Ricardo Daehn
postado em 20/10/2010 07:13
O mar de Mário, de Reginaldo Gontijo e Luiz F. Suffiati, foi o único longa-metragem de Brasília selecionado para a mostra competitiva em 35mm do 43; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que começa em 23 de novembro. O documentário é sobre o mítico cineasta brasileiro Mário Peixoto (1908-1992), autor de um dos filmes mais importantes da cinematografia mundial Limite (de 1931). ;Esse filme e também o Mário nascem e renascem sempre. Eles têm vários períodos de sobrevida;, explica Reginaldo Gontijo, um dos diretores do documentário brasiliense sobre os processos de restauração e relançamentos que tornaram o clássico de Peixoto um filme imortal.Tradicionalmente o anúncio dos filmes que concorrem ao festival ocorre no foyer do Teatro Nacional. Este ano, porém, a Secretaria de Cultura do Distrito Federal resolveu ;inovar; e anunciou os 40 títulos que concorrerão ao troféu Candango nas categorias 35mm e Digital em café da manhã, ontem, dentro do gabinete do secretário de Cultura, Silvestre Gorgulho. Apesar do aumento no número de inscrições de Brasília (este ano foram 108 títulos contra 52, em 2009), a seleção de produções locais foi tímida.
Quatro longas brasilienses inscritos de um total nacional de 36. Dos curtas em 35mm, serão apenas dois representantes de Brasília entre os 12 concorrentes. Na mostra digital (com exibições diárias na sala Martins Pena do Teatro Nacional), os representantes da cidade também estão em menor número. Dos 301 inscritos nacionalmente, 84 eram de Brasília, mas apenas seis estarão entre os 22 selecionados. Todas as produções brasilienses inscritas serão exibidas na Mostra Brasília, que acontecerá à tarde, durante os dias do festival, no Cine Brasília.
Menos documentários
Um dos maiores temores da plateia e júri dos longas 35mm ; o de que os documentários dominassem a seleção, como aconteceu nos últimos anos ; não foi confirmado. Dos seis longas selecionados, apenas dois são desse gênero. Segundo Fernando Adolfo, ex-coordenador-geral do Festival e consultor de seleção em 2010, não houve orientação curatorial para que o número de filmes baseados no real fosse menor. ;Hoje, é difícil diferenciar o documentário da ficção. Acredito que eles sejam indissociáveis. O número de inscrições possibilitou que mais ficções fossem selecionadas;, explicou o curador.
A expectativa de mudança era maior em relação a um dos critérios de seleção do festival: a predileção por produções inéditas fora ou dentro do Distrito Federal, apesar de não ser uma obrigatoriedade. ;O Festival de Brasília tem esse conceito histórico. Esse direcionamento é justamente para fortalecer a disputa. Digamos que não seja possível selecionar entre os inéditos. Aí sim parte-se para os filmes que já foram exibidos. Existem 180 festivais no Brasil. Fica uma coisa repetitiva;, acredita Adolfo.
O festival de 2010 não ficará conhecido como o ano em que a tão esperada reforma definitiva do Cine Brasília foi realizada. A parceria entre o Ministério da Cultura (Minc) e a Secretaria de Cultura do DF para a restauração do cinema depende da elaboração de documentos de ambos os lados.
O orçamento deste ano será de R$ 2,5 milhões, sendo 50% em recursos da Secretaria de Cultura e o restante captado por meio da Lei Roaunet do Ministério da Cultura. E desta vez, a base do festival não será o Hotel Nacional, e sim o Kubitschek Plaza. ;A secretaria não pôde pagar adiantado e o Hotel Nacional exigiu isso. Por fim, fechamos com outro hotel mesmo;, explicou o secretário de Cultura. O festival será realizado entre 23 e 30 de novembro.
ENTRE CONCRETO E POESIA
Há seis anos envolvida com a produção do curta Braxília, a diretora brasiliense Danyella Proença se viu ;totalmente desnorteada, como aquele menino que passou no vestibular;, ao constatar o nome da obra entre os competidores do festival. ;É surreal: a seleção foi além de todas as minhas expectativas. Tô tremendo e meio boba. Desde pequenininha ia ao Cine Brasília. Assistir, aos 17 anos, ao filme Lavoura arcaica, lá, foi determinante para meu interesse do casamento entre cinema e poesia, que virou até tema do meu mestrado;, conta a cineasta, aos 26 anos. No filme ; que estabelece relação entre poética e audiovisual ;, ela definiu as coordenadas: ;É um passeio pela Brasília proposta pelo escritor Nicolas Behr ; a Brasília do não poder, a não oficial e a não capital. Saímos em busca de uma cidade invisível;.
