Diversão e Arte

DJ Pezão fala sobre projeto Criolina, que desenvolve há seis anos

postado em 24/10/2010 08:00

Do caos, Tiago Souza Machado faz festa. Nas picapes do DJ brasiliense de 32 anos, a música nasce como que por instinto, sem muito planejamento. Com Barata e Oops, Pezão, como é conhecido ; e, sim, o apelido de infância vem do tamanho do pé ; desenvolve o projeto e a festa Criolina (toda segunda-feira, no Calaf) há seis anos. Eles ainda dividem a casa onde moram (apelidada de Quintal do Criolina), levaram a balada para São Paulo e, volta e meia, estão na gringa soltando o som. Festeiro por influência da mãe e ligado à música regional por meio do pai, Pezão se apegou à música brasileira e instrumental para dar início à carreira de produtor e DJ. Mas não dá trela e solta o verbo: "A nossa essência é de bagunceiro, acho que por isso a gente apronta tanto nesta cidade", diz ele, em referência à trupe Criolina.

Um bagunceiro genial

Como você define o Criolina? É um encontro de amigos, uma festa, um estilo? Sempre ficamos meio perdidos, sem saber a dimensão da coisa. Mas sinto que estamos fazendo uma peça de movimentação cultural, de articulação entre bandas, artistas, DJs e produtores. E sempre com um som colorido, alegre. Outro dia, eu estava tocando num evento e uma senhora me perguntou: ;Que tipo de música é essa?;. Eu pensei: ;Putz, que pergunta difícil;. Ela insistiu e eu disse: ;Criolina;. Ela: ;Ah, Criolina!”. Sei lá se a filha dela comentou algo. Outra vez, um cara disse: ;Você não vai tocar umas músicas mais estilo Criolina?;. Na pista, como funciona esse ;estilo Criolina;? A escola da discotecagem exige um set linear, com viradas redondas. Mas a gente arrisca muito. Às vezes dá certo, em outras não. Não temos sets na internet, nosso site está desatualizado, nosso Facebook é muito pessoal. Somos completamente perdidos nisso tudo. E isso levando em conta que eu e o Oops somos designers e o Barata é comunicação total. Mas não temos planejamento nenhum. É algo intuitivo. Somos muito bagunçados. Por isso é que dá certo. Você começou a tocar de forma despretensiosa, em festas de amigos. Quando se reconheceu como DJ? Depois de um ano de Criolina, entendi que tinha uma história concreta. Um dia, minha mãe perguntou: ;Me explica o que você faz?;. Ela acompanha, mas também fica perdida quando tem que explicar. Eu digo: DJ, produtor, designer. Ela diz: ;Mas por que você não faz uma coisa só?;. Eu respondo: ;Ah, mãe, é difícil fazer uma coisa só. Porque a gente trabalha com aquilo que gosta.; Se consertar tomada fosse uma coisa que me desse prazer, eu trabalharia com isso também. Falo isso até meio que me lamentando. Eu me bagunço no meio de tanto projeto que quero fazer. Dá um pouco de frustração? De estar fazendo tudo e, ao mesmo tempo, nada? Claro. Porque uma hora essa brincadeira tem que virar um eixo para você seguir para o resto da vida. Em seis anos, ainda não virou? Está virando. E você já reconhece um estilo de discotecagem que seja seu? Essa é uma pergunta difícil. Acho que a diferença musical é a diferença de personalidade. O que eu sou está na minha música, o que o Oops e o Barata são está no que eles pesquisam e tocam. Música brasileira, latina, africana, a pesquisa de música tradicional... Isso é mais comigo. Gosto da mistura desses elementos com batidas modernas e versões eletrônicas. Mas o que falo sobre mim também reconheço nos dois. O Oops tem uma veia indie rock, mas veio de família rural, como eu. O Barata é ;multi-ideias;, capta um pouco de tudo. Gostamos de boa música e isso vai estar sempre no nosso set. Por mais que a gente lance alguns hits, coisas mais fáceis para chamar a galera, nunca é só isso. É uma música para você, uma para mim. Existe algo que vocês não podem tocar no Criolina? Vale tudo. Vale Lady Gaga? Vale. Sabe que vale? Nosso compromisso não é só com a música, é com a festa. Se uma Lady Gaga servir para depois eu colocar outra coisa legal, ela vale. Outro dia me pediram para tocar funk carioca. Nessas horas, penso assim: tenho um funk carioca instrumental maneiro, essa pessoa vai rebolar. Música muito comercial é o nosso limite. Mas ela é 0,05% do que existe no mundo e é a que o povo mais conhece, que toca no rádio, que paga o jabá. O ;além disso; é que é o verdadeiro. Então, quando vocês tocam, há uma negociação com o