As embaixadas podem ser verdadeiros cartões de visitas de seus países de origem. Algumas se limitam a apenas tocar os serviços consulares administrativos, mas outras transformam seus prédios em pequenos oásis representativos de suas culturas e, às vezes, escondem acervos de arte e artesanato inusitados. Na Embaixada da Itália há uma pintura do realista Jean-Baptiste Camille Corot e, na da França, uma série de desenhos de Matisse. A da Índia guarda portas esculpidas em osso e madeira do Rajastão e a da Finlândia, ambientes inteiramente decorados por Alvar Aalto. Em Brasília, há 116 embaixadas. Alguns dos prédios que as abrigam foram projetados por arquitetos relevantes no cenário internacional ; como Le Corbusier (França), Pier Luigi Nervi (Itália) e Hans Scharoun (Alemanha) ; conforme o projeto original da capital. O Correio percorreu algumas dessas embaixadas para contar o que há de precioso nos interiores que abrigam o corpo diplomático estrangeiro em Brasília.
; Alemanha
O acervo incluiu alemães e brasileiros, com destaque para o pintor Emil Schumacher e Burle Marx. O primeiro assina cinco pinturas distribuídas pelas paredes da residência oficial. São telas coloridas e abstratas, de intenções puramente gestuais e pictóricas. Burle Marx está na sala de jantar, com uma série de serigrafias, mas a presença do artista brasileiro filho de alemães é marcante no jardim. O próprio Marx desenhou a organização das plantas na área externa do prédio. O conjunto contém palmeiras e plantas tropicais e dialoga com a arquitetura de Hans Scharoun, autor do projeto do prédio da embaixada inaugurada em 1971. Scharoun era conhecido por uma arquitetura orgânica e monumental. Na Alemanha, projetou o prédio da Filarmônica de Berlim. A Embaixada em Brasília é o único prédio do arquiteto fora do país natal.
; Itália
[FOTO2]A Embaixada da Itália guarda boas surpresas. Formada ao longo dos anos, a coleção é uma mescla de arte antiga, moderna e contemporânea. Na área privada da residência do embaixador estão as obras antigas mais importantes. Duas paisagens de Jean-Baptiste Camille Corot e Salomon van Ruysdael, uma marina de Giovanni Batista Castagneto e um estudo de Eug;ne Louis Gillot formam o núcleo da coleção de arte antiga. Ruysdael foi um dos mestres da pintura holandesa do século 17 e procurou renovar a paisagem por meio de composições que transmitissem a atmosfera de seu país. Na paisagem do acervo da embaixada, um rio sob céu cinzento e úmido lembra que a Holanda é uma terra ameaçada pelas águas. Corot também foi um grande paisagista do realismo francês no século 19, conhecido especialmente pelos jogos de luz orquestrados com as cores, e Castagneto, italiano que estudou pintura no Rio de Janeiro com Vitor Meireles, era conhecido como um talentoso pintor de marinas. Na área de recepção da embaixada está uma série de pinturas de Cândido Portinari, obras supreendentemente diferentes das pinturas mais conhecidas do brasileiro. Composta de quatro painéis, Natureza tropical é a leitura de Portinari para a exuberância da paisagem carioca e da flora brasileira.
; França
As obras e os móveis que decoram a residência oficial da Embaixada da França passam por um processo de escolha liderado por especialistas do Mobilier Nacional, órgão exclusivamente encarregado de decorar e mobiliar palácios e casas oficiais do governo francês. ;As embaixadas são uma vitrine da nossa cultura;, explica a embaixatriz Jocelyne Saint-Geours. ;Não hesitamos em colocar obras de qualidade e quase nada entra por acaso.; Os móveis e luminárias foram projetados especialmente para Brasília pelo designer Michel Boyer, que criou lâmpada, abajur e mesa de centro inspirados na arquitetura de Oscar Niemeyer para o Congresso Nacional. Uma tapeçaria intitulada Bogotá e assinada por Le Corbusier, autor do projeto da própria embaixada, coroa o saguão de entrada da residência oficial e divide espaço com duas esculturas de Frans Krajcberg, artista brasileiro muito apreciado na França. Na parte íntima da residência fica um desenho da obra Pont Neuf emballé, realizada por Christo, um dos artistas mais importantes na modalidade intervenção urbana da arte contemporânea. Próximo aos quartos destinados a convidados está uma série de desenhos de Henri Matisse e gravuras de Sonia Delaunay, nome representativo da abstração geométrica na França, e Pierre Soulages. Na área social, além de esculturas, duas grandes tapeçarias do arquiteto italiano Matino di Teana completam a decoração da sala de estar.