Diretor de fotografia do curta O último dia e diretor de arte de Fobia, ambos integrados a seleções anteriores do festival, o taguatinguense Érico Monnerat, aos 30 anos, teve o curta Falta de ar, que marca a estreia dele na direção e aborda problemáticas da ditadura militar, selecionado para a principal vitrine dos curtas.
;Fico feliz pot ter um filme exibido na maior tela que temos. A expectativa é grande, já que o público é bem crítico e o curta será exibido pela primeira vez. Trato de uma narrativa que vai dos anos de 1970 até a contemporaneidade, tendo como foco a memória de um idoso. Na verdade, o tema é histórico e tive a pretensão de me inspirar num sentimento gerado pela leitura de um conto do Érico Veríssimo;, explica o diretor formado pela Universidade de Brasília (UnB), e que contou com R$ 70mil para o orçamento, alcançado por meio do último edital do Polo de Cinema Grande Otelo e pela contemplação no edital de finalização do Fundo de Apoio à Cultura (FAC).
AGORA, É COM O JÚRI E O PÚBLICO
Nascido em Brasília, o diretor Marcelo Lordello ; que deixou a cidade, aos 12 anos ; foi uma das surpresas na lista dos longas -metragens, com um documentário (Vigias) orçado em R$ 27 mil, produzido a partir de premiação da Fundação Joaquim Nabuco. ;Botar fé, a gente sempre bota, mas agora tem que cair a ficha. Que massa!”, disse o diretor, 29 anos, assim que soube da efetiva corrida pelo troféu Candango.
;Vou esperar que o público e a crítica definam, mas posso dizer que é um filme contemplativo. Criamos uma noite, com a representatividade de vigias identificados pelo ambiente e pelo tipo de prédios em que trabalham. Toda a tensão da violência existe, mas buscamos uma abordagem mais humanizada. Uma linha de diálogo e compreensão, sem objetivar a polêmica;, avalia o realizador. Lordello competiu, anteriormente, com o curta n; 27 (2008) e, em 2007, foi diretor de fotografia de 12; e assistente de direção do longa Amigos de risco.
;É bem significativo participar do festival, porque eu sou brasiliense. Tem um sabor especial, por ser minha volta à capital com o meu primeiro longa de ficção;, conta o diretor Eryk Rocha, presente na competitiva com Transeunte. Entusiasmado, ele acredita que a fita dialogue com o espírito de debate e de reflexão sedimentado no evento. ;Acho que minha formação em documentários assentou uma dramaturgia diferenciada para a ficção. No filme, trato da vida de um aposentado, um homem brasileiro comum que vive a solidão no Rio de Janeiro. A figura dele traz a dimensão da necessidade de uma pessoa se reinventar;, adianta o diretor também de Rocha que voa, em torno das experiências do pai dele, Glauber Rocha.
Sem experiência na competitiva local, o diretor João Jardim (de Amor?) goza da curiosa posição de já ter integrado o júri do evento, há cinco anos. Agora, do outro lado, prevalece a descoberta de ;como o filme vai bater nas pessoas;. ;Será superemocionante, porque creio na comunicação dele, já que tem um tom muito intimista e pessoal, preso à intimidade das pessoas. É um misto entre ficção e realidade, com atores inseridos numa narrativa que mostra a possibilidade de as relações amorosas comportarem violência;, explica o diretor. No elenco estão Lilia Cabral, Silvia Lourenço, Ângelo Antônio e Cláudio Jaborandi.
Fábula
Primeiro longa da dupla a ser selecionado para a mostra competitiva do festival, A alegria é assinado por Felipe Bragança e Marina Meliande. A fita é uma fábula adolescente sobre Luiza, uma menina de 16 anos que não suporta mais ouvir falar do fim do mundo. Na véspera de Natal, o primo João é baleado num bairro pobre e desaparece. Semanas depois, Luiza, sozinha no apartamento de classe média carioca, se surpreende com a aparição do espírito errante do parente.
