark Twain. Nessa interessante interpretação de Joyce, o autor de O príncipe e o pobre é um ;vovô; que tem como passatempo conversar com as ;netas; do clube Peixe-anjo.

Diferente mesmo foi o destino dado à poetisa Emily Dickinson. Enquanto os outros autores tiveram o ;capítulo final; vivido em suas épocas verdadeiras, séculos 19 e 20, a norte-americana ; única mulher citada na obra de Joyce ; reviveu como um clone de si mesma no século 21.

Já os romancistas Henry James e Ernest Hemingway têm um fim em Descanse em paz tão diferente quanto curioso. No capítulo sobre a despedida de Henry James, o escritor está na Primeira Guerra Mundial, onde é voluntário do hospital São Bartolomeu. O ambiente de enfermo é descrito no diário com muita melancolia e emoção. Já Hemingway, de clássicos como O velho e o mar e Por quem os sinos dobram, é tomado pela loucura. Os últimos dias do intelectual se dividem entre os remédios, a esposa e a paranoia da vida. Tão angustiante quanto lírico.

FINALISTA DO PRÊMIO PULITZER

Indicada ao Prêmio Nobel de Literatura, Joyce Caral Oates, 72 anos, nasceu em Lockport (Nova York). Autora dos livros A filha do coveiro, A fêmea das espécies, entre outros, leciona desde 1978 na Universidade de Princeton. Membro da Academia de Artes e Letras, é finalista do Prêmio Pulitzer pelo romance Blonde (inédito no Brasil).

Trecho do livro Descanse em paz. Capítulo: EDickinsonRepliLuxe.

;Emily murmurou o que deve ter sido uma resposta educada e a esposa lhe entregou os poemas, agitando-se por perto à espera de que a poetisa os lesse em silêncio. O coração da esposa retumbava de apreensão, seu lábio inferior tremia. Como Madelyn Krim era petulante, entregando seus poemas à imortal Emily Dickinson! No entanto, o gesto parecia perfeitamente natural. Tudo o que envolvia a EDickinsonRepliLuxe na casa dos Krims parecia perfeitamente natural. Na verdade, sua esposa deixara de pensar na sua poetisa companheira como uma EDickinsonRepliLuxe e quando o marido se referia à sua distinta ordem em termos rudes, não como uma pessoa, mas como uma coisa, a esposa olhava sem expressão, como se não estivesse escutado. Sentia uma leve sensação mesquinha de satisfação porque a poetisa preferia claramente ela a seu marido; havia uma inegável relação fraternal entre ela e Emily, em oposição a seu marido, tão obstinadamente masculino.

Emily estava sentada muito quieta, junto à janela. Como de costume, sua postura rígida, como se sua coluna fosse feita de um material inflexível como o plástico. Sua pele parecia pálida como papel e igualmente fina. Seu cabelo estava tão estirado para trás, em um coque, que parecia que os cantos de seus olhos estavam sendo repuxados. A esposa viu ; ou pareceu ver ; uma expressão de desdém divertido passar pela face da poetisa, conforme ela olhava para o poema pela segunda vez, expressão que se foi, tão logo percebida.;


SERVIÇO

Descanse em paz, livro de Joyce Carol Oates. Editora LeYa, 240 páginas. Preço: R$ 44,90.

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