Diversão e Arte

Espetáculo A carne do mundo mergulha nas perversões da relação a dois

postado em 20/10/2010 07:30
Quando a porta de um quarto se fecha, e dentro dele há um homem e uma mulher, a natureza dos acontecimentos que se desenrolarão entre as quatro paredes torna-se imprevisível. As possibilidades vão desde a convivência mais inocente a bizarrices indescritíveis. A perversidade que se manifesta em alguns é o tema da peça A carne do mundo, quinto espetáculo e criação coletiva da Companhia B de Teatro, em cartaz de hoje até 31, no Sesc Teatro Garagem, na 913 Sul. O fio condutor é o encontro de um casal que se entrega a uma relação de desejo, marcada pelo sadismo e por outros desvios que costumam ser mantidos no universo a dois. ;O relacionamento é tratado pelo lado perverso, revela a dificuldade de se comunicar e os encontros doentios;, explica a diretora, Mariana Botelho.

Gisele Niremberg e Sérgio Sartório mergulham em texto inspirado em escritos do Marquês de Sade, Freud, Hilda Hilst e Pedro Juan GutiérrezApesar do tema incômodo, as cenas não descambam para o grotesco. ;A peça não é apelativa ou agressiva, apesar de ficar clara a carga de agressividade. Decidimos trabalhar o erotismo e a sensualidade de maneira poética;, explica Mariana. Em cena, um homem recebe uma mulher em seu apartamento (a namorada? Uma conhecida? Uma prostituta?) e juntos, eles iniciam um vertiginoso jogo de sedução, que a cada momento se inclina um pouco mais para a estranheza. A ação se passa no que a diretora define como um ;quarto de sonho;, em que o tempo concreto se funde a devaneios. Em alguns momentos, a plateia poderá se perguntar se aquele encontro realmente existiu ou se só foi real na fantasia de alguém. Essa é apenas uma das questões de A carne do mundo que ficam em aberto.

Cenas provocadas
A centelha criativa surgiu a partir de um incômodo. O grupo já tinha interesse em pesquisar o lado oculto e perverso da humanidade, mas percebeu que o tema sempre era tratado com radicalismo nos meios de comunicação. ;A televisão, a internet, todos mostram episódios extremos, cheios de maldade. Decidimos trabalhar com a perversão contida nas pequenas torturas, uma perversão que beira o comum;, explica a diretora. O ponto de partida foi o livro A doença da morte, de Marguerite Duras, que narra um encontro fortuito, e sem expectativas, entre um casal.

Para complementar o processo, os integrantes do grupo imergiram no universo do desejo, das perversões e da psicanálise. Leram Marquês de Sade, Freud, Hilda Hilst, Pedro Juan Gutiérrez, Charles Melmann e Juan Genet, entre outros. O texto foi criado a partir da escrita automática: inspirados pelas leituras, os membros do grupo foram provocados com palavras-chave relacionadas ao tema, e deveriam escrever livremente, por 10 minutos, sobre cada uma delas. Os fragmentos, ações e impressões desses muitos relatos depois foram transformados nas cenas que compõem o espetáculo. ;Fizemos o recorte da perversão que existe na sociedade contemporânea, de viver junto abusando do outro, sem realmente ver o outro;, observa a diretora.

Sérgio Sartório, ator convidado da companhia, divide os holofotes com Gisele Niremberg, que expõe a fragilidade da nudez feminina no palco. Durante a pesquisa, que ela destaca ser importante para humanizar o artista, o tema foi desmitificado pelos envolvidos no projeto. ;À medida que você vai entrando em contato com a questão, aceita que quase todo mundo tem uma perversão, destrinchada no dia a dia. Gostar de um pé bonito é fetiche, e não deixa de ser uma perversão;, exemplifica Gisele. Aos espectadores, ela avisa que a peça pode causar reações adversas. ;A plateia é colocada na posição de voyeur;, conta.

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