;Acho que Brasília vai ser um lugar especial pra gente discutir que cinema é esse que fazemos e que aponta parte dos próximos caminhos da produção nacional. O personagem principal está cansado de escutar sobre o fim do mundo. Então, tem essa perspectiva, lidando com o imaginário carioca, e sobre o que é ser jovem no Brasil;, analisa Marina. Exibido no Festival de Cannes, na mostra paralela Quinzena dos realizadores, A alegria é o segundo título da trilogia Coração no Fogo, iniciada com A fuga da mulher gorila, e seguida de Desassossego, um projeto que envolve a participação de outros 12 diretores.
O mineiro Sérgio Borges é outro que, nem bem finalizou o primeiro longa (O céu sobre os ombros), e já tem o que comemorar. Escolhido para a seleção competitiva, o filme mescla ficção e realidade, ao narrar as dificuldades de três pessoas pobres, que desejam ser amadas e extrapolar limites. ;A gente finalizou o filme meio correndo, pensando no festival. É a melhor plataforma brasileira para lançamento. Essa seleção representa um momento novo para uma nova geração, em vias de ser consolidada;, observa. Borges acredita que o público vai se identificar com os personagens, segundo ele, universais, apesar de exóticos. ;Trata disso, do caos, do movimento energético de estar vivo no mundo. De um ponto de vista, parecem histórias inventadas, mas parte de um pressuposto documental;, constata.
OS SELECIONADOS
Mostra competitiva 35mm
; A alegria, de Felipe Bragança e Marina Meliande, 106min, RJ
; Amor?, de João Jardim, 100min, RJ
; O céu sobre os ombros, de Sérgio Borges, 72min, MG
; O mar de Mário, de Reginaldo Gontijo e Luiz F. Suffiati, 72min49, DF
; Transeunte, de Eryk Rocha, 100min, RJ
; Vigias, de Marcelo Lordello, 70min, PE
Curtas 35mm
; A mula teimosa e o controle remoto, de Hélio Villela Nunes, 15min, SP
; Acercadacana, de Felipe Peres Calheiros, 19min58, PE
; Angeli 24 horas, de Beth Formaggini, 25min09, RJ
; Braxília, de Danyella Neves e Silva Proença, 16min,30, DF
; Cachoeira, de Sergio José de Andrade, 13min47, AM
; Café Aurora, de Pablo Polo, 19min, PE
; Contagem, de Gabriel Martins e Maurilio Martins, 18min02, MG
; Custo zero, de Leonardo Pirovano, 12min, RJ
Fábula das três avós, de Daniel Turini, 17min, SP
Falta de ar, de Érico Monnerat, 21min, DF
Matinta, de Fernando Segtowick, 20min, PA
O céu no andar de baixo, Leonardo Cata Preta, 14min59, MG
Mostra Competitiva Digital
# Com a Mosca Azul, de Cesar Netto (15min, SP)
# Dalva, de Filipie Wenceslau (15min20, BA)
# De bem com a vida -- Carlos Elias e o Samba em Brasília, de Leandro Borges (20min, DF)
# Do Andar de Baixo, de Luisa Campos e Otavio Chamorro (13min, DF)
# Entrevãos, de Luísa Caetano (19min50, DF)
# Esta Pintura Dispensa Flores, de Luiz Carlos Lacerda (20min, RJ)
# Herói, de Thiago Ricarte (20min, SP)
# Lendo no escuro, de Marcelo Pedrazzi (16min, RJ)
# My Way, de Camilo Cavalcante (7min, PE)
# Naquela Noite Ele Sonhou com Um Mar Azul, de Aristeu Araújo (20min, PR)
# Negócios à Parte, de Juliana Botelho (15min, DF)
# O Eixo, de Ricardo Movits (7min30, DF)
# O Filho do Vizinho, de Alex Vidigal (6min09, DF)
# O Gato na Caixa, de Cauê Brandão (19min59, DF)
# O Silêncio do Mundo, de Bárbara Cariry (10min, CE)
# Onde Você Vai?, de Victor Fisch (14min36, SP)
# Queda, de Pablo Lobato (14min35, MG)
# Queimado, de Igor Barradas (19min, RJ)
# Só mais um filme de amor, de Aurélio Aragão (18min, RJ)
# Tempo de Criança, de Wagner Novais (12min, RJ)
# Traz Outro Amigo Também, de Frederico Cabral (15min, RS)
# Últimos Dias, de Yves Moura (15min, RJ)