público? Sempre. O DJ é o animador de festa, não pode ser só o cara que aplica o som. Quando percebi isso, fez toda a diferença. Se a gente ficasse nessa de ;não, eu toco só o som que eu curto;, seria estreitar a nossa história. Consigo tocar o som que curto fazendo a galera curtir, mas para isso tenho que estabelecer um diálogo. Como você avalia o público de Brasília. Ele assimila as novidades ou é refém dos hits? Quanto mais a gente viaja, mais descobre que o pico é Brasília. Falamos isso para todos os DJs que vêm de fora. A galera está aqui há muito tempo ouvindo de tudo. A nossa geração é uma mistura louca do Brasil inteiro, isso está na música, no cinema, no teatro. Brasília é uma cidade do interior, as nossas cenas são mais misturadas, o playboy e o maluco conversam muito bem, o roqueiro e o regueiro conversam bem. Um amigo meu, que é ator e participou do Festival do Rio, disse que ouviu dos jurados que os brasilienses têm menos limite, vão além. O Criolina está se expandindo e já foi para São Paulo. Para uma festa que tem conceito e regularidade, expandir é fundamental? A gente não decidiu, isso aconteceu. Lá a nossa história não é tão grande porque não temos o mesmo círculo de amigos. Entramos no meio do furacão. Mas sentimos que nosso nome é muito conhecido. Decidimos apostar. Estar no Criolina, então, é como participar de uma banda, no sentido de haver comprometimento, um ter que confiar e contar com o outro? Claro. A gente vê que ;essa banda; se formou naturalmente. Meu encontro com o Barata foi natural e temos uma parceria em que um acelera e o outro freia. O Oops entrou para estagiar comigo como designer gráfico e deu um gás novo ao projeto. Porque começamos num momento em que todos os nossos amigos eram baladeiros. Hoje, todos estão casados. Então é importante a renovação que o Oops trouxe. Temos outros parceiros, mas esse núcleo (eu, Barata e Oops) funciona muito bem, tanto na amizade, na parceria, quanto para dividir problemas. Existe algo do Pezão que não cabe no ;estilo Criolina;? Tem. A música instrumental brasileira e de Brasília. Eu carrego essa bandeira. Como você dá vazão a isso? Eu toco em festinha particular, de amigo. Mas aí é só piração, música para ficar viajando, não necessariamente para dançar. Você tem trabalho autoral? Tenho, mas não lançado. Acho essencial para qualquer DJ ter um trabalho autoral. E eu me pressiono em relação a isso. Tenho plano de lançar em algum momento. O melhor de sonhar pequeno é que você realiza as coisas. Qual é o traço mais brasiliense do Criolina? A mistura é o que temos de mais brasiliense, vamos além das fórmulas. Não estamos viciados no esquema de São Paulo, Rio ou Recife, que são mercados mais profissionais. A gente aqui ainda está se descobrindo e para isso tem que sair arriscando. E quando vão tocar fora do Brasil, o que vocês aprendem e trazem do exterior? Aprendemos não só com a música, mas em um ;rolé; na rua. Na Alemanha, tem selo fazendo funk carioca alemão. Você vê a leitura ;de fora; da música brasileira. Eles estão atrás do beat, do pulso, do que move. E a leitura do funk carioca como sendo algo da periferia é romântica para eles. Voltamos de lá conhecendo a leitura deles daqui e a gente chega lá tentando saber o que eles esperam do Brasil. A referência deles é do Rio, do Nordeste. E a gente tenta mostrar que Brasília é a mistura de tudo isso. Você não esconde sua desorganização. Como lida com isso lá fora? Na Holanda, na Dinamarca e na Alemanha, a galera é muito planejada. Para conseguir tocar lá, tem que fechar as coisas três meses antes. E aqui funcionamos em outro ritmo. Essa conexão com a maneira cartesiana de pensar deles é importante para nós, não para sermos como eles, porque tudo o que eles querem é não ser assim, é ser como a gente, livres, criativos, ter o poder do improviso. E o que vem por aí? Vamos fazer um festival numa fazenda, no próximo ano. Com DJs, palco de música instrumental, forró, música eletrônica. Faremos o primeiro para testar, o segundo para ver se valeu a pena, o terceiro para empatar e o quarto para ver se ganhamos algo. O que vem de resultado financeiro é consequência, a gente não consegue ter essa preocupação. E o CD é um plano para logo. Vamos lançar em vinil. Mas, antes, ainda temos um milhão de coisas para fazer.

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