; Finlândia
O arquiteto Alvar Aalto está presente em todos os cantos da residência oficial da embaixada finlandesa. O prédio não é assinado pelo nome mais importante da arquitetura escandinava, mas o projeto saiu do escritório dele. Na sala de estar e de jantar predominam as formas de Aalto, um aficcionado pelo traçado orgânico, capaz de trazer para o design e arquitetura um pouco da delicadeza das formas desenhadas pela natureza. Aalto assina as cadeiras, sofás, mesas, lâmpadas e os vasos conhecidos como Savoy, uma tradição da cultura finlandesa. A peça desenhada pelo arquiteto lembra o formato dos lagos escandinavos e se tornou um dos símbolos do design finlandês. Uma tapeçaria de Eila Ampola intitulada Amazônia combina técnica tradicional finlandesa de tecer com grossos fios e um desenho tropical. O design escandinavo está por toda parte. Branco, simples, muito fino e eventualmente um pouco rústico, é parte significativa do acervo da embaixada. Os pássaros em cerâmica de Oiva Toikka e as porcelanas artesanais de Ialta Lavi são destaques na coleção.
; Holanda
Pintura antiga e contemporânea dividem espaço nos cômodos da residiência oficial da Embaixada dos Países Baixos. No saguão estão quatro xilogravuras de Carel Visser, cujo trabalho também integra o acervo da Tate Modern, em Londres. Grandes formatos e liberdade são características da obra do artista, representante da vertente construtiva na Holanda. Conhecido como escultor, Visser também desenvolve extensa pesquisa gráfica e combina as formas geométricas com representações de animais. Pinturas de paisagens e retratos dos séculos 17 e 18 decoram a sala de jantar ao lado de porcelanas de Delft, objetos tão tradicionais da cultura dos Países Baixos quanto o tamanco de madeira. Um retrato de Maurício de Nassau feito no século 16 por alunos do pintor Jan de Baen, mestre do retrato da pintura barroca, também faz parte do acervo oficial. Já a coleção particular do embaixador Kees Rade abriga uma serigrafia do psicodélico Herman Brood, personalidade conhecida na Holanda pela excentricidade. Brood era integrante de uma banda de rock antes de se tornar artista. Não enxergava as cores ; somente o preto e o branco ;, mas fazia questão de produzir obras extremamente coloridas. Brood se suicidou em 2001.
; Portugal
[FOTO2]A coleção da Embaixada de Portugal reúne principalmente pinturas, gravuras e desenhos da segunda metade do século 20. Parte desse acervo foi exposto ao público em 2005. Almada Negreiros, Júlio Pomar, Júlio Resende, Eduardo Neri, Paula Rego e Arthur Barrio estão entre os destaques da coleção. Pomar, expoente importante do expressionismo abstrato português, assina desenhos e colagens coloridos nos quais corpos são vagamente delineados em meio à abstração. Também é de Pomar o painel de 30 metros instalado atrás da Biblioteca Nacional. Uma serigrafia e duas gravuras de Paula Rego também integram a coleção como representantes da arte bruta. Figuras femininas e animais deformados integram o universo da artista, dona de crítica social contundente. Já Neri investiu na arte cinética nos anos 1960, e a pintura de círculos em vários tons de vermelho que integra a coleção da embaixada confunde o olhar do observador e provoca a ilusão de movimento.
; Marrocos
Projetada nos moldes de uma casa andaluza, arquitetura muito comum em certas regiões do Marrocos, a embaixada tem detalhes de cerâmica, sancas esculpidas com rococós coloridos e uma sala central aberta para outros cômodos. A maior parte dos objetos vem da produção artesanal tradicional. Samovar e aparelhos de chá em prata estão em todas as salas. Tapetes marroquinos são abundantes, assim como o mobiliário em madeira esculpido à mão com desenhos rendados. Nas paredes, dois artistas bastante conhecidos no Marrocos ajudam a compor um ambiente tradicional. Uma pintura da na;f Cha;bia Tallal traz paisagem com as torres características das mesquitas e personagens de roupas muito coloridas. Descoberta por um pintor francês, Cha;bia foi um dos nomes mais importantes da arte naif marroquina. Nascida em vilarejo perto de Casablanca e colorista exemplar, a artista morta em 2004 traduzia o Marrocos em traços e cores vibrantes. A embaixada também tem em sua coleção gravuras de Farid Belkahia, conhecido por inserir em composições abstratas elementos tipicamente marroquinos como a escrita dos povos berb;res e a mão que afasta o mau olhado.
; Índia
Esculturas tradicionais em bronze do deus Shiva, considerado criador e destruidor de tudo, estão por todos os cantos da embaixada indiana. Parvati, mulher de Shiva, vem acompanhada de Laxmi, a deusa da saúde e do bem-estar. São peças de artesanato semelhantes às centenas de esculturas espalhadas pelos templos sagrados da Índia. Na entrada da embaixada, uma peça com 12 candelabros recebe os visitantes. O objeto é utilizado durante festas e recepções. Nos templos, as velas dos candelabros só ganham chamas em cerimônias especiais. Algumas litografias de data e autor desconhecido reproduzem paisagens de templos indianos e uma única pintura moderna ocupa os muros da embaixada. Parte do acervo está em um quarto que serve de depósito. Ali ficam as janelas confeccionadas em osso e madeira no Rajastão, peças representativas da arquitetura antiga de certas regiões da Índia. O acervo é composto essencialmente por peças de artesanato feitas por autores desconhecidos. (Nahima Maciel)