;Sabe aquele jogo, o War? Rapaz, falta muito pouca coisa: só a Oceania!” É com uma risada solta que Lenine, o pernambucano que conquistou o mundo, fala de suas viagens. Pois ele vive de um país para o outro, fazendo shows (e procurando orquídeas), tem 10 álbuns lançados, está sempre preparando o próximo, e nem por isso recusa os convites que recebe de outros criadores. Sim, o cantor e compositor trabalha muito bem sob encomenda. ;E existe trabalho sem encomenda? Quando vou gravar um disco também é assim: tudo o que faço é me encomendar músicas (risos).;
Nos últimos 20 anos, Lenine fez tantas coisas para a televisão, o cinema e o teatro que estava até se esquecendo de algumas canções. Para que esse material ; nunca gravado em seus discos de carreira nem incluído em shows ; não se perdesse, ele teve a ideia de criar uma chancela, algo que pudesse documentar essa produção. Com a ajuda dos fãs, levantou mais de 60 gravações. Doze delas entraram em Lenine.doc/Trilhas, CD que chega agora às lojas via Universal Music. As outras, de nichos diferentes, podem vir depois, em álbuns batizados como Lenine.doc/Sambadebloco, Lenine.doc/Intérprete, Lenine.doc/Duo;
Com capa e arte em preto e branco, feito um filme antigo, Lenine.doc/Trilhas vai de 1990 a 2010. A mais antiga das 12 faixas é Alpinista social, composta para a novela Lua cheia de amor. A mais recente, Aquilo que dá no coração, tem sido ouvida todas as noites na abertura de Passione. ;Era um material que estava se avolumando e que eu não usava nos meus discos da época, por achar fora do contexto. Porque, pra mim, disco é um projeto fechado, uma fotografia de determinada produção;, explica o compositor, que trata o novo álbum como um disco de carreira mesmo, e não um projeto especial.
Para ele, Lenine.doc é um projeto intimamente ligado ao exercício da composição. E cada canção, claro, surge de um processo diferente. Violenta, por exemplo, é um tema instrumental que ele fez ;com liberdade excessiva, quase opressora; para um espetáculo de dança do Grupo Corpo, na linha ;faça uma trilha inédita e mostre quando achar que deve;. ;Outra coisa é (a diretora da TV Globo) Denise Saraceni me ligar e dizer assim: ;Olha, faça uma música de abertura para a novela, o tema é tal;;, comenta. ;São processos distintos, cada um requer um tempo diferente, um foco diferente.;
Processo caótico
Lenine compõe muito, mas disciplina, ali, passa longe. ;É tudo bem caótico;, afirma. ;Sinceramente, acho que nessa questão (da arte de compor) não há que se ter regras. É uma procura pela beleza. É procurar palavras e sons que são verdadeiros; Enfim, posso dizer um bocado de coisas que não vou chegar nem próximo do que é esse trabalho. Porque cada canção exige um foco. Acho que estar aberto é o primeiro passo. O segundo é não ter regras. Desconfiar do que vem fácil pode ser o terceiro (risos).;
Tem de tudo no processo de composição do pernambucano: a letra pode vir antes da melodia, ou depois, ou junto; a música pode trazer um tema do qual ele quer falar, ou expressar algo que ele sentiu, ou vir de uma ideia arquivada no computador; ;Também tem as canções que chamo de psicofonadas, que parecem surgir já prontas. Nesses casos, você é apenas um catalisador: não precisa de nenhum instrumento para fazer, é melodia e letra ali na hora. Em contrapartida, há canções em que você leva meses até descobrir a palavrinha que falta.;
Ultimamente, Lenine anda mergulhado no próximo disco de inéditas, que deve sair em 2011, depois do carnaval. ;Ainda está em processo embrionário, é prematuro falar, mas estou gerando (risos);, brinca. Também finaliza a trilha do filme Amor?, de João Jardim, um dos seis selecionados para o 43; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em novembro.
As viagens? Bom, ele viaja sempre. E nos últimos 10 anos, desde que começou sua paixão por orquídeas, descobriu uma maneira de rodar o mundo com entusiasmo juvenil: mapear suas turnês de acordo com as plantas endêmicas de cada lugar. ;As orquídeas deram um plus, viraram um grande atrativo. Transformaram as viagens, que já eram prazerosas, em algo ainda mais prazeroso;, diz o cantor, que anda com vontade de ir à Nova Zelândia para conhecer as plantas de lá. Afinal, ele ainda precisa conquistar a Oceania para ganhar o jogo do War.
O repertório
Além de Alpinista social e Aquilo que dá no coração, o CD traz duas músicas de novelas (Agora é que são elas, tema da trama homônima, e Não faz mal a ninguém, de Sete capitais), duas que entraram em trilhas de filmes (Quatro horizontes, do longa Diabo a quatro, e Como é bom a gente amar, de A pessoa é para o que nasce), três de programas infantis (De Sabugo a Visconde, do Sítio do pica-pau amarelo; Diversidade, de A terra dos meninos pelados; e A mula sem cabeça, do especial Lendas brasileiras), uma de espetáculo de dança do Grupo Corpo (Violenta) e duas de campanhas publicitárias (Minha cidade ; Menina dos olhos do mar, homenagem a Recife, e Sob o mesmo céu, feita para o Ano do Brasil na França).
Lenine comenta faixa a faixa do CD Lenine.doc/Trilhas
1. Aquilo que dá no coração ; "Foi um pedido, não o primeiro nem o último, assim espero, de minha grande amiga Denise Saraceni. Junto ao convite, recebi uma sinopse para entender a alma da novela. De cara mergulhei na trama de Silvio de Abreu e me apaixonei. Foi tudo muito rápido, desde a criação (com a participação do grande Serginho Trombone assinando o arranjo de metais) até a masterização. E lá estava a canção na abertura da novela Passione. Assim é a televisão, uma urgência galopante..."
2. De Sabugo a Visconde ; "Figura na retomada da adaptação pra TV do grande sucesso infantil Sítio do pica-pau amarelo, de Monteiro Lobato. O convite veio do autor do projeto, o genial Roberto Talma, outro que ao longo dos anos tem sido amigo, irmão e cúmplice. Eu, que fui formado viajando no universo lobateano, pude participar da reafirmação deste grande escritor brasileiro e, de quebra, ainda personificar o Visconde de Sabugosa no especial de fim de ano em que o novo Sítio foi lançado, em 2001. Valeu, Talma"
3. Quatro horizontes ; "Pedro Luís e eu compusemos e gravamos para o filme Diabo a quatro, de Alice de Andrade, lançado em 2004. O filme, que tem direção musical de Pedro, é ambientado numa Copacabana avessa ao cartão-postal e mostra, com humor e fantasia, uma delirante comédia social. O acompanhamento luxuoso da Parede foi fundamental, como sempre."
4. Agora é que são elas ; "Tem o mesmo nome da novela e foi um pedido de outro querido amigo: Jorge Fernando. Para mim, Jorginho e Guel Arraes são os responsáveis por uma renovação na teledramaturgia brasileira e, para minha sorte, estivemos juntos em muitos projetos. O ano era 2003, e a canção foi tema de uma personagem maravilhosa de Vera Fischer."
5. Minha cidade ; Menina dos olhos do mar ; "Foi feita para comemorar os 20 anos da Globo Nordeste, e é uma homenagem à cidade do Recife. Esta canção gerou um clipe comemorativo com a participação de muitos expoentes da música pernambucana. O rap final é o genial Zé Brown quem manda."
6. A Mula sem cabeça ; "Foi criada para um projeto infantil intitulado Lendas brasileiras. São 14 faixas com interpretações e criações baseadas em personagens clássicos do imaginário popular e do folclore brasileiro, como o Saci, a Mula sem Cabeça, o Boto e o Curupira."
7. Não faz mal a ninguém ; "A novela em questão é Sete pecados (2007). O pedido foi de uma canção que não fosse tema central de nenhum personagem específico. A ideia era fazer uma canção sinopse, que pudesse ser usada em momentos e para personagens diferentes, ilustrando os sete pecados capitais."
8. Como é bom a gente amar ; "Foi produzida por Lula Queiroga para o CD do longa-metragem A pessoa é para o que nasce (2005), brilhante filme de Roberto Berliner. Um documentário que conta a saga das três ceguinhas emboladoras de coco de Campina Grande. De todas as faixas que compõem este CD é a única que não é de minha autoria, mas pela importância do documento, me aproprio dela sem culpa..."
9. Sob o mesmo céu ; "Foi pensada para representar o Ano do Brasil na França, em 2005. Não é novidade pra ninguém o carinho que nutro por esse país, que me recebe tão bem há tantos anos. O convite veio dos ministérios da Cultura da França e do Brasil e foi motivo de orgulho e prazer."
10. Diversidade ; "Fez parte da trilha do especial de fim de ano A terra dos meninos pelados. Esse musical infantil, originalmente escrito por Graciliano Ramos, foi ao ar em 2003, e eu ainda tive o prazer de fazer uma ponta no especial cantando a canção. Valeu, Denise"
11. Violenta ; "Compõe a trilha sonora do espetáculo Breu (2008), do Grupo Corpo. Tenho um carinho especial por esse trabalho, não só por ter sido minha primeira trilha feita para dança ; com toda a liberdade que os Pederneiras nos deram para criar ;, mas também pela possibilidade de ver tridimensionalmente a música que faço. Inesquecível ver todos aqueles corpos reproduzindo o relevo sonoro da trilha. MTB ; Música Tridimensional Brasileira"
12. Alpinista social ; "É o início de tudo, e por isso mesmo está aqui como uma faixa bônus. Composta e gravada em 1990 para a novela Lua cheia de amor, a canção foi feita para uma personagem interpretada pela também pernambucana Arlete Sales ; uma maravilhosa coincidência! Na época foi lançada em LP, afinal, ainda vivíamos a era do vinil. Cabe aqui reconhecer e agradecer o tremendo espaço que a televisão sempre deu a nós compositores. Valeu, Mariozinho Rocha"